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15 de Setembro de 2014 às 00:43

O coelho fica na cartola, por enquanto

Mas será que o ilusionista de serviço, Mario Draghi, presidente do BCE, vai tirar um coelho da cartola?

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Dos Estados Unidos e até da China chegaram-nos recentemente notícias mais animadoras, em contraste com a maior parte dos indicadores económicos provenientes da Zona Euro, que se revelam decepcionantes, o que deu origem a sérias preocupações sobre as perspectivas de evolução do crescimento e da inflação no continente europeu, além de reforçar as expectativas sobre um novo abrandamento da política monetária do Banco Central Europeu (BCE). Mas será que o ilusionista de serviço, Mario Draghi, presidente do BCE, vai tirar um coelho da cartola?

Na altura em que estamos a escrever este artigo, a estimativa de consenso sobe a inflação da Zona Euro para o mês de Agosto é de 0,3% em termos homólogos. Trata-se de uma previsão preocupantemente baixa, e o valor virá a público pouco antes da reunião do BCE que se vai realizar em Setembro. As expectativas sobre uma maior flexibilização são muito altas após o discurso de Mario Draghi proferido na conferência de Jackson Hole, quando afirmou que o Conselho do BCE iria "reconhecer" a recente queda das expectativas dos mercados no que diz respeito à inflação.

 

Caiu por terra um dos principais argumentos que Draghi esgrimia contra o programa de compra de obrigações, também conhecido por flexibilização quantitativa, quando sustentava que as expectativas sobre a inflação estão profundamente arreigadas. As expectativas referentes à inflação a cinco anos daqui a cinco anos (não se trata de uma gralha, pois o que está em causa são as expectativas dos mercados sobre os valores que a inflação irá apresentar durante um período de cinco anos que terá início daqui a cinco anos) caíram recentemente abaixo da fasquia de 2%. A curto prazo, as expectativas sobre a inflação a dois anos daqui a dois anos caíram de forma mais acentuada.

 

As expectativas pessimistas sobre a inflação, como é natural, fazem-se sentir nos mercados de obrigações, nomeadamente na rentabilidade das obrigações de dívida pública alemã. A rentabilidade das obrigações a 10 anos caiu para 0,926% em 25 de Agosto, um recorde negativo inferior aos valores verificados durante o período mais crítico da crise da Zona Euro, quando a procura de activos seguros estava no seu auge. Esta quebra fez com que o "spread" entre as obrigações de dívida pública alemã e os títulos do tesouro norte-americano passasse a situar-se nos 146 pontos-base (a 26 de Agosto). No entanto, este "spread" não é assim tão invulgar na conjuntura actual. A Reserva Federal dos Estados Unidos e o BCE encontram-se em diferentes estágios do seu ciclo de política monetária, dado que a economia da Zona Euro estagnou, enquanto a economia dos Estados Unidos se tem mostrado relativamente sólida, para além de a inflação nos Estados Unidos não andar longe da meta traçada pela Reserva Federal.

 

A geopolítica também vai exercer maior impacto na Europa. O conflito entre a Ucrânia e a Rússia está a fazer-se sentir com maior peso na rentabilidade das obrigações de dívida pública alemã do que noutros mercados de obrigações de dívida pública de estados membros não periféricos, devido à existência de relações económicas mais estreitas entre a Alemanha e a Rúsia, bem como ao facto de ainda não se conhecer o impacto das sanções. Os estudos referentes ao consumo e à actividade empresarial na Alemanha evidenciam certamente estas preocupações e têm revelado, nos últimos tempos, dados inferiores às expectativas. Embora os banqueiros do BCE sejam pessoas poderosas, Draghi exerce um controlo muito limitado sobre o desenrolar dos acontecimentos no leste da Ucrânia.

 

É cada vez mais provável que o BCE venha a adoptar novas medidas políticas antes do final do ano, mas não me parece que o banco vá recorrer abertamente à bazuca da flexibilização quantitativa de que o mercado está à espera. Embora a flexibilização quantitativa esteja definitivamente em cima da mesa e possa vir a ser introduzida no próximo ano, ainda ninguém sabe de que forma se poderá revestir. Não é provável que venhamos a assistir a mais mexidas no pacote que foi anunciado em Junho sobre as operações de refinanciamento direccionadas de longo prazo (TLTROs). A primeira TLTRO entra em vigor em Setembro, e o BCE pretende assistir a uma forte captação dos bancos em relação ao financiamento a baixo custo para estimular a confiança na Europa e aumentar as expectativas sobre a inflação, que estão neste momento em queda. Em seguida, o BCE pretende digerir o impacto das TLTROs sobre a concessão de crédito bancário e a reação dos mercados ao anúncio dos testes de stress aos bancos.

 

É tudo o que o BCE pode fazer. O destino da Zona Euro continua nas mãos dos governos de cada país, dado que a política orçamental e monetária não pode compensar a falta de reformas estruturais, ou seja, a actuação do BCE não isenta os governos do ónus das reformas.

 

Por último, importa recordar que persistem ainda graves obstáculos à plena aplicação da flexibilização quantitativa, a qual, apesar de aparentemente contar já com a receptividade dos alemães, continua a revelar-se difícil no plano político, para não falar da sua implementação, que se advinha problemática. Antes de enveredar por um caminho sem retorno, o BCE vai querer ter a certeza de que se trata de uma política eficaz, que terá o impacto desejado. Por enquanto, o coelho fica na cartola.

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