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Maria Teresa Goulão 11 de Julho de 2005 às 13:59

Isto vai mudar?

As vantagens competitivas das exportações mostram que Portugal continua a assentar nos factores tradicionais: baixo custo do trabalho, disponibilidade de matérias-primas e economias de escala.

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Depois da discussão dos de bates do orçamento rectificativo e do Estado da Nação, a modorra do costume, aliás, nestas últimas semanas foram lançadas importantes propostas, todas por entidades diferentes. Por ordem cronológica: o projecto da central nuclear promovido por um grupo de investidores privados; o Estudo sobre o Turismo encomendado pela Confederação do Turismo ao prof. Ernâni Lopes, e o Programa de Investimento em Infra-estruturas Prioritárias, da responsabilidade de Governo.

O pouco que se sabe do projecto de central nuclear, se calhar, é o primeiro sinal que merece destaque e surpresa. A forma como foi feita a comunicação do projecto não parece que tenha corrido bem.

E isso não era expectável vindo de gente tão profissional e tão habituada a levar com os holofotes da imprensa. Só que agora Patrick Mon teiro de Barros não estava a falar de negócios que interessam a uns eleitos do capital. Não, o projecto que ele estava a dirigir, a explicar, é um projecto sobre a sociedade portuguesa e que interessa à sociedade portuguesa. A construção de uma central nuclear não se passa no casulo dos gabinetes, nos gráficos das bolsas e nos corredores do poder, como o petróleo. Não, de forma alguma: o debate sobre o nuclear abre frechas na sociedade, na comunidade científica e na política. Empola debates e emociona discursos. Não tenho qualquer consideração intelectual sobre os debates cheios de fel fundamentalista e com vacuidades demagógicas, mas lembram-se de Aldea villa? Muitos, porventura não se lembram do projecto espanhol de depositar os resíduos nucleares nas nossas costas. Mas vale a pena saber e não tresler - mesmo tendo sido há tanto tempo - o que se passou.

Por isso, penso que a comunicação transmitida deveria ter sido clara e precisa. O tema tão polémico exigiria que os promotores o pusessem em cima da mesa, sem preconceitos e anátemas. E não o fizeram.

Foram parcos em explicações do projecto. O petróleo imparável é a grande justificação para o investimento. Mas remeteram para mais tarde novas descrições do projecto. E nesse vazio de explicações, arriscaram e permitiram que o primeiro-ministro fechasse o debate sobre a questão da construção dessa central numa entrevista à SIC em que disse que se mantêm as questões da insegurança da central nuclear e que esse projecto não interessa. Ponto final. Lá se foram os argumentos do ministro da Economia que, titubeando, tinha dito que esse assunto merecia estudo aprofundado.

Por outro lado, projectos desses não devem nunca merecer a atitude que os promotores nos mostraram quando confrontados com Cherno byl . A resposta foi pretensiosa e revelou alguma soberba. A pergunta era mais que evidente e normal e a resposta não poderia ter sido num tom tão abespinhado.

Mas este projecto deveria ter levantado – dos técnicos, dos jornalistas, dos cidadãos, um coro de vozes sobre uma questão verdadeiramente nacional: o estado calamitoso e irresponsável do abandono das minas de urânio, em Portugal. Hoje sabemos, com precisão, que situação temos.

Quase me atreveria a dizer que este é o pior passivo ambiental português. Em 23 de Fevereiro de 2005, o prof. Veiga Simão entregou ao secretário de Estado da Inovação, o Relatório Final do Plano Nacional de Protecção Radiológica e Segu rança Nuclear, que foi elaborado nu ma comissão conjunta interministerial. Aí estão todos os pontos nos is: que a gestão dos resíduos radioactivos é labiríntica, que temos um processo notificação do incumprimento da Comissão sobre o desrespeito das normas de protecção radiológica e sobre as minas de urânio; que existem cerca de 377 minas desactivadas ou abandonadas, sendo cerca de 50 de urânio; que o urânio armazenado na Urgeiriça é de 120 toneladas; que o Programa, de Outubro de 1999, para a requalificação das minas de urânio tem sido adiado incompreensivelmente, e que os problemas relacionados com o encerramento das minas de urânio permanecem sem soluções convincentes.

Esse estudo – incómodo – deve estar nas catacumbas dos Ministérios, e  acredito que vai ser uma outra peça de museu, das muitas que temos, em matéria de ambiente. Deve seguir o caminho do Plano nacional de Po lítica de Ambiente – um excelente documento e a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, que agora o Governo revogou «à luz das novas opções e orientações políticas».

As vantagens competitivas das exportações mostram que Portugal continua a assentar nos factores tradicionais: baixo custo do trabalho, disponibilidade de matérias-primas e economias de escala, o que nos põe numa situação particularmente frágil. Por outro lado, Portugal está «cercado» no comércio internacional pelos países asiáticos, do Medi terrâneo e da Europa Central.

«Reinventando o turismo em Portugal», orientado pelo prof. Er nâni Lopes, faz-se um notável enquadramento e mostra-nos que no combate ao definhamento está o Turismo. É um estudo que sendo prospectivo é audaz e inteligente, e dá orientações precisas e pragmáticas. Resta saber se a «policy» o segue.

Por último, o caso da «saison». No CCB, rodeado do PIB português, ocorreu o lançamento do Programa de Investimento em In fra-estruturas Prioritárias. Um mega-kit de projectos associado a um «portfolio» ainda pouco conhecido de investimentos novos. Grandes números. Sobre este programa ainda estou à espera dos detalhes.

O que sei é que ou se criam regras transparentes de contratação pública, de composição das comissões de avaliação dos projectos, regras de sustentabilidade e de avaliação de resultados, se não se optar por modelos novos financiamento - «trust» e «revolved funds» -, se não se colocar à partida a tónica em boas práticas de sustentabilidade ambiental e energética, se não se mudar a labiríntica administração e as regras de licenciamento, se não se obrigar as empresas públicas a ser eficientes e transparentes, vai ser o mesmo de sempre.

A «filo-fax» de alguns vai de novo ser a grande mão que arranja os negócios para os mesmos, o sistema financeiro e empresarial vai andar redondo à volta do mesmo epicentro. Vamos nós cometer o mesmo erro de sempre: começar pelo fim e atirar dinheiro - agora transformado em areia e betão - para cima dos problemas, girar à volta de projectos que saltam da carteira. Sem rumo certo e ordem na casa? Ou isto vai mudar?

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