Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
07 de Setembro de 2006 às 13:59

O acórdão Bosman segundo S. Mateus

É reconhecido por quase todos, inclusive pelos adeptos mais fervorosos do futebol, que não se deixam obnubilar pelo fanatismo desportivo, que a FIFA e a UEFA usam e abusam do poder que lhes é conferido ...

  • ...

É reconhecido por quase todos, inclusive pelos adeptos mais fervorosos do futebol, que não se deixam obnubilar pelo fanatismo desportivo, que a FIFA e a UEFA usam e abusam do poder que lhes é conferido e que avocam competências regulamentares impondo, supranacionalmente, regras que vão contra a ordem jurídica de Estados soberanos.

Sobretudo a FIFA que, financeiramente tem a possibilidade de recompensar a participação dos clubes com receitas não negligenciáveis, parece, assim, uma vez mais ter o poder de fazer girar um suposto desporto do futebol a nível mundial.

Contudo, qual aldeia gaulesa, o espaço comunitário, dotado de uma ordem jurídica própria e muito musculada, de que o Tribunal de Justiça é guardião zeloso, já demonstrou, há cerca de dez anos, que não abdica do princípio do primado o qual traduz a impossibilidade da adopção de normas nacionais ou internacionais que estejam em contradição com as normas comunitárias.

Foi assim com Jean-Marc Bosman, um obscuro futebolista belga do R.C. de Liége, que recorreu a tribunal quando este clube impediu a sua transferência para um outro clube francês US Dunkerque, alegando que as regras de transferência da Federação de Futebol Belga e da UEFA-FIFA não o permitiam. Considerando que estavam em causa normas comunitárias em matéria de livre circulação de trabalhadores, o tribunal nacional suspendeu a instância e colocou várias questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça das Comunidades.

Foi esta instituição, através do célebre acórdão Bosman, que declarou que aquelas regras de transferência afectavam directamente o acesso dos jogadores ao mercado de emprego noutros Estados membros e, portanto, eram contrárias às normas do Tratado em matéria de livre circulação, dado que a entravavam ou, no limite, a impediam. A defesa apresentada pelas federações de que aquelas regras tinham em vista a manutenção de um equilíbrio saudável ao nível financeiro e competitivo entre clubes, não foram aceites pelo Tribunal que considerou que havia modos menos restritivos de atingir aqueles objectivos. Assim, quer a UEFA, quer a FIFA foram obrigadas a modificar os seus regulamentos, pelo menos no território dos países da União Europeia e do Espaço Económico Europeu que abrange a Noruega, a Islândia e o Lichenstein, embora as continuem a manter para países terceiros.

Aliás, na sequência deste caso, a Comissão, fazendo uso dos seus poderes enquanto guardiã dos Tratados, já por diversas vezes avisou a UEFA e a FIFA, notificando-as formalmente, no sentido de que se não cessassem comportamentos lesivos do direito comunitário iria instaurar procedimentos de infracção com base em violação de regras de concorrência.

Ora, este pode ser um precedente que subjaz à atitude do Gil Vicente, ou melhor do seu jogador Mateus, que já tem nome de caso. Com efeito, o que é reprovado a este clube é de ter inscrito este jogador como profissional antes de ter decorrido um ano sobre a sua inscrição como amador, de acordo com a regulamentação em vigor a que o visado alega que estes são limitativas e violadoras da liberdade de trabalhar, do seu direito ao trabalho. Percebe-se que, de forma pouco forçada, se podem fazer algumas analogias com a jurisprudência Bosman.

Isto sem falar na proibição de recurso aos tribunais comuns impostas pela FIFA e ainda, na sequência, a penalização «pour cause» de todo o futebol português. No limite, este tipo de atitude viola princípios comuns às Constituições dos diversos Estados membros e, ainda, o direito internacional, pelo menos ao nível da Carta dos Direitos e Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa, cujo controlo jurisdicional é assegurado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

A FIFA precisa, por isso, de se acautelar, porque já tem um precedente daquilo que o Tribunal de Justiça e a Comissão Europeia são capazes para defender, de forma intransigente, princípios e normas jurídicas que impedem a prepotência de lobbies, desportivos ou outros, quando pretendam colocar-se à margem de uma comunidade de direito.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio