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Juros, dívidas e crescimento

Quando se trata de justificar as medidas de austeridade do Governo, um dos argumentos mais repetidos é a ameaça da subida das taxas de juro como uma das consequências da deterioração das contas públicas.

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Um dos aspectos mais curiosos no panorama da cultura económica em Portugal é a quase unanimidade na defesa do crédito fácil e das baixas taxas de juro. Economistas de elevado rigor alinham facilmente com os esquerdistas mais desbragados na defesa de taxas de juro baixas. Todos comungam da ideia da bondade do crédito barato.

Quando se trata de justificar as medidas de austeridade do Governo, um dos argumentos mais repetidos é a ameaça da subida das taxas de juro como uma das consequências da deterioração das contas públicas. A eficácia deste argumento está suportada na suposta bondade de um nível baixo da taxa de juro. Estas ideias, se bem examinadas, revelam-se erróneas.

É verdade que o estado das contas públicas afecta o nível da taxa de juros. Mas o seu efeito é marginal. Está em causa sobretudo a componente da taxa de juros relativa ao prémio de risco. As outras duas e decisivas componentes da taxa de juro – a inflação e o juro natural derivado das preferências intertemporais dos consumidores - são influenciadas principalmente por factores externos ao país.

Por outro lado, com uma simplória análise dos interesses de classe julgam compreender a sensibilidade de largos milhões de portugueses supostamente devedores e pensam poder desprezar os também supostamente minoritários credores. Trata-se de um raciocínio arcaico, originário dos tempos medievais, quando os credores eram os ricos e os devedores os pobres. Uma análise mais atenta das economias e das classes sociais modernas indica que os termos estão agora invertidos. Actualmente, os devedores são sobretudo as grandes empresas e os detentores principais do património. Os verdadeiros credores são sobretudo os pequenos aforradores, os detentores de seguros e os beneficiários da segurança social, todos aqueles que acumularam direitos – ou seja, verdadeiros créditos – a cobrar no futuro. Portanto – embora não pareça – os juros baixos não são portadores de mais justiça do que os baixos salários.

Associadas às referidas ideias feitas sobre os juros estão as frequentes diatribes contra o sector bancário. Ouvem-se constantes lamentações dirigidas à banca, acusada de:

– ter demasiados lucros, logo praticar juros elevados;

– não conceder suficiente crédito a projectos inovadores.

Esta percepção atávica do sector bancário conduz à crítica da respectiva exigência de garantias reais na concessão de créditos. Daqui deriva a reivindicação recorrente do direito de receber crédito fácil, barato e sem contrapartidas de garantias.

A banca não é entendida como um sector de negócios com os outros. É visto como um sector social, quando não com vocação a sector público. (Repare-se na quase unanimidade da ideia de conservação da CGD no sector estatal. A proposta de privatização deste banco chegou a figurar, envergonhadamente e por fugazes meses, no programa eleitoral do PSD de onde rapidamente foi eliminada.)

Verificamos a presença de reminiscências, ainda fortes, da animosidade histórica ao negócio bancário e ao juro. Na Idade Média proibiram-se e limitaram-se ferozmente os juros. As perseguições e discriminações daquele tempo não são actos esquecidos e ultrapassados. Os nazis e os comunistas actualizaram no século XX esta concepção, com perseguições bem vivas a estas práticas essenciais ao mercado e ao capitalismo. Mais suave, o moderado e aristocrata Keynes, em longas e irracionais tiradas, desaprovou vivamente o juro, chegando a propor a sua eliminação.

Hoje ataca-se o juro através da expansão do crédito e da manipulação da taxa de juro para valores extremamente abaixo do equilíbrio de mercado. A tradição prolonga-se e permanece tendo frequentes erupções agudas nos partidos mais à esquerda, mas também nos da direita. Chega até ao mais alto nível nas instituições do Estado bem como ao pequeno e médio empresário mais atávico.

Apesar das evidências empíricas, a cultura económica dominante julga que baixas taxas de juro e dinheiro fácil e abundante levam ao crescimento. Apenas a título de ilustração, pode observar-se no quadro incluso a coexistência, nos últimos três anos, da estagnação do PIB com a oferta de dinheiro barato e abundante. Não se pode evitar de concluir que o resultado das reduzidas taxas de juro foi o endividamento acelerado das famílias.

É surpreendente a ligeireza com que se avalia este resultado. De acordo com a análise dominante, o crescente endividamento das famílias e das empresas não é grave porque os seus patrimónios também estão a crescer, sendo estes ainda suficientes para suprir eventuais rupturas. Ora, o que conta, para além do ponto de vista do negócio bancário, não é o património existente mas a capacidade de gerar riqueza – medida pela evolução do PIB – resultante do acto de endividamento.

O dinheiro barato e abundante – tendo aqui o seu lugar os fundos comunitários – ao lado dos baixos salários estão na origem do fraco desempenho da economia portuguesa nos últimos anos. Têm permitido a dispersão dos capitais em actividades pouco produtivas e evitado as reconversões sectoriais que há muito se impõem.

 Infelizmente – e com os resultados que estão à vista – a doutrina dominante e há muito em aplicação aponta na direcção errada. Os seus arautos benzem-se pelos baixos juros e fazem figas contra tímidas subidas dos salários. Entretanto fazem juras expiatórias em favor de apostas na incerta educação e da etérea inovação.

O problema económico português não é apenas a ausência de coragem e de liderança política.

Quem disse que os diagnósticos estavam todos feitos?

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