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Maria Teresa Goulão 12 de Setembro de 2005 às 13:59

O cavalo de Tróia

Assistimos a uma implosão mediática com uma cerimónia feérica. Discursos retóricos sobre o marco de um novo turismo, em Portugal.

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Vamos aos números: 200 mil camas projectadas no Algarve, dezenas de campos de Golfe, se nada for feito para inverter a situação, 66% do território nacional pode vir a transformar-se, em solo árido nas próximas duas décadas, a maior parte do nosso solo urbanizado, O que alguém chamou a bulimia imobiliária. Os autarcas algarvios agora – os mesmo que em Dezembro do ano passado bradaram contra o Ministério do Ambiente por ser alarmista – a «exigir água».

Portugal, despido de mais 240.000 ha. Um rectângulo castanho e esturricado. Ficou-me na memória a frase de um agricultor de Vila Velha de Ródão, que disse, «já nem tenho silvas para me picarem os pés». Não, ele agora terá caruma castanha, para lhe doer a alma. Não esqueçamos: o sector florestal representa 3,2% do PIB, com 12% de peso no PIB da indústria nacional, cerca de 11% das exportações, mantendo 260 mil postos de trabalho directos ou indirectos.

A coqueluche neste momento das eleições autárquicas, são os pavilhões multiusos, esses monumentos ao desperdício. As eleições autárquicas não são momentos de debate de projectos, não mostram como se pode viver melhor. Antes, são exemplos às vezes deploráreis de exigências de coisas que estão quase no patamar da luxúria. Nestas eleições não há quase debate ideológico no sentido da «Polis», antes é um palco de vozes vociferantes e gestos teatrais, de inaugurações de fontanários.

Tróia é um exemplo de um processo de licenciamento labiríntico de quase uma década. De secretária para secretária, de argumento para argumento: ora o morcego, ora o ecosistema, ora outras tantas coisas, uma injustificáveis outras irrazoáveis, seja como for, sempre ilegítimo o tempo que durou.

O processo de Tróia deve ser uma lição do que não deve ser a Administração. Lembro-me bem da tentativa que se fez durante 6 meses para aprovar um diploma para proteger os golfinhos ruazes do Rio Sado. Uma batalha perdida, em que um organismo de conservação da natureza não conseguiu em 6 meses por um risco num mapa, que delimitasse a zona de proibição de circulação das motas de água aí mesmo nem frente a Tróia.

As camas que estão projectadas para o Algarve, e para o litoral alentejano, o mega-concurso das eólicas, os projectos PIN, obrigam a uma nova administração. Mas também para o cidadão anónimo que quer licenciar um furo, que quer um apoio de praia, que se queixa da vacaria que polui e do ruído da fábrica.

Este é o combate mais duro: aquele que não se vê na TV, nem enche telejornais nem capa de jornais. Trabalho de formiga, sistemático, enfrentando os interesses e os interessezinhos instalados na máquina, a lógica do feudo, mudar o bafio das velhas formas de agir e de aprovar.

Todos sabemos que não é mais possível o modelo que atravessa a nossa costa: arribas acossadas de betão, gastos perdulários de água e de energia, sistemas de saneamento com esgotos a céu a aberto no Verão. A aprovação de um projecto turístico não se deve limitar a olhar para a planta e para os papéis do projecto. Exige-se que a administração olhe para além da opacidade dos documentos: olhe para a estrada que é preciso construir e por quem, para a água que se vai consumir e donde virá, para a energia fóssil que se vai usar sem  recurso a fontes alternativas.

Olhar para o todo. Isso é que é difícil. Nós, se assim continuarmos, é para o abismo, marchar, marchar. Depois, só se as implosões forem tão diárias que deixem de ser notícias de abertura de telejornais.

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