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Opinião
20 de Março de 2008 às 13:59

Elogio da inteligência

Já se chegou longe de mais na barafunda política portuguesa. E a invocação constante dos méritos do dr. Cavaco como primeiro-ministro revela que o recurso flébil ao passado envolve, quase sempre, uma doentia nostalgia acrítica – como é o caso. No entanto,

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Só a lembrança de que esta criatura chegou a dirigir um Governo causa arrepios. E a actual evidência da sua ressurreição permite considerar que é capaz de haver vida para além da morte.

O descrédito da sociedade política provém das insistentes malfeitorias de sucessivos Executivos, apoiados por “bancadas” servis de parlamentares com os quais nos não identificamos, cujo trabalho ignoramos porque não sabemos, rigorosamente, o que estão ali a fazer.

No sábado, 16, p.p., Maria Filomena Mónica esteve na SIC-Notícias, e, com a veemência própria de quem estuda, reflecte e analisa, esclareceu o que está em causa nesta questão dos professores. Leio, com interesse e proveito, o que esta mulher tem escrito, em jornais e livros. O registo polémico, o ardor com que defende causas e a variedade dos seus interesses atraem a minha curiosidade. Há, nela, um ímpeto complexo e uma procura de informações capitais que sobrelevam a superficialidade de muitos comentadores do óbvio. A intervenção dela, naquele sábado, foi um admirável momento de instigação à nossa inteligência. E a intensidade “latina” fez esquecer aquele toque “oxfordeano” com que, ocasionalmente, sublinha o que diz e irrita quem a escuta.

Maria Filomena Mónica discorreu não só acerca da oposição entre a ministra da Educação e os docentes, mas também, e sobretudo, sobre o deplorável estado em que a democracia portuguesa se encontra. Clarificou, com meia dúzia de frases claras, o que no-lo tem sido inculcado em nebulosa sintaxe. E não hesitou em colocar-se ao lado dos professores, sem deixar de revelar que Maria de Lurdes Rodrigues não estava a proceder bem. Revelou que a ministra fora sua aluna; disse-o sem pesporrência ou soberba, apenas para colocar as coisas no seu sítio. O problema não surge isolado do contexto mais alargado da sociedade portuguesa, notoriamente enferma – e cada vez mais.

Insistiu num fundamento irrefragável: o da urgência em se modificar a estrutura das leis eleitorais para se compreender a necessidade dos círculos uninominais. Disse: não sabemos sequer o nome daqueles senhores que se sentam no hemiciclo, indicados pelos partidos, de origem desconhecida, grande parte dos anos calados e quedos, afinal de duvidosa representatividade.

Atrasados, um pouco perdidos numa Europa que nos não conhece ou nos observa espevitada pela curiosidade benevolente de quem se lhe depara uma coisa exótica, vamos existindo entre o provisório e a resignação, entre a ausência de significado identitário e a miséria que mascara a impotência. Maria Filomena Mónica adiantou que “esta” democracia não está submetida ao perigo de um golpe de Estado (militar, supõe-se) porque pertence à União Europeia. Estamos a deixar de ser um país para nos transformarmos em provérbio.

A presença desta mulher na televisão resgatou-me da mediocridade impante e das cassetes ideológicas, oportunistas ou preguiçosas, com tenores cujas vozes não só nos aborrecem como nos deprimem. Que adiantam ou atrasam as opiniões de António Barreto, José Miguel Júdice, Jorge Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa, José Pacheco Pereira, António Lobo Xavier, Miguel Sousa Tavares, António Vitorino, Luís Delgado?, outros, muito mais outros, uma infinidade de outros, certamente estimáveis, mas que somente falam – e nada dizem porque nada têm de novo para dizer. O azebre da rotina, nas televisões, nas rádios e nos jornais favorece a conformação e a desistência dos cidadãos. Sabemos, de antemão, aquilo que vão dizer. Conhecemos os seus verdetes, as suas paixões, as suas inclinações e os seus pequenos ódios. Dêem voz aos mais novos.

Na política como na literatura, na crítica cinematográfica como na de artes plásticas. A imposição de um gosto pessoal sem se aplicar à análise o paradigma do criador. A mediocridade atrai a mediocridade. E a ignorância é atrevida, como se sabe. Insinua-se, não se nomeia. Diz-que-disse, não se afirma. O debate é inexistente. O vazio cultural é assustador. Os autores que a Imprensa promove devolvem a mentalidade dos promotores.

Maria Filomena Mónica suscitou, certamente, em numerosos espectadores, amplos motivos de reflexão. No fundo, ela sugeriu que pensássemos. Num discurso a que nunca faltou o sal da indignação e do confronto, a base da informação e do conhecimento, a socióloga demonstrou a necessidade de uma outra ética e a simpatia por quem exerce uma crítica implacável e íntegra à sociedade do abandono. A legitimidade do julgamento deve sustentar-se na interpelação que cada um deve fazer a si mesmo. E, claro!, na paixão do estudo, na força da vontade, na consciência moral da cidadania.
Esta mulher tem de ir mais vezes às televisões. É inteligente e, ainda por cima, bonita.

APOSTILA – Completaram-se cinco anos sobre a reunião, nas Lajes, que constituiu o acertar das linhas para a invasão do Iraque. É uma data vergonhosa. Não só por Durão Barroso ter servido de sorridente e obsequioso mordomo dos senhores da guerra (Bush, Blair e Aznar), como pelo que comporta de criminoso. Recuperam-se as imagens desse dia da infâmia, enquanto alguns apoiantes fervorosos do sinistro acto procuram esgueirar-se às cumplicidades antigas. Um pouco por todo o mundo, os protestos contra a invasão fizeram-se ouvir. Nos Estados Unidos, assumiram aspectos impressionantes. Aqui se regista.

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