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04 de Março de 2002 às 15:27

Miguel Frasquilho: «Produtividade e choque fiscal»

Se a Irlanda – que, ao que me consta, não é composta por super-homens – conseguiu dar o salto, é minha convicção que Portugal também o poderá fazer. Basta que para tal haja vontade e opções de política económica (leia-se, orçamental) correctas

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Sou um adepto confesso do caso de sucesso irlandês. No ano que passou tive a oportunidade de visitar a Irlanda por duas vezes, ambas por motivos profissionais e o que pude constatar «in loco», aquando da minha estadia em Dublin, confirmou as suspeitas que já levava: o «arranque» para a trajectória de sucesso hoje conhecida e elogiada por todos deveu-se, não totalmente, mas numa boa parte, a opções de política económica muito concretas.

O resultado é conhecido de todos: em termos de crescimento económico e, portanto, de rendimento per capita (medida mais usada para medir o nível de vida), a Irlanda conheceu, desde o final dos anos 80, um sucesso sem precedentes, um verdadeiro «case study» a nível mundial.

A percepção com que fiquei das análises quantitativas que tenho realizado a propósito do caso irlandês (e que não cabem no âmbito deste artigo, até por uma questão de… espaço) levaram a que tivesse concluído que a subida da produtividade foi absolutamente essencial para o crescimento económico saudável registado, que conduziu o país à invejável situação de ser, hoje, um dos mais ricos da Europa, ter contas públicas excedentárias e contas externas praticamente equilibradas. Isto, claro, para além de a taxa de desemprego ter sido reduzida dos quase 17% da população activa em 1987 para os actuais 4%. A figura em anexo prova a estreita relação entre a evolução da produtividade e do PIB per capita na Irlanda entre 1988 e 2001.

Em minha opinião, o crescimento da produtividade deveu-se, em boa parte, às opções de política económica seguidas pelas autoridades irlandesas que, resumidamente, foram as seguintes: controlo efectivo das despesas públicas (especialmente da vertente das despesas com o pessoal) e posterior descida das taxas de imposto, com especial destaque para a forte descida da taxa de IRC, que se encontra muito ligada ao «boom» que o IDE experimentou desde o início dos anos 90.

É claro que outros factores tiveram relevância nesta trajectória, parecendo-me justo destacar os seguintes:

 

(i)                 A aposta decisiva na educação, decidida nos anos 60 e cujos frutos começaram a ser visíveis nos anos 80[1] (veja-se o período de espera pelos resultados: praticamente uma geração…).

(ii)               O facto de a língua oficial do país ser o inglês, língua internacional por excelência.

(iii)             A favorável conjuntura internacional no início de todo o processo.


PIB per capita e produtividade na Irlanda em percentagem da UE-15 e a preços constantes de 1995, 1988-2001.


Fontes: Comissão Europeia, cálculos do autor.

Porém, esta argumentação deve ser usada com cuidado. No caso do inglês, facilmente se percebe que se trata de um argumento artificial, uma vez que não foi em 1988 que o inglês foi instituído como língua oficial da Irlanda e, até aí, o actual «tigre celta» sempre se cotou como um dos países mais pobres da Europa Ocidental; quanto à conjuntura internacional positiva, é um factor que é, realmente, impossível de controlar para uma economia aberta e aí pode, de facto, ser entendido que terá havido sorte; finalmente, a aposta na educação foi uma opção tomada nos anos 60 – logo, a conclusão que se pode retirar é que, no final dos anos 80, alguma coisa teve que ser alterada para mudar a situação.

Ora, é por demais conhecido que o problema central da economia portuguesa é a baixíssima produtividade que historicamente tem caracterizado o país – a mais baixa, de longe, de entre os países que compõem a União Europeia e com parcos progressos registados desde a adesão do país à CEE, em 1986, seja qual for a medida adoptada .

