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John Kenneth Galbraith

Embora colocado em segundo lugar, o aspecto mais marcante da análise de Galbraith é a crítica do funcionamento da grande empresa.

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John Kenneth Galbraith faleceu em 28 de Abril com 97 anos. Com um conteúdo coerente com o essencial da sua obra – e em jeito de testamento teórico – publicara em 2004, já com 95 anos, o seu último livro:  «The Economics of  Innocent Fraud».

Aquele pequeno livrinho de 87 páginas vale por todos os balanços e resumos que se façam visando captar o essencial da obra de Galbraith. É o próprio que caracteriza e hierarquiza os traços essenciais da sua visão ao longo de 70 anos de trabalho consagrados à ciência económica:

– Primeiro e mais importante – «nada me fascinou tanto», confessa –, o desfasamento entre o conhecimento económico convencional e dominante e a realidade. Esta é enviesada e obscurecida pelas inclinações e interesses individuais e de grupo. 

– Segundo, e menos importante, o domínio da sociedade moderna pela grande empresa e a transferência no seio desta dos seus accionistas para os seus quadros dirigentes.

Embora colocado em segundo lugar, o aspecto mais marcante da análise de Galbraith é a crítica do funcionamento da grande empresa. Curiosamente, esta figura foi igualmente o tema preferido de outro grande economista recentemente falecido: Peter Drucker. Mas, Drucker vê sobretudo aspectos positivos e mesmo a salvação da sociedade na grande empresa.  Galbraith pelo contrário, sublinha e caracteriza sobretudo certos aspectos de negativos. Estes economistas viveram duas experiências diferentes. O primeiro nascido e educado na Áustria viveu a experiência dos regimes autoritários da Europa entre as duas guerras e conheceu a vida de refugiado político. O segundo é um aristocrata americano que viveu e geriu situações limite mas sempre munido de grandes meios, de conforto e de poder que o Estado americano lhe conferiu.

Dirigiu, com grande sucesso, a agência governamental que durante a 2ª Guerra exerceu o controlou dos preços e administrou a economia dos territórios ocupados pelos EUA. Depois dirigiu  o «Stategic Bombing Survey». Vem daí, provavelmente, a sua grande apetência pelo planeamento e o controle do Estado sobre a economia.

Keynesiano «primário» – com uma crença sem limites no planeamento e intervenção económica dos poderes públicos – escreveu e tomou posições fortes sobre todos os grandes acontecimentos, desde o grande crise de 1929 («The Great Crash», 1961) até à guerra do Vietnam («How to Get Out of Viet Nam», 1967).

Advogou sistematicamente a transferência de poderes das grandes empresas para o Estado, fundando esta posição na sua teoria do equilíbrio social. Em síntese, esta aponta para a complementaridade dos consumos privado e público e conclui que para cada dado nível de consumo privado, há uma dimensão óptima do sector público.

Este modelo foi depois refinado com a introdução da acção da grande empresa a qual introduz uma distorção fundamental na oferta do sector público o qual fica em grande parte tributário dos interesses daquela. Em consequência, propõe a criação de processos transparentes de formação das preferências públicas, que mais tarde se concretizou com a criação dos chamados reguladores que hoje pululam por todo o lado.

Galbraith desempenhou um papel fundamental no debate sobre a teoria da soberania do consumidor. Este conceito, proposto e defendido inicialmente por W. H. Hutt em 1936, foi fortemente criticado por Galbraith o qual contrapôs a ideia de soberania do produtor – embora sem nunca adoptar pessoalmente esta designação precisa – como melhor descrevendo o funcionamento das economias modernas. De acordo com esta ideia, as empresas predefinem o nível de produção mais conveniente, recorrendo depois aos gestores de «marketing» para influenciar o nível e a composição da procura necessária.

Não ganhou, o que foi uma enorme injustiça, o Nobel da economia, embora fosse durante muito tempo forte candidato. No entanto, a sua proximidade do poder e o seu afastamento dos enquadramentos teóricos dominantes barraram a sua nomeação.

Galbraith manteve-se fiel ao seu modelo até ao fim, não obstante as alterações económicas dos últimos anos terem posto em causa aspectos essenciais da sua análise. De entre essas alterações devem referir-se: a redução drástica da independência das políticas sociais e de estabilização económica, a influência da mobilidade internacional dos capitais, as políticas de «downsizing» que emagreceram drasticamente as famosas tecnoestruturas e o crescente controlo financeiro das empresas levando à redução do poder dos quadros dirigentes.

Apesar da crítica implacável ao funcionamento das sociedades modernas, Galbraith termina o livro seu último livro, atrás já referido, com um optimismo e um realismo terríveis: «Os problemas económicos e sociais evocados, como a pobreza em massa e a fome, pode ser resolvidas pela reflexão e pela acção. Isso já sucedeu. Resta a guerra como o fracasso humano decisivo.»

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