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25 de Junho de 2023 às 21:28

Ir para a Europa seria o suicídio político de António Costa

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre uma eventual ida de António Costa para um cargo na UE, a rebelião na Rússia e a folga orçamental, entre outros temas.

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A REBELIÃO NA RÚSSIA

1. Esta inesperada rebelião vem provar três coisas:
• Primeiro, que a guerra na Ucrânia está mesmo a correr mal à Rússia. Se a guerra corresse bem no campo de batalha, não haveria divisões no aparelho militar russo.
• Segundo, que o Presidente Putin não está tão sólido como apregoa. Se estivesse sólido, não teria um desafio tão forte como teve à sua autoridade e liderança.
• Terceiro, que Putin está a pagar o preço de ter dado tanto poder a um exército mercenário, que não controla. Já há vários séculos, Maquiavel dizia que "exércitos mercenários só geram males e prejuízos".

2. Durante quase 24 horas toda a gente tremeu. Na Rússia e no mundo inteiro.
• Tremeu Putin, em primeiro lugar. Teve pela frente uma rebelião, o perigo de um banho de sangue, o risco da perda de poder.
• Mas também tremeu o resto do mundo, sobretudo o mundo ocidental: a queda de Putin é uma boa ideia, mas a substituição de Putin por um mercenário ou a instalação do caos na Rússia é uma ideia de susto. Estamos perante um país que é o maior detentor de armas nucleares. Armas nucleares geridas por um mercenário ou no meio do caos são um pesadelo. Por isso, no final, todos respiraram de alívio.

3. O resultado é, para já, o melhor possível para a Ucrânia e para o Ocidente:
• Putin sai fortemente enfraquecido, nos planos interno e internacional. Uma rebelião deixa marcas. Pode ser o princípio do fim de Putin.
• A Ucrânia sai fortemente motivada. As suas tropas têm a moral reforçada e as tropas russas a moral em baixo. Um presente inesperado.
• O Ocidente aguarda, agora com mais expectativa, o momento em que Putin seja substituído por um líder confiável e não por um aventureiro.

OS PROBLEMAS SOCIAIS

1. O contraste não podia ser maior: Governo e Banco de Portugal estão muito felizes com a evolução da economia nacional. Ao mesmo tempo, porém, os problemas sociais agravam-se. A vida das pessoas não está a melhorar.

2. Vejamos alguns exemplos:
• Crédito à habitação: uma séria dor de cabeça. Com a subida das taxas de juro, num empréstimo com Euribor a 12 meses (o mais praticado), o aumento do valor da prestação mensal, de junho de 2022 a junho de 2023, foi de 58%. Algo de aterrador. E haverá um novo aumento de mais 3%, para "acomodar" a última subida de 0,25% decidida pelo BCE.
• Subsídio de renda: uma nova dor de cabeça. O Governo aprovou esta medida. Começou a aplicá-la. A meio do processo, mudou as regras e "cortou" no apoio. Um caso de incompetência: se houve erro é porque o Governo legislou mal. Um caso de prepotência: um despacho de um secretário de Estado não pode mudar a lei. Um caso de injustiça. Agora haverá milhares de famílias que vão ser frustradas nas suas expectativas legais.
• Crianças em risco no pré-escolar: há praticamente 15 anos que o Governo não atualiza as comparticipações por criança no pré-escolar a cargo das IPSS e Misericórdias. O máximo da atualização, em 15 anos, foi de 2,6%, contra uma inflação acumulada de 22,6%, no mesmo período. Assim, segundo disse o Presidente das Misericórdias, há o risco de encerramento de equipamentos e de haver crianças em risco.
• Idosos: nos reformados com pensões baixas (400€), as despesas de saúde pesam cerca de 30%. Sobretudo com os medicamentos. Acresce que 50% das famílias mais pobres não tem dinheiro para comprar os medicamentos de que precisam. Algo de arrepiante.


A FOLGA ORÇAMENTAL

1. No crédito à habitação, os apoios são insuficientes; no arrendamento, o governo "corta" no apoio que ele próprio criou; às instituições sociais limita-lhes fortemente as condições de trabalho; no apoio aos reformados, fica-se pelos mínimos legais. E, todavia, o Estado tem, novamente este ano, uma folga financeira gigantesca. Vejamos:

• O Banco de Portugal anunciou há dias que em 2023 o Estado pode ter um novo "bónus" financeiro nas receitas fiscais de cerca de 4 mil milhões de euros, em grande parte resultante da inflação;
• A execução orçamental até abril confirma a tendência: a previsão do OE para 2023 era de um crescimento de 1,6% nas receitas fiscais; mas o que o Estado arrecadou de receitas representa um aumento de 10%.

2. O que fazer com esta folga orçamental? O bom senso aconselha duas coisas: conseguir um excedente orçamental; e reforçar ao mesmo tempo alguns apoios sociais aos cidadãos mais carenciados. Os dois objetivos são totalmente conciliáveis. No plano social, há três grandes prioridades: apoio nos medicamentos para reformados, apoio na habitação e apoio às Instituições sociais.

