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26 de Dezembro de 2002 às 15:03

Marta Lopes: «Mãe, és tão bonita»

O Marketing Social surgiu com Philip Kotler e Gerald Zaltman ao defenderem que se podia aplicar os mesmos princípios usados pelo marketing para vender produtos, à venda de ideias, atitudes e comportamentos.

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O Marketing Social surgiu com Philip Kotler e Gerald Zaltman ao defenderem que se podia aplicar os mesmos princípios usados pelo marketing para vender produtos, à venda de ideias, atitudes e comportamentos.

Desde então (anos 70), o marketing deixou de ser apenas orientado para os objectivos de uma organização para poder ser aplicado na influência de comportamentos sociais que não beneficiassem o mercado onde a empresa actuava mas sim um target específico e a sociedade em geral.

Regra geral, as empresas apoiam eventos/acções relacionados com o Ambiente, Saúde, Educação, Trabalho Infantil, Defesa dos Direitos Humanos, Violência Doméstica ou Consumo de Drogas. Os primeiros temas são particularmente apetecíveis porque o seu âmbito é mais amplo, mais genérico e menos controverso.

O mundo assistiu recentemente a mais uma doação importante da Fundação Gates no valor de 100 milhões de dólares para a Prevenção de SIDA na Índia. No total, Bill e Melinda Gates doaram à sua Fundação, segundo a Business Week de 22 de Novembro, 25,6 bilhões de dólares, ou seja, 60% da sua fortuna! A causa que abraçaram foi a vacinação de crianças pobres em África e na Índia, áparte de muitas outras campanhas pontuais que apoiam pelo mundo fora.

Não precisamos, no entanto, de ficar impressionados com os números do homem mais rico do mundo e devemos tirar o chapéu ao que se vai fazendo por cá. A campanha de angariação de verbas para a Ajuda de Berço (instituição de solidariedade que acolhe crianças em situações de risco dos 0 aos 3 anos de idade) da Swatch e da Tempus Internacional, com o lançamento do relógio «Fraldinhas» foi, talvez, das mais mediáticas. Subordinada ao tema «Eu Quero uma Casa deste Tamanho» conseguiu reunir músicos, duquesas, jornalistas e a nossa Primeira Dama. Por cada relógio vendido, a empresa oferece seis euros para a construção das instalações desta instituição.

A Água do Luso, por seu lado, associou-se à OIKOS para a construção de poços de água potável em Moçambique (http://www.agualuso.pt/oikosms/ ). Segundo informações do «site», já foram construídos seis poços de água, dos cerca de 50 previstos, que beneficiam um total de 2.250 famílias, graças á campanha «Ajudar... Tão natural como a sua sede». O total angariado ronda os 244 mil euros, resultantes de 0,005 euros (um escudo) que a empresa oferece por cada litro de Água do Luso vendido.

A Lever e a AMI – Assistência Médica Internacional, lançaram, em Outubro, o projecto «Mão Amiga» com o objectivo de angariar 150 mil euros para as crianças dos centros de atendimento Porta Amiga. Este valor será dividido entre produtos, máquinas de lavar roupa e de secar a oito centros bem como uma verba em dinheiro que provém de parte das vendas de produtos da marca Skip.

No dia 28 de Novembro, nasceu mais uma iniciativa de louvar: foi lançado o livro «...Estórias e Vidas... ... Vidas e Estórias...», com a coordenação da jornalista da TVI Ana Leal e da escritora de contos infantis Lurdes Custódio. As vendas do livro, ao preço de 11 euros e editado pela Ambar, revertem a favor da Acreditar: Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro.

A essência destas «estórias» é muito simples: Acreditar. O livro tem duas partes distintas: uma com relatos de figuras públicas, de diversas profissões e gerações, que nalgum momento das suas vidas acreditaram que era possível mudar alguma coisa e concretizaram pequenos grandes sonhos; outra, com quatro contos infantis onde os valores da amizade e da esperança estão bem patentes.

