Opinião
07 de Janeiro de 2010 às 12:01
O caminho para a prosperidade com mercados sólidos
O colapso financeiro que esteve perto de acontecer e as posteriores contracções económicas deixaram as nações anglo-saxónicas a ponderar sobre a melhor forma para recuperar a economia e evitar crises semelhantes no futuro. Alguns membros do Centro de...
O colapso financeiro que esteve perto de acontecer e as posteriores contracções económicas deixaram as nações anglo-saxónicas a ponderar sobre a melhor forma para recuperar a economia e evitar crises semelhantes no futuro. Alguns membros do Centro de Capitalismo e Sociedade, da Universidade de Columbia, enviaram algumas recomendações à reunião do G20, que teve lugar em Abril. Para criar mais postos de trabalho, propus que os Governos criassem uma classe de bancos que recuperassem a arte perdida de financiar projectos no sector empresarial - o tipo de financiamento que os antigos bancos comerciais faziam tão bem há um século. Também reiterei o meu apoio a um subsídio às empresas que mantenham o emprego de trabalhadores com salários baixos (Singapura adoptou esta ideia com resultados invejáveis).
Para proteger os bancos comerciais dos riscos da sua própria insolvência (e de todo o país), Richard Robb sugeriu a aplicação de um pequeno imposto sobre as dívidas de curto prazo dos bancos para evitar o endividamento excessivo. Amar Bhide sugeriu que os bancos comerciais regressem à "banca segura". Se o fizessem não podiam sequer emprestar.
Mas apesar de todas as medidas políticas e debates que tiveram lugar desde essa altura, nenhuma destas sugestões foi adoptada pelos países do G20. Estes têm apostado em medidas de contra-ciclo que moderam a contracção económica em vez de reestruturar a economia. Esta moderação, por si, é bem-vinda, claro. Mas as medidas podem estar a atrasar a recuperação.
Muitas das medidas de "estímulo" orçamental aos consumidores levaram as empresas a manterem os trabalhadores em vez de os libertarem para indústrias competitivas e em crescimento de importação e exportação. Muitos dos estímulos aos proprietários de habitações estão a manter os preços das casas em níveis insustentáveis. Isto está a abrandar a absorção do excesso de recursos do sector da construção para a economia. Outra ronda de estímulos económicos globais após o abrandamento ter terminado faria subir as taxas de juro e diminuir o investimento.
As iniciativas estatais destinadas a reconstruir a "infra-estrutura" - para substituir os poucos investimentos privados por investimentos públicos em saúde, controlo ambiental e conservação da energia - não têm esse inconveniente. Mas são questionáveis como meio para criar emprego. O investimento privado é sustentado na inovação privada, que renova as boas oportunidades. Mas as boas oportunidades para o investimento estatal também podem ser renovadas? As incertezas criadas pela entrada num território desconhecido poderiam representar um obstáculo ao investimento privado?
Os Governos devem abandonar a falsa ilusão de que para alcançar a recuperação basta apenas pressionar alguns botões. Desde o começo das surpreendentes economias inovadoras que nasceram no século XIX que o método comprovado e real para alcançar uma elevada prosperidade - para que exista uma grande oferta de empregos atractivos e estimulantes - tem sido um sistema de empresas privadas inovadoras no sector empresarial.
Os governos devem "estimular" uma economia inovadora e não quilómetros e quilómetros de estradas, energia eólica e outros projectos de construção. A melhor forma de contrariar o abrandamento económico é reestruturar a economia de forma que esta recupere um "nível de normalidade" superior.
No passado mês de Dezembro, o Centro de Capitalismo e Sociedade reuniu-se em Berlim, algumas semanas após as comemorações da queda do Muro de Berlim. Esta reunião tinha como objectivo procurar formas de racionalizar e reforçar as economias debilitadas para que estas tenham o dinamismo necessário para criar prosperidade: abundância de postos de trabalho e grande satisfação no trabalho.
Naturalmente, não são conhecidos todos os instrumentos necessários para criar prosperidade. Mas muitos são. É bom ter um sector bancário gerido por uma diversidade de financeiros sagazes e capazes de reconhecer projectos de investimento inovadores e dispostos a financiá-los. É bom ter um sector empresarial no qual os accionistas não sejam vítimas de CEO que agem em proveito próprio. É mau ter gestores de fundos que vendem as acções de uma empresa a preços muito baixos se esta não alcançar os objectivos de receitas definidos para o próximo trimestre.
Ainda assim, o objectivo de alcançar um elevado dinamismo tem um problema. Os mercados, por serem constituídos por meros seres humanos, têm dificuldades em descobrir onde estão as oportunidades de investimento rentáveis. O conhecimento que uma empresa tem sobre os resultados futuros de um novo negócio é, no mínimo, imperfeito. Quanto mais inovadora for a empresa, mais imperfeito é o conhecimento antecipado dos futuros resultados.
