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24 de Janeiro de 2003 às 10:27

João Ferreira do Amaral: «O 2º semestre de 2002»

Enquanto a desaceleração económica se vai verificando, as instituições oficiais tendem compreensivelmente a subavaliar essa desaceleração para não agravar ainda mais as expectativas dos agentes económicos.

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O Banco de Portugal apresentou há dias perspectivas de crescimento para 2003 mais pessimistas do que as que o Governo tinha apresentado. Não é de admirar.

Enquanto a desaceleração económica se vai verificando, as instituições oficiais tendem compreensivelmente a subavaliar essa desaceleração para não agravar ainda mais as expectativas dos agentes económicos.

Por isso, não será de espantar que, dentro em pouco, as perspectivas para 2003 ainda tenham de ser revistas em baixa. No entanto, há apesar de tudo, notícias menos más.

Alguns, ténues, indícios apontam, com efeito, para uma certa animação em sectores de exportação. É prematuro, contudo, embarcarmos em optimismos. Os indícios, além de ténues, são de muito curto prazo e a incerteza da economia mundial face às previsíveis operações de guerra contra o Iraque é muito grande. Tão grande que nos deve precaver contra previsões optimistas em relação às exportações, quer sejam de mercadorias, quer de serviços como o turismo.

Mas é também significativo olhar para o que terá sucedido na segunda metade de 2002. Ainda é cedo para termos uma estimativa fiável da evolução das contas nacionais portuguesas no final do ano passado. No entanto, daquilo que, com toda a cautela e todas as reservas, se pode inferir dos indicadores indirectos existentes concluiu-se que o crescimento no segundo semestre de 2002 terá sido muito próximo de zero se não mesmo negativo.

Não podemos saber, na altura em que escrevo, se efectivamente se terá registado ou não um crescimento negativo no final do ano passado. Mas se dentro em pouco, quando dispusermos de dados mais fiáveis se vier eventualmente a confirmar essa possibilidade, então, do meu ponto de vista, não fará sentido nenhum prosseguir os esforços de consolidação orçamental com a intensidade com que eles têm sido prosseguidos. Uma recessão é uma situação demasiado séria para vir a ser agravada com políticas excessivamente restritivas do ponto de vista orçamental e, que, como tal, seriam inoportunas.

Por isso, não faz sentido consolidar orçamentos numa situação de crescimento negativo. Nem mesmo do ponto de vista dos compromissos comunitários. Um crescimento negativo é invocável por qualquer governo da União Europeia para impedir que lhe sejam exigidos excessos na consolidação orçamental. Mesmo no âmbito do Pacto ironicamente chamado de Estabilidade e Crescimento.

No entanto - e insisto nesta prevenção- o que referi acima só é válido se se verificar efectivamente a existência de um crescimento negativo no final de 2002. Se tal não for o caso (e esperemos que, apesar de tudo e mesmo que em pequena quantidade, a taxa de crescimento da segunda metade de 2002 tenha sido positiva), então deve continuar a consolidação orçamental no sentido de pôr o défice de 2003 abaixo dos 3% do PIB (o que não vai ser fácil) .

Não que isso faça qualquer sentido económico. Mas, neste como noutros domínios, já estamos habituados a ter que respeitar regras comunitárias que não fazem sentido nenhum. Delícias desta integração europeia, cada vez mais irracional e absurda.

Tudo isto chama a atenção para a necessidade de dispormos de bons e rapidamente disponíveis indicadores sobre a evolução trimestral dos grandes agregados da Contabilidade Nacional (e é de louvar, a propósito, a grande melhoria que o Instituto Nacional de Estatística tem conseguido neste domínio).

De tal forma é importante que, racionalmente, uma boa parte da política económica deveria manter-se ou deveria mudar dentro de semanas consoante aquilo que trouxerem os indicadores de 2002 que entretanto sejam disponibilizados.

Por João Ferreira do Amaral, Economista

Artigo publicado no Jornal de Negócios

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