Até 1999, este facto pôde ir sendo camuflado pelo crescimento do emprego e também porque se dispunha de instrumentos como a política monetária ou a política cambial para restaurar a competitividade da economia. Porém, com a entrada no euro, as opções de política económica ficaram reduzidas à política orçamental – que, ainda por cima, e como se sabe, não tem sido utilizada da forma mais eficiente, longe disso…; ao mesmo tempo, o país encontra-se numa situação de pleno emprego pelo que, continuar a basear o crescimento económico, na sua maior parte, no crescimento do emprego levará, inevitavelmente, à situação que já desde 2000 temos vindo a viver: um crescimento económico em redor da média europeia (ligeiramente abaixo, ligeiramente acima, ou igual) que não serve, de maneira nenhuma, a recuperação que Portugal precisa de fazer para poder chegar ao nível de vida médio europeu, ou mesmo ultrapassá-lo.

A nossa baixa produtividade é ainda a responsável pelo enorme défice externo que Portugal experimenta (défice corrente de cerca de 10% do PIB, o maior de entre os países da OCDE), pois não houve resposta por parte da oferta à explosão da procura interna dos últimos anos (mais propriamente, desde 1996), devido à descida das taxas de juro (por causa da adesão ao euro) e do desemprego, a par com a política orçamental expansionista (e pro-cíclica). Logo, a consequência tinha que ser – como sucedeu – o extraordinário aumento do endividamento do país. Que, devido à impossibilidade de utilização das políticas monetária e cambial, e estando a política orçamental balizada pelo Programa de Estabilidade e Crescimento (o que significa, nos próximos tempos, uma forte contenção da despesa pública, ao contrário do que sucedeu nos últimos anos), será sentido do lado real, isto é, sobre as famílias e as empresas e, naturalmente, como já se tem feito sentir, sobre o crescimento económico.

Acresce ainda que o nosso país possui uma desvantagem apreciável em relação à Irlanda: é que a qualidade dos nossos recursos humanos é, também, a exemplo da produtividade, de longe (e infelizmente) a mais baixa da UE, qualquer que seja o indicador utilizado.

Sabendo-se que uma aposta forte e que dê frutos efectivos na educação só será visível no prazo aproximado de uma geração, é minha convicção que só uma opção política do tipo da que a Irlanda conheceu poderá retirar o país da situação em que se encontra e retomar a aproximação ao nível de vida médio europeu.

Mas, como os actuais tempos globalizados são diferentes dos do final da década de oitenta (muito mais concorrenciais hoje em dia) e Portugal tem desvantagens evidentes face a competidores como a citada Irlanda, a Grécia ou países da Europa de Leste (Hungria, Polónia, República Checa, por exemplo, que em breve entrarão na UE) quer ao nível da localização geográfica, quer da fiscalidade (por exemplo, qualquer um daqueles países da Europa de Leste possui taxas de IRC mais baixas do que Portugal), quer – sobretudo – ao nível da qualidade dos recursos educativos, como já se referiu, o nosso país precisa, em meu entender, de um estímulo maior e mais repentino do que a Irlanda conheceu.

Por isso, sem deixar de actuar eficaz e rapidamente sobre a educação, uma vez colocadas em ordem as finanças públicas (a dimensão do nosso défice público actual, tomado em percentagem do PIB, está para a média europeia como o défice irlandês estava em 1987), só uma forte e rápida descida da taxa geral de IRC, a par de um efectivo combate à evasão e fraude fiscal, poderá constituir o motor de arranque para atrair investimento (nacional e, sobretudo, estrangeiro), melhorar a produtividade e propiciar uma aproximação mais rápida do nosso nível de bem estar à média europeia (propiciando, então, descidas de outras taxas de imposto, nomeadamente o IRS). Isto além de que um tal compromisso obrigará ao controlo efectivo da despesa pública (e à consequente redução do enorme peso que o Estado tem na economia), pois só assim não será colocado em risco o cumprimento do Programa de Estabilidade e Crescimento. De outro modo, o futuro nos próximos anos não se apresenta risonho.

Se a Irlanda – que, ao que me consta, não é composta por super-homens – conseguiu dar o salto, é minha convicção que Portugal também o poderá fazer. Basta que para tal haja vontade e... opções de política económica (leia-se, orçamental) correctas.

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