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Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal

Hoje, ao final do dia, deverão ser divulgados os resultados dos testes de stress aos bancos europeus, parte integrante da política de regulação e supervisão do sistema bancário europeu, alvo de profunda reformulação nos últimos anos.

Constitui um momento de transmissão de informação ao mercado. Será benéfico se contribuir para reduzir a incerteza que tem estado por detrás de um período tão conturbado de funcionamento dos mercados financeiros.

É um exercício relevante e exigente. Relevante porque providencia informação adicional, com detalhe, e com a preocupação de o fazer numa base tão uniforme quanto possível para os 91 bancos europeus que participam no exercício (nos EUA, por exemplo, o nível de transparência é muito inferior). Exigente porque avalia a solvabilidade das instituições simulando um cenário macro-económico muito adverso acompanhado por forte instabilidade dos mercados financeiros. As instituições que não atinjam os mínimos do teste ou que revelem folga reduzida serão alvo de intervenções específicas ou acompanhamento próximo por parte das entidades de supervisão.

Também é provável que, ainda este mês, seja conhecida a proposta de directiva europeia de adequação de capitais revista. Este processo de revisão decorre desde o final de 2009 e teve por base as propostas provenientes de Basileia III mas com algumas adaptações para a realidade dos sistemas financeiros europeus, após consulta pública e avaliação de exercícios de impacto.

Na directiva revista, parte de um conjunto mais vasto de medidas de supervisão e regulação adicionais para o sistema financeiro, são instituídos requisitos mínimos de capital substancialmente mais restritivos do que os actuais, quer nos níveis quer nas ponderações dos elementos que os compõem, regras para o financiamento dos bancos, incentivando a maior estabilidade dos recursos, e requisitos adicionais tendentes a que mesmo numa fase descendente do ciclo económico as instituições financeiras conservem níveis mínimos de solvência.

O impacto destas medidas cumulativas é expressivo e constitui uma mudança de regime relevante para o sistema financeiro, razão pela qual se espera seja proposta uma implementação faseada e gradual das novas regras no período 2013-2019. Naturalmente que este zelo visa contribuir para o reforço da confiança dos investidores e dos clientes nas instituições financeiras mas também tem custos. Levado ao absurdo inviabilizaria a actividade creditícia.

Finalmente, e de um modo particular a Portugal, no final de Junho os bancos portugueses submeteram os respectivos planos de capital e de financiamento de médio prazo à entidade supervisora, que deverão ser coerentes com o objectivo de "desalavancagem" do sector financeiro e da economia em geral. Da análise destes planos poderão resultar linhas de orientação em termos de necessidades de capital ou de captação de recursos financeiros estáveis. Notícias recentes na imprensa indicavam que tais orientações não deveriam ocorrer antes do início do quarto trimestre, tendo em conta ser necessário avaliar os planos em si e o respectivo efeito na evolução da actividade económica.

Estes exemplos constituem três peças, no âmbito da acção regulamentar e subsequente supervisão, que condicionam, de forma bastante prática e decisiva, a evolução do negócio bancário no futuro próximo. Nesse sentido, representam um desafio acrescido na conciliação com os objectivos que se perfilam do lado "real", de suporte à economia e de promoção do crescimento potencial a prazo, e que constam no Programa de Governo e no plano de ajustamento económico e financeiro acordado com a UE e com o FMI.

Para o posicionamento das entidades credoras entre estas duas solicitações será bem-vinda alguma criatividade mas será sobretudo determinante o tipo e a qualidade da informação que definem a atractividade da solicitação de crédito. O equilíbrio entre a contenção e a promoção implica escolha. A escolha será orientada em função dos incentivos presentes em cada momento: a "restrição capital" enviesa a favor de projectos com menor consumo de capital e logo de melhor qualidade creditícia; a "restrição financiamento" beneficia projectos de reembolso mais rápido e de menor valor.

Não estando em perspectiva um recuo no impulso uniformizador na regulação e prática supervisora dos sistemas financeiros europeus, e portanto nestes incentivos, o apoio financeiro à desejada revitalização da economia portuguesa e à reestruturação empresarial terá de ser assistido por iniciativas individuais, colectivas, institucionais, que, tendo presente este quadro, permitam às empresas alcançar as condições que lhes potencie o estatuto de preferência na escolha.

Gabinete de Estudos do Millennium BCP
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