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Mário Negreiros 24 de Outubro de 2006 às 13:59

Lula, o vestido molhado e a (est)ética

Em 1994, era eu correspondente do "Público" e da TSF no Rio de Janeiro, confessei ("confessar" é a palavra adequada) a uma amiga brasileira que, se votasse no Brasil, votaria em Fernando Henrique Cardoso.

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Luís Inácio Lula da Silva era, naquela altura, o adversário que acabou derrotado. E a minha amiga reagiu com espanto e decepção: "Mas, Mário, um homem com o seu senso estético!..." Era um elogio ao meu senso estético e uma crítica à minha opção política.

Dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, um de Lula e uma dúzia (e que dúzia!) de anos depois, Lula está prestes a ser reeleito, não mais como a alternativa ética, boa e pura contra a direita reaccionária, corrupta, burra e má, mas (as voltas que o mundo dá!) apesar (sublinhe-se este "apesar") de todas as acusações de corrupção, favorecimento da empresa de um filho, suborno de parlamentares, e de jogo sujo na campanha eleitoral através da compra, por 1,7 milhão de reais (630 000 euros) de origem desconhecida, de um "dossiê" de acusações contra os adversários.

E tenho me lembrado muito do que me disse a minha amiga brasileira em 1994. Talvez se trate de uma questão estética (eu disse ESTética!).

Praia de Ipanema. Mais precisamente, Posto 9, a faixa de praia dos alternativos, dos artistas, dos criativos e onde se podem encontrar algumas das meninas mais lindas do Rio (havia uma que nunca se lembrava de levar biquini para a praia e usava, nos seus banhos de mar, um vestidinho muito leve que, molhado... ai, cala-te, senso estético, cala-te!). Ali, naquela areia libertária, bonita, moderna e criativa, estava (estará ainda?) fincada uma bandeira do Partido dos Trabalhadores (o PT de Lula) – era um reduto. Mas aquela mesma areia estava também cheia de garrafas, maços de cigarros amarrotados, restos, lixo, porcaria.

Diz a eleitora do Lula (não me lembro do ano, mas, com certeza, aconteceu antes de Lula se eleger presidente do Brasil): "Eu não entendo como esta areia pode ficar tão suja. Isto não é tudo gente do PT?".

É verdade! Juro! Havia quem julgasse inconcebível um sujeito do PT deitar os restos da sua presença na areia da praia – imagina comprar parlamentares ou "dossiês". Quem fazia isso, com certeza, era gente do PSDB, do PFL, do PTB ou de qualquer desses partidos que não têm senso estético. Porque os bons e bonitos estavam no PT (e, por exclusão, os maus e feios estavam nos partidos adversários – fascismo típico, maniqueísta e rancoroso, por mais linda, libertária, alternativa e, eventualmente, óptima pessoa, que seja a menina do vestidinho molhado).

No próximo dia 30, se votasse no Brasil, votava, evidentemente, em Alckmin. E seria voto derrotado. Mas o que me custaria mais não seria a derrota, e sim ter violado o meu senso estético votando no candidato em quem tenho a certeza que a menina do vestidinho molhado nunca votaria. Isso é que dói.

PS: Para se ter uma ideia do que representam, no Brasil, os 1,7 milhão de reais pagos por agentes do PT pelo "dossiê" contra os seus adversários: 2 milhões de reais foi a indemnização que o estado brasileiro de Pernambuco foi condenado a pagar a Marcos Mariano da Silva por o ter mantido na prisão ao longo de 13 anos, sem acusação,
sem processo, sem sentença, sem defesa, sem nada. Quando saiu, Marcos estava cego e tuberculoso. Trezentos mil míseros reais é a diferença entre o valor pago por agentes do PT pelo "dossiê" e o valor atribuído pela Justiça brasileira a 13 anos de vida (para não contar com a vida que se lhes segue), a visão e os pulmões de um brasileiro.

PPS: Carros, rua!

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