Opinião
Mercados emergentes, análise da questão do desempenho
O desempenho decepcionante dos mercados accionistas emergentes parece, portanto, poder atribuir-se à pressão exercida sobre as margens, e não aos fundamentos económicos ou às avaliações. No entanto, os elementos desta pressão são de natureza cíclica, o que indica não estarmos no início de uma contracção secular.
Os investidores continuam frustrados com o fraco desempenho dos mercados accionistas emergentes. Mas porque é que a categoria de activos provocou tal decepção? George Iwanicki, macroestratega dos mercados emergentes da JP Morgan Asset Management, procura entender as razões que estão na base do fraco desempenho destes mercados.
Uma forma de encarar o desempenho dos mercados accionistas emergentes consiste em aplicar a mesma bitola que os investidores aplicariam a um gestor de fundos, ou seja, avaliar em que medida os mesmos conseguem gerar retornos em períodos de retoma do mercado, e em que medida conseguem evitar perdas com o mercado em baixa.
O ano passado, nomeadamente, assistiu-se, nos mercados accionistas emergentes, a uma diminuição da capacidade de gerar retornos com o mercado em alta, comparativamente à capacidade de evitar perdas com o mercado em baixa. Por outras palavras, nos mercados emergentes, a tendência baixista tem predominado sobre a tendência baixista. Estamos perante uma situação decepcionante para os investidores, sobretudo tendo em conta o desempenho tendencialmente positivo proporcionado pela categoria de activos até 2007.
Fundamentos económicos intactos
Face a este desempenho decepcionante, os investidores poderiam ser levados a pensar que estamos a assistir a uma deterioração dos fundamentos macroeconómicos. No entanto, se recorrermos à dívida dos mercados emergentes para medir o risco macroeconómico, parece que pouca coisa mudou. Numa conjuntura em que os mercados se tornaram particularmente exigentes em relação ao risco soberano, devido à crise da Zona Euro, a dívida dos mercados emergentes tem sido negociada a bom nível.
Desta forma, o problema poderia estar nas valorizações? A cotação face ao valor contabilístico por acção (P/B) é uma medida grosseira mas útil para responder a esta pergunta. Em 2007, esta medida padrão de avaliação atingiu um excelente nível. No entanto, a crise financeira global de 2008 depressa corrigiu esta situação, e nos últimos dois anos, os mercados accionistas emergentes têm, de facto, negociado em linha ou abaixo do seu valor nocional justo com esta medida. Este ano, a categoria de activos sofreu um retrocesso, acabando por voltar a apresentar um nível de P/B de 1,6x, tal como no início de 2012 - um nível que, em termos históricos, tem sido compensador para quem investiu nos mercados accionistas emergentes.
Rentabilidade afectada, enquanto as margens convergem
Analisemos agora a rentabilidade. Durante a última década, os mercados emergentes, que lutavam pelos últimos lugares da tabela classificativa em termos de rentabilidade dos capitais próprios (ROE) - a medida mais básica da rentabilidade - passaram a competir com os EUA e com a Europa pelas posições cimeiras. Actualmente continuam a apresentar um excelente nível.
No entanto, nos últimos dois anos, verificou-se uma ligeira queda do ROE, o que espelha o facto de o crescimento do resultado líquido por acção (EPS) nos mercados emergentes ter ficado aquém do dos mercados desenvolvidos (sobretudo dos EUA), apesar do forte crescimento das economias emergentes.
A questão é saber se alguma coisa está a afectar a rentabilidade dos mercados emergentes e, em caso afirmativo, determinar se estamos perante uma quebra cíclica de curto prazo ou uma mudança secular de longo prazo. A história dos mercados emergentes contém um episódio importante, que consiste na melhoria plurianual da disciplina do capital das empresas, verificada no período compreendido entre 2000 e 2006, com o consequente incremento do ROE.
Neste período, os rácios de despesas de capital face a vendas apresentavam uma convergência significativa com os valores habituais dos mercados desenvolvidas. Consequentemente, a alavancagem operacional (ou rotação do activo) passou de níveis muito baixos para níveis típicos dos países desenvolvidos. Verificou-se uma desalavancagem líquida nas contas das empresas superior à dos países desenvolvidos, de tal forma que os rácios da dívida líquida face a capitais próprios caíram para valores inferiores aos verificados nos países desenvolvidos.
