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13 de Agosto de 2010 às 11:58

O adeus aos "shoguns" na sombra*

Há um déjà vu por todo o Japão.

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Apesar da maioria confortável conseguida nas eleições por Yukio Hatoyama, à frente do Partido Democrata do Japão (DPJ), no passado mês de Setembro, o primeiro-ministro renunciou ao cargo apenas 262 dias depois de ter iniciado funções. Infelizmente, as alterações repentinas da principal cara do Executivo são, praticamente, acontecimentos anuais no Japão dos dias de hoje, com a resignação de Hatoyama a representar a quarta transferência de poder para um novo líder nos últimos quatro anos.

Enquanto esteve no poder, o Partido Democrata do Japão acusou o Partido Democrata Liberal (LDP) de mudar constantemente de líder. Com o mesmo a acontecer agora com os democratas, o povo japonês está apreensivo e as pessoas começam a questionar se há alguma coisa podre no seu sistema político.

A inaptidão de Hatoyama para cuidar das mais decisivas questões de segurança nacional teve um papel importante na sua ruína. Hostilizou os seus aliados do Partido Social Democrata (SDP) ao optar por, após meses de hesitações, honrar um compromisso com os Estados Unidos da América, de forma a assegurar o futuro da Base Aérea de Futenma, em Okinawa. Tendo prometido encerrar o espaço durante a campanha eleitoral e tendo até lutado por isso quando já estava no cargo, a inversão da posição de Hatoyama levou os sociais democratas a deixarem a coligação, já que o partido tinha prometido que a base iria deixar o território japonês.

Hatoyama não só perdeu um parceiro essencial da coligação, como também o homem que o tinha colocado naquele cargo foi forçado a sair. O secretário-geral do partido, Ichiro Ozawa (o homem forte da instituição, na sombra), demitiu-se do seu cargo ao mesmo tempo que Hatoyama. A ambição de Ozawa em fazer da próxima eleição um grande final para a sua carreira política, através do fortalecimento do Partido Democrata do Japão como o partido do governo, parece agora em perigo.

Isto porque as dificuldades do Governo de Hatoyama não se ficaram apenas pelo assunto relacionado com a base aérea americana de Okinawa. Na realidade, o Executivo também foi negligente ao lidar com a febre aftosa na região de Miyazaki, permitindo que a doença ficasse fora de controlo. E em vez de supervisionar a gestão do surto, o ministro da Agricultura, Silvicultura e Pesca, Hirotaka Akamatsu, lançou-se numa grande viagem até Cuba, para se encontrar com Raúl Castro (uma decisão muito estranha, tendo em conta as tensas relações entre os Estados Unidos e o Japão). A jornada contribuiu ainda mais para a ideia de que o Governo de Hatoyama estava numa rota anti-Estados Unidos, da mesma forma absurda que esteve o antigo presidente da Coreia do Sul, Roh Moo-hyun.

Ao perder todo o apoio dentro do próprio partido, Hatoyama não teve outra opção a não ser resignar. Obrigar à demissão de Ozawa, para acompanhá-lo, pode ser considerada a única decisão significativa de Hatoyama como primeiro-ministro. A saída de Ozawa da cena política, a concretizar-se, é de longe o acontecimento mais importante.

No passado, Ozawa foi o mais jovem secretário-geral do Partido Democrata Liberal. Protegido do antigo primeiro-ministro Kakuei Tanaka, uma estranha personagem do partido, os métodos políticos de Ozawa simbolizavam as piores características da velha plutocracia faccionária daquele partido. No entanto, em 1993, depois de ter falhado a conquista do controlo da estrutura, saiu juntamente com outros 45 membros para criar o Partido Shinsei, supostamente para pressionar a realização de uma reforma eleitoral.

Com os eleitores japoneses a tornarem-se apoiantes de novos partidos após dezenas de anos com o Partido Democrata Liberal no poder, Shinsei ganhou um grande impulso, o que conduziu à criação da primeira coligação governamental sem a presença daquele partido desde meados dos anos 50. Apesar disso, os democratas liberais mantiveram a maioria dos assentos da Câmara Alta, rapidamente criando uma coligação com os seus antigos rivais, os sociais-democratas, obrigando Ozawa a regressar à oposição.

Em 1999, Ozawa conseguiu o controlo do Partido Democrata do Japão, que Hatoyama e Naoto Kan, o novo primeiro-ministro, haviam fundado. Foram precisos dez anos para tornar possível um governo do partido, e apenas por se ter fabricado uma coligação com os sociais-democratas. Ao acabar com esta coligação, Hatoyama destruiu a maioria governativa que Ozawa tinha construído de forma tão perspicaz. Sem ele, não só o Partido Democrata do Japão tem uma oportunidade para se renovar, como também a têm os democratas liberais.

O grande perigo da dança das cadeiras sobre o cargo de primeiro-ministro japonês é que as tricas políticas desviam a atenção dos reais problemas que a Ásia enfrenta na actualidade. As tensões na Península Coreana continuam tão graves como em qualquer momento das últimas décadas e a China está a criar um massivo armazenamento militar. Por sua vez, o Japão devia procurar marcar a diferença para garantir a estabilidade asiática em vez de estar a divertir-se com jogos políticos estéreis.

O resto da Ásia pode-se contentar em sentar e assistir ao espectáculo da política sem visão do Japão, se a capacidade do país para ajudar a estabilizar a região deixar de interessar. O facto de o Japão não ter nada para oferecer à Tailândia nos seus momentos de conflito é a grande prova do quão irrelevante foi a contribuição de Hatoyama para o país.

Como antigo ministro das Finanças, vice primeiro-ministro e produto de um movimento das bases da sociedade civil, o novo primeiro-ministro Kan vê-se agora numa trama, nomeadamente tendo em conta os rumores das intenções de Ozawa de derrubá-lo no próximo Outono. A contínua instabilidade dentro do Partido Democrata do Japão faz com que seja mais importante para o Partido Democrata Liberal o empreendimento de sérias reformas internas.

Embora Ozawa mantenha uma considerável influência e possa, assim, determinar a sua vontade no Partido Democrata do Japão, isto tem de ser proibido. As políticas de Tanaka e Ozawa produziram um enfraquecimento dos líderes eleitos democraticamente e favoreceu os chefes dos partidos que se mantêm na sombra. É claro que dirigentes respeitáveis como os antigos primeiros-ministros Yasahiro Nakasone e Junichiro Koizumi eram, com o passar dos anos, capazes de dominar o sistema de "shoguns" na sombra, mas nenhuma democracia pode esperar que sejam sempre eleitos grandes líderes em todas as vezes que há uma votação. Embora sem certezas, a queda de Ozawa pode fazer regressar as políticas japonesas ao local a que pertencem: às mãos dos dirigentes eleitos democraticamente.


Yuriko Koike, antiga ministra japonesa da Defesa e assessora da Segurança Nacional,
é membro da oposição do sistema político japonês.

Nota de Tradução:
*Shogun é o título de uma hierarquia ditatorial militar que vigorou no Japão.


© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro





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