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Uma boa economia para a China

A China deve ter em mente que o sector privado pode igualar - ou superar - o sector público no fornecimento de muitos serviços que são agora prestados pelo Estado.

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Décadas de crescimento lento juntamente com a crise financeira de 2008 provocaram uma mudança sísmica no pensamento económico em grande parte do mundo. Fala-se da deslocação de recursos do investimento para o consumo, da indústria pesada para os "serviços" e do sector privado para o sector público. Mas o que me impressiona é que esses argumentos concentram-se apenas na melhoria do "mix" de produtos dentro de uma economia, sem dar atenção ao trabalho.

 

Isto é óbvio no caso da China, que é hoje a maior economia do mundo, de acordo com algumas medições. Sem dúvida, a China deve rejeitar novos investimentos em gigantescas fábricas de aço e prédios de apartamentos vazios. Ao mesmo tempo, contudo, deve focar-se nos trabalhadores e em elevar a experiência do seu trabalho, algo que economistas desde Adam Smith a Karl Marx e Alfred Marshall colocaram no centro das suas preocupações.

 

Nem todos concordam. Quando se trata da experiência de trabalho, muitos - especialmente na Europa continental - acreditam que a alocação óptima (que implica instituições que funcionam bem), se acompanhada por investimentos em educação, é tudo o que é necessário. Afinal, os italianos, os alemães e os franceses trabalham arduamente e bem num número de horas relativamente pequeno,  resultando numa elevada produtividade horária e salários – mais elevados do que nos Estados Unidos ou Reino Unido.

 

No entanto, os europeus continentais não parecem particularmente felizes com o seu trabalho. A prova circunstancial é o número de dias de férias que gozam - e a sua participação relativamente baixa na força de trabalho. E os dados sobre a satisfação no trabalho dão provas claras: entre os grandes países ocidentais, os trabalhadores na Europa continental são os que revelam níveis mais baixos.

 

Isso não é surpreendente. Em geral, as empresas da Europa já não são lugares onde novos estímulos e novos desafios envolvem as mentes dos trabalhadores. Mas se a China deve evitar o modelo europeu em busca de eficiência, qual o modelo que deveria abraçar?

 

No meu livro "Mass Flourishing" defendo que o modelo certo é a boa economia, que é uma economia que oferece uma boa vida. A alocação óptima de recursos (que pressupõe eficiência) é uma característica necessária, mas não suficiente, de uma boa economia. Na verdade, o foco exclusivo sobre o aumento do consumo interno deverá levar os líderes da China a negligenciarem outras políticas necessárias para uma boa economia.

 

Aqui, discordo de muitos economistas - incluindo os meus queridos amigos Joseph Stiglitz, Jean-Paul Fitoussi e Vladimir Kvint - cujo padrão preferido é a qualidade de vida. Isto quer dizer principalmente amplo consumo e amplo lazer, juntamente com bens públicos - por exemplo, ar puro, alimentos seguros e ruas seguras - e comodidades cívicas, tais como parques municipais e estádios desportivos.

 

Esta é uma versão aprimorada de um ideal que remonta à antiguidade. Não sou contra esses serviços ou a sua prestação por parte do Estado; mas eles não são congruentes com o conceito dos filósofos de uma "boa vida". (Aristóteles disse, em tom de brincadeira, que precisávamos desses serviços para recuperar para o próximo dia de trabalho).

 

Outro querido amigo, Amartya Sen, aponta que o foco dos economistas no consumo deixa de fora a necessidade das pessoas de "fazer coisas". Mas ele não vai longe o suficiente. As pessoas querem sair dos programas de trabalho em que não dispõem de autonomia.

 

Para uma boa vida, as pessoas precisam de um grau de acção no seu trabalho. Querem ser capazes de tomar a iniciativa e fazer o trabalho que está envolvido. As pessoas valorizam a possibilidade de se expressarem - de expressarem os seus pensamentos ou mostrarem o seu talento.

 

Por outras palavras, as pessoas valorizam a realização através dos seus próprios esforços. Eu tenho usado a palavra "prosperar" (do latim antigo prospere, que significa "como se desejava, ou esperava") para me referir à experiência de ter sucesso no trabalho: a gratificação de um artesão ao ver as suas habilidades valorizadas pelos outros, a satisfação de um comerciante ao ver os seus "navios a chegarem", ou o sentimento de validação de um estudante por parte de um professor honorário.

 

As pessoas também valorizam o crescimento pessoal que pode advir da sua carreira. Eu uso a palavra "florescer" para me referir à satisfação de uma viagem para o desconhecido - a emoção dos desafios e o apelo da superação de obstáculos. De facto, alcançar, prosperar e florescer são palavras que se referem a recompensas experienciais, e não monetárias. 

Que tipo de economia ofereceria essa boa vida? A história sugere que seria uma economia de empreendedores (disperta para oportunidades despercebidas, e exercendo a sua iniciativa de experimentar coisas novas) e de pessoas inovadoras (imaginando coisas novas, desenvolvendo novos conceitos em produtos comerciais e métodos). Os participantes de uma boa economia como esta vão desde os membros das bases da sociedade aos mais favorecidos.

Este é o tipo de economia que eu espero que a China desenvolva. Claro que, num momento de dificuldades, um país pode não ser imediatamente capaz de alcançar uma boa economia; o seu povo vai querer primeiro ar limpo e alimentos seguros. O risco é que satisfazer plenamente toda a miríade de exigências de serviços públicos requer um sector público tão grande que poderia muito bem desencorajar actividades inovadoras no sector privado.

A China deve ter em mente que o sector privado pode igualar - ou superar - o sector público no fornecimento de muitos serviços que são agora prestados pelo Estado. O metro foi, a certa altura, criação de empreendedores privados. Hoje, o passo mais radical no transporte urbano é a Uber, e a mudança mais radical no futuro próximo é provavelmente o carro sem condutor - ambas criações do sector privado.

Claro, alguns cínicos dizem que os chineses não possuem nem a sofisticação nem o temperamento para serem inovadores. No entanto, estimativas de inovação local na China e nos países do G7 mostram que a China já ficou em quarto lugar na década de 1990; e na década seguinte, quando o Reino Unido e o Canadá caíram, a China subiu para o segundo lugar - não muito atrás dos EUA.

A verdade é que há muito menos inovação nos Estados Unidos do que já houve anteriormente - e quase nenhuma na Europa. Assim, a China poderia tornar-se uma importante fonte de inovação para a economia global, igualando ou superando a América. A meu ver, esta é uma oportunidade inestimável para a China - e um desenvolvimento que deve ser saudado no resto do mundo.

 

Edmund S. Phelps, laureado com o prémio Nobel da Economia em 2006, é director do Center on Capitalism and Society da Universidade de Columbia e autor de Mass Flourishing.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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