No entanto, o diferencial de margens, que se mantinha há bastante tempo e que tinha favorecido os mercados emergentes comparativamente aos mercados desenvolvidos, desapareceu bruscamente no auge da crise de 2008. Depois de uma tentativa de reposição, as margens regressaram aos níveis vigentes nos mercados desenvolvidos nos últimos dois anos. Estamos em crer que esta mudança pode ser encarada como a última e, para os investidores, como a menos agradável fase de convergência entre a rentabilidade dos mercados e os níveis habituais dos países desenvolvidos. Ou seja, parece-nos que não terá havido uma quebra de disciplina do capital das empresas e que as margens estão finalmente a convergir - embora, infelizmente, para baixo - funcionando como um entrave aos lucros.
Qual a explicação? Embora as receitas dos mercados emergentes tenham crescido mais que as dos países desenvolvidos - o que não constitui grande surpresa, dado o diferencial sustentado de crescimento do PIB -, as despesas também ultrapassaram as dos mercados desenvolvidos e estão actualmente a contrabalançar o crescimento das receitas. Como resultado, o desempenho do lucro diminuiu nos últimos dois anos.
Os factores cíclicos estão a desempenhar um papel importante
Embora parte da pressão das margens possa ser secular, acreditamos que pelo menos uma parte da mesma é cíclica. A parte secular tem a ver com o facto de os índices dos mercados emergentes estarem ainda muito dependentes das acções de commodities. Quando os preços das commodities aumentam, sobem as bases de custos não só de outros sectores, mas também dos próprios produtores de commodities.
A pressão cíclica parece resultar do facto de os ciclos económicos dos países desenvolvidos e emergentes não estarem sincronizados. As economias chinesa e brasileira evitaram o pior da crise financeira de 2008 e experimentaram uma rápida expansão logo a seguir, enquanto a maior parte das economias dos mercados desenvolvidos sofreram uma forte recessão, seguida de uma recuperação mínima. A inflexibilidade do mercado laboral das economias emergentes, conjugada com liberalização do mesmo nos países desenvolvidos, faz com que o peso do custo da mão-de-obra nos países emergentes seja muito superior à dos mercados desenvolvidos. Como resultado, nos países desenvolvidos, há largos sectores que estão a obter ganhos de produtividade, ao contrário do que sucede em vários mercados emergentes, onde a menor flexibilidade do mercado laboral está a exercer um efeito inflacionista e a provocar uma desaceleração devido às políticas que estão a ser seguidas.
O desempenho decepcionante dos mercados accionistas emergentes parece, portanto, poder atribuir-se à pressão exercida sobre as margens, e não aos fundamentos económicos ou às avaliações. No entanto, os elementos desta pressão são de natureza cíclica, o que indica não estarmos no início de uma contracção secular. Mesmo admitindo que a rentabilidade dos mercados emergentes irá regressar à sua média a dez anos, as avaliações parecem razoavelmente atraentes, situando-se a níveis que, em termos históricos, têm recompensado os compradores.
* Head of Sales da JPMorganAM para a Península Ibérica
Uma forma de encarar o desempenho dos mercados accionistas emergentes consiste em aplicar a mesma bitola que os investidores aplicariam a um gestor de fundos, ou seja, avaliar em que medida os mesmos conseguem gerar retornos em períodos de retoma do mercado, e em que medida conseguem evitar perdas com o mercado em baixa.
Fundamentos económicos intactos
Face a este desempenho decepcionante, os investidores poderiam ser levados a pensar que estamos a assistir a uma deterioração dos fundamentos macroeconómicos. No entanto, se recorrermos à dívida dos mercados emergentes para medir o risco macroeconómico, parece que pouca coisa mudou. Numa conjuntura em que os mercados se tornaram particularmente exigentes em relação ao risco soberano, devido à crise da Zona Euro, a dívida dos mercados emergentes tem sido negociada a bom nível.
Desta forma, o problema poderia estar nas valorizações? A cotação face ao valor contabilístico por acção (P/B) é uma medida grosseira mas útil para responder a esta pergunta. Em 2007, esta medida padrão de avaliação atingiu um excelente nível. No entanto, a crise financeira global de 2008 depressa corrigiu esta situação, e nos últimos dois anos, os mercados accionistas emergentes têm, de facto, negociado em linha ou abaixo do seu valor nocional justo com esta medida. Este ano, a categoria de activos sofreu um retrocesso, acabando por voltar a apresentar um nível de P/B de 1,6x, tal como no início de 2012 - um nível que, em termos históricos, tem sido compensador para quem investiu nos mercados accionistas emergentes.
