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13 de Junho de 2005 às 12:05

Globalização e Marginalização

Esta crónica podia chamar-se, qualquer coisa como, quinze dias de um português a trabalhar numa empresa ibérica, chegado de São Paulo, seguindo para Hong Kong e Doha-Qatar, com várias escalas por capitais europeias. Desde há bastantes anos que ando nisto?

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Esta crónica podia chamar-se, qualquer coisa como, quinze dias de um português a trabalhar numa empresa ibérica, chegado de São Paulo, seguindo para Hong Kong e Doha-Qatar, com várias escalas por capitais europeias. Desde há bastantes anos que ando nisto?

As questões ligadas ao sector energético são, por excelência, as que historicamente estão mais internacionalizadas e globalizadas, não só porque onde está o petróleo e gás natural não é onde estas "pérolas" do actual paradigma energético são consumidas, como ainda ocorre que onde se gera a tecnologia e inovação para o sector energético é nos países que? não têm recursos energéticos - non colocated commoditie.

Tento estar atento e interpretar a catadupa de sinais, informações e experiências que esta "circulação" proporciona.

Claro que a leitura desta vivência leva-nos a questionar os problemas centrais dos dias de hoje, a globalização, o acordar de metade da humanidade (China e Índia), a Europa e, nós, portugueses, no meio disto tudo?

Lemos centenas de páginas de artigos sobre o potencial e os riscos da globalização, sobre a imparável emergência da China, sobre os desafios europeus e a paralisia nacional.

O curioso, para mim, está no ir vivendo, realmente, estas problemáticas e tentar perceber a "nova ordem" que se vai forjando, o cabimento do chamado modelo europeu e o "encaixe" de Portugal.

Acabo de ter uma reunião no Qatar com vista a responder a um concurso. A primeira constatação é a do "novo ciclo dos petrodólares". Doha era uma aldeia até há três anos. A descoberta e entrada em operação do maior jazigo de gás natural do mundo, faz com que o país esteja mergulhado num alucinante programa de investimentos de mais de duas centenas de biliões de dólares em cinco (!) anos.

Um país do tamanho do Algarve, com duzentos mil nacionais e? a caminho do milhão de estrangeiros.

Na minha reunião estavam três espanhóis - de diferentes nacionalidades? - um palestiniano que estudou em Londres, um iraniano refugiado em Espanha desde a queda do Xá, um turco recém regressado dos campos de petróleo da Rússia.

Os contractors americanos, alemães, franceses, malaios, coreanos, egípcios, libaneses, estavam por todo o lado.

À volta, "só" o deserto, os chadors carregados e as túnicas alvas dos qataris faziam lembrar que estava na Arábia. Já os neons piscavam, Sheraton, Samsung, SAP, Heineken, Blockbuster, Shell, enfim, os mesmos em todo o lado.

O presidente do Paquistão, de visita ao Emir, pressionava pela abolição dos vistos, que permitam a mais paquistaneses virem trabalhar, eufóricos (!!) por 150libras/mês, sem horas, vivendo nos contentores das obras até 52º e 100% de humidade. Quatro nepaleses tinham morrido de choque térmico quando passaram ao ar condicionado?

Last but not least, um militar norte-americano da base central da força aérea americana no Médio Oriente, recém transferida da Arábia Saudita para o Qatar (!), ao chegarmos a Amesterdão, perguntava-me onde podia comprar o Michey Mouse que tinha prometido dar à filha quando chegasse aos EUA?

Está aqui espelhado tudo o que é o fascínio e o drama da globalização, omnipresente, imparável a cavalo nas leis do mercado a evidenciar os mais brutais contrastes, que sempre existiram nos bastidores e que agora são exibidos no palco, como genocídios esquecidos são hoje vistos em directo nas TV’s.

Para a China já costumo ir com "metade da mala" que levo para outro sítio qualquer. Não, não é porque aproveite para fazer compras. É porque tenho a certeza que tudo funciona, impecavelmente! Lavar e engomar uma camisa ao domingo das três para as quatro da manhã, é possível. Mais, não falha e agradecem-nos com muita simpatia.

O responsável pela limpeza e apoio nos lavabos, é o homem mais atento, profissional e cioso do seu trabalho.

O "Perigo Amarelo" não está, para já, no facto dos chineses serem 20,7% da população mundial. Está em só representarem 6% das exportações mundiais, quando estão animados de uma vontade, confiança e entusiasmo inultrapassável.

Pensemos o que pensarmos, os chineses estão felizes e agradecidos ao facto de estarem a trabalhar "para eles", na esperança de esquecerem milénios de fome. Deng-Xiao-Ping disse que "ser rico é glorioso", e ligou a alma de centenas de milhões de pessoas.

É neste contexto da globalização e da emergência incontornável de um país - para não falar noutros - que tem mais população do que o total dos cidadãos dos EUA, EU e Japão, que é chocante ver os políticos europeus e os parceiros sociais a discutirem se a semana de trabalho na Europa deve ser de 35 ou 38 horas e se as "pré-reformas" em Portugal devem continuar.

Parece o Governo de Vichy nas intrigas de palácio quando? os alemães já passavam pelo Arco do Triunfo!

Percebo a França e os defensores do chamado modelo social europeu. Fui educado numa escola francesa. A cultura é impressionante, o património é notável, a qualidade de vida está no ponto mais alto da história. O problema está em que o paternalismo empresarial e social do Estado, tiraram garra e sentido de responsabilidade a investidores e trabalhadores, aqueles sorvendo imediatamente as empresas com dividendos imprudentes e gananciosos e estes desmotivados e sem sentido de responsabilidade.

A Europa não pode imaginar que é sustentável ter gente chique, que só trabalha em "ideias", design e délicatesses e põe os imigrantes a trabalharem nos hotéis, nos cafés e restaurantes, a limparem as ruas e na apanha da uva, enquanto o agricultor francês vai para "as colónias" da Martinica "curtir" com o dinheiro da PAC, rogando pragas e incendiando o álcool do Brasil ou as ovelhas da Austrália.

Está tudo a estudar para um lugar na sede do Crédit, próximo do Hotel de Ville, com ordenado "civilizado", 35h no máximo para o stress e 5 semanas de férias à grande, só para falar no Verão. Se não der, que dê a securité sociale?

Tudo tão civilizado, tão arranjado, não fora esses cerca de 5 mil milhões de bárbaros que andam aí a querer trabalhar à louca. Verdade que alguns até dão jeito, para bonne lá de casa. Desde que se lavem e não se dê por eles, até ajudamos mandando umas roupas e brinquedos que os miúdos já não usam lá para a terra. Coitados!

Aqui, em Portugal, também já nos habituámos a estas conquistas do socialismo e da social-democracia. O Estado Social! Há muito que o merecíamos.

Mas ele, o Estado, está a ficar roliço e preguiçoso e os seus chefes, políticos, pedem-nos mais dinheiro para o alimentar. Conformaram-se que não conseguem, decididamente, mandá-lo fazer dieta e exercício.

Afinal, é "social", ou estávamos a evidenciar desemprego e a inquietar as pessoas.

Neste quadro, "parece bem" pedir sacrifícios a quem mais tem, às empresas e aos capitalistas que as detêm. Trabalhem muito ou pouco, os ricos que paguem a crise!

A pensar nisto, lá cheguei à Portela, com os vidros e o chão porcos, após escalas nos aeroportos europeus.

"Há poucas ligações para Lisboa e os aviões não estão muito cheios", explicam-me: "também, parece que para lá estão com problemas e continuam a discutir as suas coisas. Façamos votos que os resolvam, afinal, até é uma gente e um País muito simpático"?

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