Opinião
Luísa Bessa: «Douro, um triste orgulho de todos nós»
A reforma de Bianchi de Aguiar, que é um profundo conhecedor do sector e do Douro, faz pender a balança para o lado dos exportadores e explica a ira que pode estar a germinar no Douro.
Os durienses têm muito justamente orgulho na sua história, na forma hábil e tenaz como domaram a terra, aproveitaram o rio, combateram as pragas e renasceram a cada nova crise. A mais antiga região demarcada do Mundo é motivo de orgulho para todos nós.
Nos tempos mais recentes, no entanto, tem-se falado do Douro sobretudo pelas piores razões. A lógica de luta de classes que existe entre a lavoura duriense e o comércio exportador de Vila Nova de Gaia faz parte da história e dessa tensão também tem resultado o crescimento do sector.
A Casa do Douro foi criada no início dos anos 30 para representar os interesses dos agricultores e contribuir para a regularização do mercado. Essa função fez do organismo um protagonista preponderante na região, posição bem espelhada na sua imperial sede na Régua.
Mas, apesar dos benefícios que trouxe aos viticultores ao longo de décadas, a Casa do Douro vive há anos envolvida em histórias tumultuosas, à mercê de uma gestão irresponsável, tal a calamitosa situação financeira que as suas contas espelham, com uma passivo acumulado superior a 100 milhões de euros e um “stock” de 30 mil pipas de cuja entrada no mercado terá de ser feita com todos os cuidados para não distorcer os preços. Bem podem os dirigentes da Casa do Douro reclamar contra o Estado, contra a falta de apoio (leia-se dinheiro sonante) para resolver os problemas. Não parece, no entanto, que tenham verdadeiras razões de queixa. No final do ano, o próprio Estado avalizou a dívida à banca, então de 82,25 milhões de euros.
E ainda no princípio do mês a Casa do Douro assinou um protocolo de saneamento financeiro que prevê o escoamento dos “stocks” por parte dos exportadores – o único lado comprador do mercado – durante um período de quinze anos. Manuel António Santos, presidente da Casa do Douro desde há quatro anos – aonde chegou depois de um longo passado de presidente do Sindicato dos Bancários do Norte – diz que “o Estado é responsável pela situação a que chegou a instituição”. Até pode ser parte do problema, mas se os homens do Douro quiserem ser sérios terão de reconhecer que a principal causa para o descalabro da Casa do Douro vem deles próprios: de uma gestão leviana da atribuição do benefício, que gerou excedentes que o organismo teve de absorver, e desse ainda hoje embrulhado negócio da aquisição de 40% da Real Companhia Velha.
Mesquita Montes (então presidente da Casa do Douro) cumpriu o sonho: deu à lavoura a possibilidade de actuar directamente no comércio do Vinho do Porto. Está por demonstrar o que ganhou com isso, porque nunca a Casa do Douro tirou desse investimento de 48 milhões de euros qualquer retorno, nem tem intervenção na gestão. Deu, digamos assim, um jeito a Manuel da Silva Reis para se ver livre do indesejado sócio Américo Amorim e Benedetti.
A proposta que o Governo leva à Assembleia da República – e que se presume teria sido negociada com a Casa do Douro – toca num ponto vital: propõe retirar das competências da Casa do Douro a possibilidade de aquisição dos excedentes, num período fixado após a vindima. Ora é esta prerrogativa que permite à Casa do Douro efectuar alguma regulação entre a oferta e a procura, em especial em anos de grandes vindimas.
Neste ponto, a reforma de Bianchi de Aguiar, que é um profundo conhecedor do sector e do Douro, faz pender a balança para o lado dos exportadores e explica a ira que pode estar a germinar no Douro.
O que fica então para a Casa do Douro? Fica com o cadastro das vinhas durienses, acrescentado do ficheiro vitivinícola do Douro, actualmente pertença do Instituto do Vinho do Porto. E fica ainda como uma instituição de carácter associativo da lavoura da região. Parece pouco? Para um passado recente tão pouco exemplar, a verdade é que a Casa do Douro não merece muito mais.
E com todas estas trocas de galhardetes e a energia dirigida para as estratégias de guerra vai ficando em segundo plano o que devia ser a razão de ser de tudo isto. O Vinho do Porto. O que deveria estar a preocupar os agricultores era a melhoria da produção, o que deveria estar a preocupar as empresas era a a qualidade do produto final, a adequação do “marketing” aos mercados, a definição de uma estratégia de promoção que torne o Vinho do Porto menos dependente do mercado da saudade ou de segmentos de consumidores fieis mas progressivamente envelhecidos. E já agora, por que é que o Vinho do Porto ficou à margem do Reltório Porter sobre o sector?
Desculpem o desabafo de uma não duriense que ama o Douro. A região merecia hoje outros protagonistas e uma discussão a sério sobre o vinho e o seu padrão de desenvolvimento.
Luísa Bessa, Subdirectora do Jornal de Negócios