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16 de Agosto de 2012 às 23:30

Incomparáveis: Portugal e Islândia

Sobre a festa-comício do Pontal, que entretanto se mudou para o Aquashow de Albufeira, não penso que haja muito a dizer. Local, encenação e "timing" são eloquentes. O pouco que ouvi, lembrou-me muito o vácuo do Congresso do PS em Matosinhos em vésperas das eleições de 2011.

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Passos Coelho trabalhou duro para aquilo por que acha que deve ser lembrado; há, no entanto, limites para a fé que a realidade torna inexpugnáveis – acredito que o PM acredite num 2013 melhor, e é exactamente isso que me preocupa. Um em cada quatro elementos da população activa está desempregado, como João Cândido da Silva tão bem sintetizava neste jornal no passado dia 16.

Mais interessantes do ponto de vista de discussão franca da realidade europeia, foram as notícias sobre a recuperação da Islândia – esta semana de novo muito debatida nos media. Olhando para os números, ficam uma certeza e uma dúvida, respectivamente:

– que a capacidade de resposta dos Estados às intervenções do FMI ou da troika (que o nosso governo toma por cartilha) é inegavelmente diferente quando há – como na Islândia hoje, ou em Portugal nos anos oitenta, por exemplo – mecanismos de desvalorização cambial capazes de acelerar pela política os processos ditos da economia e dos mercados;

– se devemos continuar a "ler" a intervenção do FMI tendo como destino os PIIGS ou, como a lógica indica, toda a zona Euro. As cambiantes ao nível da legitimidade do discurso político são brutais num caso ou no outro. Em exemplo de bê-á-bá: uma coisa é dizer que nos endividamos com BMWs, Audis e Mercedes, outra bem diferente é considerar que, ao fazê-lo, sustentámos a economia Alemã.

Claro que se puxasse dos sentimentos ligeiros da "Silly Season", diria que as nações são por si só incomparáveis, que os povos só existem porque são diferentes, senão chamar-se-iam "raças" e que, como ensina a lei da selva, raças diferentes farão de tudo para perseverar: homicídios, emboscadas aos mais frágeis (idosos, crianças, jovens) e até canibalismo – frequente, sobretudo, em ecossistemas desequilibrados pelas forças da natureza, onde os carnívoros de largo porte precisam de grandes quantidades de proteína para crescer. Mas o problema é de outra natureza, bem mais complexa e esquiva, e as fábulas não o explicam.

Se olharmos com alguma calma para a história recente da Islândia, descobrimos rapidamente que a ilha – que até ao século XIX esteve debaixo das coroas Norueguesa e Dinamarquesa e se tornou independente em 1918 – só partilha a história da Europa como a conhecemos a partir da 2ª Grande Guerra. Nesta altura, o país pobre e agrícola industrializa, com ajuda dos dólares do Plano Marshall, as suas pescas e prospera na rentabilização do sector primário. Tal golpe – digamos assim – nunca aconteceu em Portugal. Pelo contrário, com o fluxo exterior de dinheiro e por vontade política das nações poderosas da zona euro, abatemos traineiras e cultivos, e fomos presenteados com a deriva imoral de casos BPN e afins, que os entretanto líderes tentam desvalorizar lançando uma caça folclórica aos gambozinos. Portugal e Islândia são incomparáveis: na Islândia foi ponto do acordo – note bem – assinado entre o FMI e os representantes eleitos, que jamais o Tesouro seria chamado a cobrir os buracos abertos pela folia destrutiva do sistema bancário e suas derivas especulativas. Todas as medidas aplicadas partiram deste pressuposto fundatório, e a diferença entre ambos os países – que até partilham várias semelhanças, desde a situação geográfica insular e marítima, até à inevitável bipolaridade advinda da sua pequena dimensão económica – está aí, nesse ponto pequeno, mas indesmentível, de lucidez pública. Mas é claro que a mediocridade reinante prefere o conflito e o medo, quanto mais não seja para se sentir, ela própria, essencial à História, mesmo quando tudo indica que seja absolutamente descartável.
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