As campanhas de Marketing Social têm associadas dois tipos de benefícios: comerciais e sociais. Os benefícios comerciais traduzem-se num aumento das vendas e dos lucros, na construção de uma reputação/imagem pública positiva e numa maior lealdade dos consumidores para com a empresa. Os benefícios sociais reflectem-se num aumento da moral e da motivação da sua força de trabalho, enquanto a organização abre o seu leque de actuação e maximiza o seu contributo para a sociedade.

Em 1999, o Cone/Coper Cause-Related Marketing Trend Report apresentava valores, aplicados aos EUA, que não deixam margem para duvidas: 76% dos clientes gostam mais de marcas que estejam associadas a causa sociais, quando o preço e a qualidade são similares; 83% têm uma imagem mais positiva das empresas que defendem uma determinada causa; 66% têm mais confiança em organizações que se preocupam com temas sociais; e 90% dos empregados dessas empresas têm orgulho no seu contributo.

Viver e participar nestas campanhas é uma experiência única. Faz agora cinco anos que trabalhava no Brasil, na SOLA (multinacional de lentes oftálmicas) e um dos clientes dessa empresa promovia uma campanha de «Oferta de Óculos» a crianças em idade escolar.

Quando razões profissionais me levaram a visitar essa óptica, aproveitei para acompanhar o cliente na entrega de óculos a uma vila próxima (que no Brasil significam uns 100 quiilómetros). Durante a viagem, foi-me confidenciado que iríamos entregar uns óculos a um menino que tinha uma hipermetropia elevada e astigmatismo, ou seja, via muito mal ao perto e tinha dificuldade em focalizar as imagens (visão baça). Como não poderia deixar de ser, era o pior aluno da escola e considerado, por alguns colegas, de «atrasado mental».

Quando chegámos à vila, tínhamos metade da população à nossa espera. Todas as crianças que iriam usar óculos estavam eufóricas... apenas esse menino se mantinha cabisbaixo. Quando recebeu os óculos ficou envergonhado e demorou algum tempo a colocá-los no rosto. A primeira reacção da criança foi de espanto. Ficou em silêncio, quieto, impávido... Depois, começou a andar, a pegar em todos os objectos com uma cara de quem vê o mundo pela primeira vez. Ao ouvir a voz da mãe, que se tinha baixado para abraçá-lo, a criança virou-se e disse-lhe «Mãe, tu és tão bonita!».

Ao assistir a esta cena, percebi que este menino nunca tinha visto o rosto da mãe por não ter possibilidades de comprar um objecto que custava trinta reais (na época seriam 6 contos)!!!!

Penso que os colaboradores do Jornal de Negócios, a equipa que o produz e 99% dos seus leitores, fazem parte do grupo de pessoas privilegiadas que vivem neste mundo. Mais, fazem parte do grupo de pessoas que tomam decisões nas empresas portuguesas e têm poder para aprovar campanhas de cariz social.

Termino o artigo com o exemplo da Chiron, integra o Grupo onde trabalho. A Chiron é uma empresa que nasceu em 1996, no contexto do Parque de Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e desenvolve sistemas de informação complexos, armazenando e processando dados dos mais variados tipos - desde texto e números a imagens e informação geográfica – integrando interfaces para Internet.

Sendo a sua área de actuação a informática, ofereceu, no ano passado, cinco computadores à Casa do Gaiato e instalou-os em rede, num total de 2.500 euros em equipamento e 1.500 euros em dinheiro. Se compararmos estes valores com alguns aqui apresentados, podem parecer irrelevantes mas se os analisarmos tendo em conta a dimensão da Chiron, percebemos que este gesto só foi possível porque os seus sócios acreditam na importância destas doações. Tanto assim é, que foi um dos gerentes que se dirigiu ao Porto e os instalou pessoalmente!

Se cada um de nós fizer a sua parte, se cada empresa contribuir para uma causa, por mais simples que seja, saberemos que não mudámos o mundo inteiro mas, certamente, ficaremos com a alegria de ter mudado o mundo de alguém. Já agora... Feliz Natal e não se esqueça que o Natal é sempre que o Homem quiser!

Marta Lopes, directora de marketing da e-Chiron

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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