Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
12 de Abril de 2005 às 13:59

«Keep it simple, please»!

Se a lei fiscal nunca será simples, podemos ao menos tentar evitar que ela se torne desnecessariamente complexa.

  • ...

As regras tributárias devem ser tanto quanto possível estáveis e de fácil compreensão por parte dos contribuintes. E embora nem sempre seja fácil ou possível conciliar, por exemplo, um imposto com profundas preocupações de personalização e equidade, com a simplicidade nas suas regras e procedimentos, ou um imposto sobre as transmissões de bens e serviços com a plasticidade apresentada pelas transacções e relações comerciais modernas, é desejável que os requisitos da transparência e da simplicidade norteiem as escolhas do legislador.

Vem isto a propósito de algumas das recentes alterações introduzidas no Código do IVA pela lei do Orçamento 2005. No âmbito da filosofia e «mecânica» deste imposto, o «direito à dedução» desempenha um papel nuclear, pois que é através dele que opera o denominado método subtractivo indirecto, «engenhoso» mecanismo que assegura o carácter não-cumulativo do imposto, ao possibilitar o cálculo (aproximativo) do valor acrescentado emcada fase da produção e distribuição de um bem e, simultaneamente, determinar a dívida ou o crédito de imposto de cada sujeito passivo face ao Estado. Mas, dado que nesta «conta-corrente» também estão em causa dinheiros públicos, os legisladores comunitário e nacional previram que a invocação desse «direito à dedução» se rodeasse de especiais cuidados técnicos e precauções práticas (são exemplo disso, os requisitos materiais, formais e subjectivos constantes dos art.ºs 19º a 21º do respectivo Código).

Sem querermos sobrecarregar os leitores com fastidiosas transcrições legais - objectivo que procuramos sempre cultivar nestas pequenas crónicas - deixem-me, porém, transcrever alguns desses elucidativos novos passos legislativos:

- Assim, no âmbito da exclusão do «direito à dedução», portanto da impossibilidade de subtrair ao IVA facturado aos clientes o IVA que foi suportado em certos gastos, encontram-se os respeitantes a «despesas de transporte e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens, salvo se as mesmas resultarem da organização e participação em congressos, feiras e exposições, forem contratualizadas com agências de viagens legalmente licenciadas, tiverem um limite mínimo de 5.000 euros por factura, e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis» (alínea c) do n.º 1 do art.º 21º);

- Contudo, e na concretização de uma reivindicação antiga do nosso empresariado, face ao tratamento fiscal que vinha sendo dado por outros países, nomeadamente Espanha, não se verificará a exclusão do direito à dedução no caso dessas despesas «resultarem da organização de congressos, feiras, exposições, seminários e conferências, forem contratadas directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito, e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto será dedutível na proporção de 50%» (alínea d) do n.º 2 do art.º 21º);

- A referida exclusão também não operará no caso do IVA relativo a «despesas de alojamento, alimentação e restauração(previstas na alínea d) do número anterior), quando resultarem da participação em congressos, feiras, exposições, seminários e conferências, forem contratadas directamente com as entidades organizadoras dos eventos, e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto será dedutível na proporção de 25%» (alínea e) do n.º 2 do art.º 21º).

Entendeu? Se não entendeu, não se preocupe! É que diz quem sabe (C. Palma, 2005), que «a fórmula encontrada não será a mais feliz, gerando algumas discriminações e equívocos; parece-nos que teria sido mais simples fixar apenas uma percentagem do direito à dedução relativamente a algumas despesas, sem introduzir elementos de complexidade e de discriminação». A nós também nos parece!

E embora a exemplificação já vá longa, gostaríamos de referir que, no caso do IVA, a doutrina administrativa relativa a este imposto conta com um número de circulares e ofícios-circulados que ultrapassa as muitas centenas em 20 anos de existência! Que o Código do IRS sofreu, só nos últimos três anos mais de 200 alterações (jornal Expresso, 2004)! Que os nossos três principais impostos contêm hoje mais de 380 artigos, quando os seus «homólogos» dos anos 30 apenas atingiam o número de 80 (C. Lopes, 2003)! Etc., etc.

Tal faz-nos lembrar célebre afirmação de Erwin Huber, Ministro das Finanças da Baviera, quando referiu que «o teorema de Pitágoras tem 24 palavras, os 10 Mandamentos, 179, e o §19 da lei do IRS alemão tem 1.862 palavras»! Ou que, acrescentamos nós, o Código do IRC tem cerca de 30.000 palavras, o do IVA+RITI também, e o do IRS tem mais de 55.000!

E embora reconhecendo que «a lei fiscal nunca será simples, porque poucos ramos do direito tocam, como ela, em tantas manifestações da actividade humana, podemos ao menos tentar evitar que a mesma se torne desnecessariamente complexa» (Robert H. Jackson).

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio