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11 de Fevereiro de 2002 às 11:50

João Abel de Freitas: «Traçar um rumo»

Não me parece que a ideia de um «Estado» (Ministério das Finanças) dentro do Estado seja a solução do nosso problema, a não ser que isso signifique um ministro das Finanças com um perfil de rigor na aplicação de uma estratégia acordada inter pares.

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Portugal tem um sério problema orçamental, exigindo uma abordagem e uma proposta de solução também sérias, que muito pouco tem a ver com a retoma ou não retoma da economia mundial.

Trata-se de um problema de fundo, estrutural, pelo que há necessidade de o «agarrar» com medidas robustas quer do lado das despesas quer do das receitas, na base de uma estratégia (para onde vamos, como é que vamos e com quem vamos, ou melhor, com que mentalidade vamos), essa sim ligada à superação do défice de produtividade das empresas e economia portuguesas, factores que nos dão uma posição de grande desconforto no contexto dos países membros da UE e, de uma programação muito rigorosa face ao cumprimento de objectivos bem determinados que entroncam/decorram dessa estratégia.

Não me parece que a ideia de um «Estado» (Ministério das Finanças) dentro do Estado, de algum modo subjacente em diversas declarações ouvidas recentemente, aponte para a solução adequada do nosso problema, a não ser que isso signifique um ministro das Finanças com uma competência e um perfil de rigor na aplicação de uma estratégia acordada inter pares. Mas, interrogo-me, essa não deveria ser uma característica normal pelo menos no campo da teoria seja para as Finanças seja para qualquer outra pasta?!

A questão das Finanças Públicas de um País deve ser assumida numa óptica instrumental, isto é, ao serviço de uma política e, nesse contexto, não há solução para a correcção dos desequilíbrios sem um conjunto de medidas coerentes e articuladas de redução das despesas (para evitar os cortes cegos), sendo sobretudo determinante nas despesas a sua reorientação para objectivos de desenvolvimento estratégico do país (o que implica ter prioridades concretas, bem definidas e fundamentadas de nível social e empresarial e na própria orgânica e gestão das «coisas» do Estado).

Do lado das receitas, o alargamento da base tributária é um imperativo da maior justiça social face à fuga existente, pois de há muito se interiorizou, no nosso país, a «cultura» da fuga aos impostos como «acto nobre» e, por isso, a mentalidade reinante é a de só não foge quem não pode. Há aqui uma «cultura» que constrasta fortemente com a assumpção da cidadania vigente, por exemplo, em vários países europeus.

Porém, isto não basta. É fundamental inovar nesta matéria. O sistema fiscal deve ter como alvo o cidadão, o seu bem estar, e não deverá ser visto e agilizado primordialmente com uma máquina de cobrança de receitas para sustentar o Estado, mesmo que se reconheça a esse Estado o desempenho de funções nobres de serviço público a prestar ao cidadão.

Com isto apenas quero alertar para uma reflexão em termos de novos fundamentos para a incidência tributária que atenda mais aos interesses do cidadão. Por exemplo, não seria de tributar antes o excedente (o remanescente do rendimento deduzido das despesas básicas do cidadão e das famílias) que o rendimento bruto auferido?!.

Esta maneira de formatar a questão aponta para uma mudança qualitativa, de maior beneficio do cidadão, de maior humanização na aplicação das finanças públicas. É uma hipótese de trabalho em si não muito inovadora. Trata-se de aplicar ao cidadão ou às famílias os mesmos fundamentos de matéria colectável da empresa, ou seja, IRS e IRC a convergir em termos de regras base.

Assim, as propostas de mudança do sistema fiscal, (como a baixa de taxas do IRS e do IRC ou então a elevação do IVA como medida compensatória), de forma avulsa, sem quantificação de impacte e sem objectivos económicos e sociais visíveis e fundamentados, sem uma abordagem alargada, na qual se baseie uma estratégia de solução e as respectivas medidas de acção, tornam-se pouco sustentáveis e sobretudo provocam desconfiança acrescida no cidadão sobre o seu contributo para a envolvente em que a solução do problema deve ser encontrada: a da óptica de desenvolvimento do país.

Assim, apontar para a redução de despesas sem uma programação, sem uma indicação da incidência desses cortes (quando muitas das vezes não se trata de cortar mas de reduzir/racionalizando através de medidas normais de gestão) não tem por base as boas práticas. Alguém já se questionou acerca de uma gestão racional das frotas, dos equipamentos, telefones, concursos públicos que sempre, que se pode, são evitados por burocracia e excesso de perda de tempo com o recurso à central de compras cujos efeitos são exactamente o inverso da sua criação, designadamente em termos de encarecimento das aquisições!! Alguém já se questionou porque razão o recurso à central de compras onera, em regra, as aquisições?

Queremos todos uma mudança da Administração Pública que certamente não decorrerá apenas de decretos, mas de novas formas de organização e gestão e de estratégias a vários níveis onde a responsabilização e a contratualização de objectivos devem ser as suas traves mestras; em síntese, menos normas miudinhas de procedimentos e maior responsabilidade e definição de objectivos na gestão e na decisão (o que é impossível na Administração Pública que temos) na base de uma orçamentação purianual.

Sem uma abordagem séria, não será encontrado, nem o rumo para as finanças públicas, nem o caminho para vencer o défice de competitividade do país.

João Abel de Freitas é director do GEPE – GEPE - Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica, Ministério da Economia

Artigo publicado no Jornal de Negócios – caderno Negócios & Estratégia

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