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19 de Dezembro de 2006 às 13:59

Estratégia e antiestratégia nas crises

Uma situação de crise coloca, quase sempre, a exigência de opções de ataque à crise marcadas mais pelas contingências do que pelas intenções a longo prazo.

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As ideologias inspiradoras dos grandes objectivos permanentes cedem o passo às medidas urgentes, salvadoras da situação crítica em que se caiu.

A justificação para essas medidas era, de acordo com concepções tradicionais, fornecida pela própria crise e a ideia de que as crises enfraqueciam os sistemas constituía uma afirmação axiomática.

A Estratégia de Crise, pelo seu carácter efémero, era uma anti-Estratégia, pois, por definição, a Estratégia caracteriza-se pela profundidade (no tempo) e pela largueza (na diferenciação) dos seus objectivos.

Modernamente, os planos de combate às crises abandonaram a ideia de "cargas ao mar para salvar a embarcação". Adquiriram a noção de que é mister salvar também a carga, sendo fundamental combater a crise de um modo que, ao sair-se dela, o sistema esteja mais forte e com mais vantagens comparativas. Assim, a estratégia a adoptar na situação tem de ser formulada com todos os pressupostos inerentes a uma ideia estratégica completa: os pressupostos da essencialidade dos objectivos a definir parao longo prazo, da relação do sistema com o ambiente externo, com a concorrência/competitividade e da ideia de mudanças que "os futuros" nos reservam.

Todavia, a realidade nem sempre se deixa gerir como nós queremos. Diz-se, também, que ela se deixa gerir mal por pouco tempo.

É a realidade que expulsa os maus gestores, as más empresas e, como que contrariando a "Lei de Gresham-Cavaco Silva", expulsa também os maus políticos?

Penso no nosso país e na crise que ele atravessa nos primeiros anos do novo milénio. A estratégia e a antiestratégia, às vezes, nas crises ou por outras situações condicionantes, apesar da contradição dos termos, surgem associadas. Podemos apontar muitos exemplos deste paradoxo, como, o aumento do IVA, pelo actual governo. Sabia-se que era a única forma (que o governo considerou ao seu alcance) de colocar o défice orçamental nas margens negociadas com a UE. Mas tem de se saber também que o IVA deve ser reduzido o mais brevemente possível, para aumentar a competitividade do país e, simultaneamente, introduzir outras medidas que reforcem esta capacidade competitiva, como a simplificação dos processos administrativos e a reforma do Estado, por exemplo.

Outra ordem de condicionantes estratégicos que se nos impõem derivam da pertença à União Europeia. Na verdade, é a União que nos define os momentos e as dimensões quer das crises, quer das bonanças. E, na situação actual, a estratégia do país implica em sacrificar despesas públicas e a antiestratégia em adiar as reformas que eliminem desperdícios orgânicos, que comprometam a competitividade e que mantenham estatutos remuneratórios descontextualizados. Neste sentido, a antiestratégia coincide com a omissão estratégica, e esta com o imobilismo organizacional do Estado.

A consciência da crise constitui, hoje, um valor estratégico enorme. Há sintomas de que essa consciência existe na sociedade portuguesa. Um significativo exemplo desta consciência foi manifestado pelo líder da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, o Senhor António Chora que informou do acordo com a empresa em alterar o pagamento do trabalho em dia feriado e dia de folga de 200 para 100% de aumento. Alteraram o estipulado na Lei geral do trabalho para garantirem a manutenção da produção em termos concorrenciais. Mas em Espanha, a remuneração das mesmas condições de trabalho só tem 37% de aumento. Dir-se-á que os salários são maiores. Mas a estratégia tem uma componente polemológica inexorável, ou seja, de contexto com o ambiente exterior, mais ou menos conflitual ou colaborante.

É por isso que, quer se queira quer não, a flexisegurança é um palavrão que traduz uma realidade a inscrever na análise das nossas opções estratégicas.

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