Rentabilidade afectada, enquanto as margens convergem
Analisemos agora a rentabilidade. Durante a última década, os mercados emergentes, que lutavam pelos últimos lugares da tabela classificativa em termos de rentabilidade dos capitais próprios (ROE) - a medida mais básica da rentabilidade - passaram a competir com os EUA e com a Europa pelas posições cimeiras. Actualmente continuam a apresentar um excelente nível.
No entanto, nos últimos dois anos, verificou-se uma ligeira queda do ROE, o que espelha o facto de o crescimento do resultado líquido por acção (EPS) nos mercados emergentes ter ficado aquém do dos mercados desenvolvidos (sobretudo dos EUA), apesar do forte crescimento das economias emergentes.
A questão é saber se alguma coisa está a afectar a rentabilidade dos mercados emergentes e, em caso afirmativo, determinar se estamos perante uma quebra cíclica de curto prazo ou uma mudança secular de longo prazo. A história dos mercados emergentes contém um episódio importante, que consiste na melhoria plurianual da disciplina do capital das empresas, verificada no período compreendido entre 2000 e 2006, com o consequente incremento do ROE.
Neste período, os rácios de despesas de capital face a vendas apresentavam uma convergência significativa com os valores habituais dos mercados desenvolvidas. Consequentemente, a alavancagem operacional (ou rotação do activo) passou de níveis muito baixos para níveis típicos dos países desenvolvidos. Verificou-se uma desalavancagem líquida nas contas das empresas superior à dos países desenvolvidos, de tal forma que os rácios da dívida líquida face a capitais próprios caíram para valores inferiores aos verificados nos países desenvolvidos.
No entanto, o diferencial de margens, que se mantinha há bastante tempo e que tinha favorecido os mercados emergentes comparativamente aos mercados desenvolvidos, desapareceu bruscamente no auge da crise de 2008. Depois de uma tentativa de reposição, as margens regressaram aos níveis vigentes nos mercados desenvolvidos nos últimos dois anos. Estamos em crer que esta mudança pode ser encarada como a última e, para os investidores, como a menos agradável fase de convergência entre a rentabilidade dos mercados e os níveis habituais dos países desenvolvidos. Ou seja, parece-nos que não terá havido uma quebra de disciplina do capital das empresas e que as margens estão finalmente a convergir - embora, infelizmente, para baixo - funcionando como um entrave aos lucros.
Qual a explicação? Embora as receitas dos mercados emergentes tenham crescido mais que as dos países desenvolvidos - o que não constitui grande surpresa, dado o diferencial sustentado de crescimento do PIB -, as despesas também ultrapassaram as dos mercados desenvolvidos e estão actualmente a contrabalançar o crescimento das receitas. Como resultado, o desempenho do lucro diminuiu nos últimos dois anos.
Os factores cíclicos estão a desempenhar um papel importante
Embora parte da pressão das margens possa ser secular, acreditamos que pelo menos uma parte da mesma é cíclica. A parte secular tem a ver com o facto de os índices dos mercados emergentes estarem ainda muito dependentes das acções de commodities. Quando os preços das commodities aumentam, sobem as bases de custos não só de outros sectores, mas também dos próprios produtores de commodities.
A pressão cíclica parece resultar do facto de os ciclos económicos dos países desenvolvidos e emergentes não estarem sincronizados. As economias chinesa e brasileira evitaram o pior da crise financeira de 2008 e experimentaram uma rápida expansão logo a seguir, enquanto a maior parte das economias dos mercados desenvolvidos sofreram uma forte recessão, seguida de uma recuperação mínima. A inflexibilidade do mercado laboral das economias emergentes, conjugada com liberalização do mesmo nos países desenvolvidos, faz com que o peso do custo da mão-de-obra nos países emergentes seja muito superior à dos mercados desenvolvidos. Como resultado, nos países desenvolvidos, há largos sectores que estão a obter ganhos de produtividade, ao contrário do que sucede em vários mercados emergentes, onde a menor flexibilidade do mercado laboral está a exercer um efeito inflacionista e a provocar uma desaceleração devido às políticas que estão a ser seguidas.
O desempenho decepcionante dos mercados accionistas emergentes parece, portanto, poder atribuir-se à pressão exercida sobre as margens, e não aos fundamentos económicos ou às avaliações. No entanto, os elementos desta pressão são de natureza cíclica, o que indica não estarmos no início de uma contracção secular. Mesmo admitindo que a rentabilidade dos mercados emergentes irá regressar à sua média a dez anos, as avaliações parecem razoavelmente atraentes, situando-se a níveis que, em termos históricos, têm recompensado os compradores.
* Head of Sales da JPMorganAM para a Península Ibérica
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