• É urgente criar um complemento de apoio financeiro aos reformados com pensões mais baixas para a compra de medicamentos.
• É mais do que justo reforçar os apoios na habitação. A situação de milhares de portugueses é de séria vulnerabilidade.
• É decisivo pagar às Misericórdias e IPSS as atualizações devidas pela rede do pré-escolar. Seria um crime que as crianças ficassem sem esta cobertura social indispensável.

GALAMBA E O NOVO AEROPORTO

1. O ministro João Galamba está tão descredibilizado que, mesmo quando faz disparates, o país já tende a desvalorizar. E, todavia, não devia ser assim. O que é grave é mesmo grave. É o caso das últimas declarações do ministro sobre o novo aeroporto. Estas declarações revelam um ministro infantil e impreparado.

2. Enquanto existe uma Comissão Independente a estudar a localização do novo aeroporto, o ministro do setor só podia ter uma atitude: aguardar em silêncio o trabalho da Comissão. Tudo o que disse é censurável:

• Primeiro: gera a perceção pública de que está a fazer uma pressão sobre a Comissão;
• Segundo: contraria o próprio Governo que tinha indicado a solução Santarém como uma solução que merecia ser analisada;
• Terceiro: no final do processo, o ministro ou fica desautorizado ou sai com a fama de que condicionou a Comissão.

3. Além de ter falado, o ministro falou de modo precipitado. Então a distância do novo aeroporto à cidade de Lisboa é o único critério de decisão do local do novo aeroporto? Então o custo da obra não conta? E o custo das infraestruturas envolventes? E os problemas ambientais? E a questão de saber quem paga o investimento?

4. Este processo ainda vai no início e já tem suspeitas a mais: a suspeita de que a presidente da Comissão não é independente porque já no passado defendeu a solução de Alcochete; a suspeita de que o ministro intervém porque quer condicionar a decisão final. Não são bons sinais.

ANTÓNIO COSTA NA EUROPA?

1. Há uma campanha em curso, em Portugal e em Bruxelas, a admitir que o PM poderá sair do Governo em 2024 para assumir um cargo europeu. Parece-me uma campanha muito forçada e até algo artificial. Vejamos:

• No plano europeu, não há grandes dúvidas: António Costa, se estiver disponível, chegará certamente a Presidente do Conselho Europeu. Porque esse cargo será provavelmente entregue a uma figura socialista e o PM português é hoje o socialista com mais prestígio dentro da UE. No campo socialista e no campo não socialista. Aqui, no plano europeu, não há problema de maior. A questão é muito consensual.
• No plano nacional, é tudo diferente. Aqui há um problema difícil de ultrapassar: se o PM decidir ir para Bruxelas, fará precipitar eleições antecipadas. Esta foi a regra definida pelo PR na posse do Governo. Uma regra que comporta riscos sérios para a carreira política do PM.

2. Lá fora, até se percebe a campanha. A UE está farta de Charles Michel e António Costa é uma boa alternativa. Mas porquê este debate cá dentro?
• Primeiro objetivo: criar ambiente para o PM ir mesmo para a UE, deixando o governo. Seria o suicídio político de António Costa. Entregava o poder de mão beijada ao PSD. Montenegro nem precisava de fazer grande campanha. Bastava recordar as declarações do PM a garantir que cumpriria o seu mandato. E o líder do PS que lhe sucedesse, depois de perder as eleições, culparia o PM pela derrota. Seria pior do que com Durão Barroso. Não creio que o PM cometa este erro.
• Segundo objetivo, o mais provável: esta é uma campanha de marketing político e de reabilitação da imagem do PM. Costa não vai para Bruxelas, mas dá jeito que se fale disso. Quando o PM está em perda de popularidade cá dentro, nada melhor do que mostrar que a Europa o deseja muito. O provincianismo português adora! Mais tarde, sendo convidado, António Costa dirá que honra os seus compromissos e que não troca Portugal pela Europa. Perfeito para eleitor ver!

AUDITORIA À MISERICÓRDIA DE LISBOA

1. A ministra Ana Mendes Godinho decidiu há dias – despacho de 12 de junho – mandar fazer uma auditoria à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no respeitante ao mandato do ex-Provedor, Edmundo Martinho. Esta auditoria será realizada pela BDO, uma sociedade especializada em auditorias. Trata-se de uma decisão muito invulgar e excecional, sobretudo tendo em conta que a auditoria é feita a uma gestão que já tinha sido nomeada por este governo. Isto não é normal.

2. Porquê esta decisão absolutamente invulgar? Por três razões fundamentais:

• Primeiro: porque, na sequência de alertas do Ministério das Finanças, há indícios de ilegalidade e eventuais negócios ruinosos na gestão da Santa Casa, designadamente no processo de internacionalização do jogo e da criação de várias sociedades no exterior;
• Segundo, porque esta decisão vem acompanhada de uma outra, igualmente pouco normal: no mesmo despacho em que decretou esta auditoria, a Ministra Ana Mendes Godinho recusou, preto no branco, a aprovação das Contas da Instituição relativas aos anos de 2021 e 2022. Uma espécie de cartão vermelho á gestão da Misericórdia.
• Terceiro: porque, segundo o despacho ministerial, pode haver problemas de sustentabilidade financeira da Misericórdia de Lisboa. De resto, não é de excluir que a Misericórdia de Lisboa venha a precisar mesmo de uma injeção de capital feita pelo Estado.


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