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01 de Fevereiro de 2005 às 13:59

Novas fronteiras, velhos problemas

Entre o «paraíso» e o «inferno» dos off-shores, quem no fim sairá vencedor e a que preço?

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Num mundo cada vez mais interdependente como o actual, a possibilidade ou viabilidade de um país aumentar unilateralmente, e de modo substancial, impostos e taxas tornou-se função não só de factores nacionais, tradicionais, mas também em parte considerável de factores «externos» que, a não serem ponderados, poderão afectar de modo irreparável a competitividade das suas empresas e produtos, por um lado, e as vantagens relativas da respectiva economia na atracção de investimento e capitais estrangeiros, por outro.

Significa isto que a fiscalidade se tornou hoje para muitos países na «arma», e a concorrência fiscal internacional no «palco» onde se desenvolvem tácticas e estratégias de uma (nova) «guerra económica».

Será, no entanto, a competição fiscal entre as Nações um mal em si mesma? A Comissão Europeia em Comunicação datada de Outubro de 1997, afirmava a este propósito que «a concorrência em matéria fiscal deverá, por si só, ser considerada como positiva beneficiando os cidadãos e impondo uma pressão no sentido da redução das despesas públicas. Contudo, uma concorrência ilimitada relativamente aos factores móveis poderá tornar os sistemas fiscais desfavoráveis ao emprego e dificultar uma redução ordenada e estruturada da carga fiscal global (...) limitando cada vez mais a liberdade de os Estados-membros optarem pela estrutura fiscal adequada, inclusive através de um alargamento da matéria colectável e de uma redução de taxas».

É neste contexto que ganha relevância a realidade designada por «off-shores», «tax harbors», ou «tax havens», ou na correspondente expressão portuguesa, por «paraísos fiscais». Corruptela da palavra inglesa «haven» - que significa «porto», «abrigo» -, e que um qualquer «ouvido» mais desatento interpretou como «heaven» - que significa «céu», «paraíso»- , o termo ficou e ganhou foro de instituição. Talvez até porque o desejo (ancestral) de encontrar um lugar ou forma de não pagar impostos sempre tenha sido considerado pelos humanos como um «lugar dos deuses»...

Mas o que são «paraísos fiscais»? Numa definição simples de uma realidade com múltiplas manifestações, poderíamos dizer que são áreas territorialmente limitadas em que o nível de tributação é nulo ou muito reduzido quando comparado com os «standards» nacionais ou internacionais, que beneficia predominante ou exclusivamente não residentes («ring-fencing»), e que evita ou recusa a troca de informações com as autoridades fiscais de origem dessas actividades, capitais e pessoas.

Este «fenómeno» não é novo na sua essência. Há até quem refira que «concorre, em idade, com as mais velhas profissões do mundo»... (Doggart, 1997), e terá nascido praticamente com o imposto: «Já na antiga Grécia, as pequenas ilhas vizinhas de Atenas se tornaram refúgios onde os mercadores, fazendo um desvio de vinte milhas, armazenavam as suas mercadorias para evitarem o imposto de dois por cento, aplicado pela cidade às importações. De igual modo, os negociantes que se instalavam na cidade de Londres durante a Idade Média estavam exonerados de qualquer imposto» (Leservoisier, 1990).

Ganhou, contudo, maior relevância na última década, e sem a pretensão de ser exaustivo, o folhear de uma meia dúzia de «Tax Havens Guides» alerta para o seu elevado número (mais de uma centena!), diversidade geográfica (inclusive, em zonas e territórios de países conhecidos como «paladinos» do combate aos paraísos fiscais...), especialização, vantagens comparativas, credibilidade (?), etc. É, portanto, uma realidade mundial e mundializada.

Com base no uso de «paraísos fiscais», e a coberto das suas características de não-cooperação e falta de transparência, empresas e indivíduos concebem e criam organizações, planeiam operações, ficcionam movimentos, efectuam deslocalizações e usam «artifícios» com o fito, primordial, de reduzirem ou evadirem os respectivos impostos. As principais consequências concretizam-se em perdas de receitas fiscais por parte dos países assim atingidos; em distorções em termos de equidade e eficiência no funcionamento dos mercados e nas relações económicas internacionais; em efeitos adversos sobre as balanças de pagamentos, sujeitas à erosão dos movimentos especulativos de capitais e às deslocalizações do investimento e da produção; e em fenómenos acrescidos de «branqueamento de capitais», de refúgio de actividades e ganhos ilícitos e criminosos (neste sentido, Mota, 1994).

A «legitimidade» e legalidade de tais práticas é questionável e questionada, dando lugar a controvérsias, nos planos teórico, técnico, e político, face à proximidade de realidades «cinzentas» como o «planeamento» / «elisão» fiscal.

Estas são, portanto, «novas fronteiras» que colocam aos legisladores e governos nacionais, bem como à comunidade das nações, os seculares e «velhos problemas» de tributar com justiça e partilhar com equilíbrio as bases de tributação a nível internacional. Pelo que entre o «paraíso» e o «inferno» dos off-shores, quem no fim sairá vencedor e a que preço?

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