O conhecimento de um investidor sobre os resultados da sua decisão de comprar este ou outro activo, financeiro ou real, é igualmente imperfeito. Além disso, o que os outros pensam - e em particular o que os rivais estão a fazer - pode ter um grande impacto nos resultados de uma decisão e muito do que os outros planeiam é privado e, consequentemente, inacessível. Assim, o dinamismo de uma economia depende do número de pessoas dispostas a agir apesar do pouco que sabem.
Aqueles que, como nós, na conferência de Berlim e em outros locais, procuram reconstruir as economias no sentido de um maior dinamismo devem fazê-lo com consciência destas realidade económicas. Os poderes mágicos do mercado são limitados. Felizmente, há algumas ideias e percepções políticas nas quais os governos deviam investir o seu capital político se querem retomar a inovação e a consequente prosperidade.
Uma norma antiga define que se deve evitar não quebrar, desnecessariamente, a confiança dos investidores. Quando John Maynard Keynes foi visitar o presidente Roosevelt em pleno período de depressão, aconselhou-o a moderar a retórica anti-empresarial do Governo. Por outro lado, os Governos devem evitar incutir demasiada confiança nas empresas, pois estas podem cair na tentação de aumentar as margens comerciais e afectar as vendas.
A simplificação das instituições financeiras, em especial as que têm o apoio implícito do Governo, deve desempenhar um papel na reconstrução de uma economia dinâmica. As classificações que pretendem ter em consideração o "risco sistémico" podem ser tão perigosas como as que ignoram esse risco. "Hedge funds" e empresas de capital de risco que se aventuram em novos projectos e os bancos comerciais reconstituídos estão relativamente bem preparados para tomar decisões financeiras e para se lançarem no desconhecido e fazê-lo num horizonte que não é definido pelos lucros trimestrais.
Também há ideias para resolver as oscilações especulativas, que podem levar a investimentos ruinosos e a uma perda de inovação. As suas "correcções" podem também ter custos - uma queda do negócio e da inovação.
Um estudo - denominado "Imperfect Knowledge Economics" - recentemente desenvolvido por um membro do centro, Roman Frydman, em colaboração com Michael Goldberg, mostra que oscilações excessivas dos preços dos activos resulta do entendimento imperfeito que os participantes no mercado têm sobre as futuras recompensas das suas decisões. Este estudo fornece uma explicação racional para a intervenção política no mercado de activos e tem também consequências importantes na forma como os reguladores devem calibrar e gerir o risco financeiro sistémico.
O estudo reconhece que, a longo prazo, o mercado alcança melhores resultados (apesar de não serem perfeitos) na definição de preços do que os reguladores, mas defende a existência de medidas inovadoras, incluindo uma "lista de orientações" sobre os preços dos activos e a variação conveniente de depósitos mínimos e necessidades de capital, para moderar os excessivos movimentos de preços.
Recuperar um capitalismo que funcione bem pode ser uma montanha difícil de escalar. Mas temos motivos para acreditar que está ao nosso alcance.
Edmund S. Phelps é director do Center on Capitalism and Society na Universidade de Columbia e vencedor do prémio Nobel da Economia em 2006.
© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Para proteger os bancos comerciais dos riscos da sua própria insolvência (e de todo o país), Richard Robb sugeriu a aplicação de um pequeno imposto sobre as dívidas de curto prazo dos bancos para evitar o endividamento excessivo. Amar Bhide sugeriu que os bancos comerciais regressem à "banca segura". Se o fizessem não podiam sequer emprestar.
Mas apesar de todas as medidas políticas e debates que tiveram lugar desde essa altura, nenhuma destas sugestões foi adoptada pelos países do G20. Estes têm apostado em medidas de contra-ciclo que moderam a contracção económica em vez de reestruturar a economia. Esta moderação, por si, é bem-vinda, claro. Mas as medidas podem estar a atrasar a recuperação.
As iniciativas estatais destinadas a reconstruir a "infra-estrutura" - para substituir os poucos investimentos privados por investimentos públicos em saúde, controlo ambiental e conservação da energia - não têm esse inconveniente. Mas são questionáveis como meio para criar emprego. O investimento privado é sustentado na inovação privada, que renova as boas oportunidades. Mas as boas oportunidades para o investimento estatal também podem ser renovadas? As incertezas criadas pela entrada num território desconhecido poderiam representar um obstáculo ao investimento privado?
Os Governos devem abandonar a falsa ilusão de que para alcançar a recuperação basta apenas pressionar alguns botões. Desde o começo das surpreendentes economias inovadoras que nasceram no século XIX que o método comprovado e real para alcançar uma elevada prosperidade - para que exista uma grande oferta de empregos atractivos e estimulantes - tem sido um sistema de empresas privadas inovadoras no sector empresarial.
Os governos devem "estimular" uma economia inovadora e não quilómetros e quilómetros de estradas, energia eólica e outros projectos de construção. A melhor forma de contrariar o abrandamento económico é reestruturar a economia de forma que esta recupere um "nível de normalidade" superior.
No passado mês de Dezembro, o Centro de Capitalismo e Sociedade reuniu-se em Berlim, algumas semanas após as comemorações da queda do Muro de Berlim. Esta reunião tinha como objectivo procurar formas de racionalizar e reforçar as economias debilitadas para que estas tenham o dinamismo necessário para criar prosperidade: abundância de postos de trabalho e grande satisfação no trabalho.
Naturalmente, não são conhecidos todos os instrumentos necessários para criar prosperidade. Mas muitos são. É bom ter um sector bancário gerido por uma diversidade de financeiros sagazes e capazes de reconhecer projectos de investimento inovadores e dispostos a financiá-los. É bom ter um sector empresarial no qual os accionistas não sejam vítimas de CEO que agem em proveito próprio. É mau ter gestores de fundos que vendem as acções de uma empresa a preços muito baixos se esta não alcançar os objectivos de receitas definidos para o próximo trimestre.
Ainda assim, o objectivo de alcançar um elevado dinamismo tem um problema. Os mercados, por serem constituídos por meros seres humanos, têm dificuldades em descobrir onde estão as oportunidades de investimento rentáveis. O conhecimento que uma empresa tem sobre os resultados futuros de um novo negócio é, no mínimo, imperfeito. Quanto mais inovadora for a empresa, mais imperfeito é o conhecimento antecipado dos futuros resultados.
O conhecimento de um investidor sobre os resultados da sua decisão de comprar este ou outro activo, financeiro ou real, é igualmente imperfeito. Além disso, o que os outros pensam - e em particular o que os rivais estão a fazer - pode ter um grande impacto nos resultados de uma decisão e muito do que os outros planeiam é privado e, consequentemente, inacessível. Assim, o dinamismo de uma economia depende do número de pessoas dispostas a agir apesar do pouco que sabem.
Aqueles que, como nós, na conferência de Berlim e em outros locais, procuram reconstruir as economias no sentido de um maior dinamismo devem fazê-lo com consciência destas realidade económicas. Os poderes mágicos do mercado são limitados. Felizmente, há algumas ideias e percepções políticas nas quais os governos deviam investir o seu capital político se querem retomar a inovação e a consequente prosperidade.
Uma norma antiga define que se deve evitar não quebrar, desnecessariamente, a confiança dos investidores. Quando John Maynard Keynes foi visitar o presidente Roosevelt em pleno período de depressão, aconselhou-o a moderar a retórica anti-empresarial do Governo. Por outro lado, os Governos devem evitar incutir demasiada confiança nas empresas, pois estas podem cair na tentação de aumentar as margens comerciais e afectar as vendas.
A simplificação das instituições financeiras, em especial as que têm o apoio implícito do Governo, deve desempenhar um papel na reconstrução de uma economia dinâmica. As classificações que pretendem ter em consideração o "risco sistémico" podem ser tão perigosas como as que ignoram esse risco. "Hedge funds" e empresas de capital de risco que se aventuram em novos projectos e os bancos comerciais reconstituídos estão relativamente bem preparados para tomar decisões financeiras e para se lançarem no desconhecido e fazê-lo num horizonte que não é definido pelos lucros trimestrais.
Também há ideias para resolver as oscilações especulativas, que podem levar a investimentos ruinosos e a uma perda de inovação. As suas "correcções" podem também ter custos - uma queda do negócio e da inovação.
Um estudo - denominado "Imperfect Knowledge Economics" - recentemente desenvolvido por um membro do centro, Roman Frydman, em colaboração com Michael Goldberg, mostra que oscilações excessivas dos preços dos activos resulta do entendimento imperfeito que os participantes no mercado têm sobre as futuras recompensas das suas decisões. Este estudo fornece uma explicação racional para a intervenção política no mercado de activos e tem também consequências importantes na forma como os reguladores devem calibrar e gerir o risco financeiro sistémico.
O estudo reconhece que, a longo prazo, o mercado alcança melhores resultados (apesar de não serem perfeitos) na definição de preços do que os reguladores, mas defende a existência de medidas inovadoras, incluindo uma "lista de orientações" sobre os preços dos activos e a variação conveniente de depósitos mínimos e necessidades de capital, para moderar os excessivos movimentos de preços.
Recuperar um capitalismo que funcione bem pode ser uma montanha difícil de escalar. Mas temos motivos para acreditar que está ao nosso alcance.
Edmund S. Phelps é director do Center on Capitalism and Society na Universidade de Columbia e vencedor do prémio Nobel da Economia em 2006.
© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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