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17 de Novembro de 2003 às 09:40

Economistas de Língua Portuguesa

Com a criação da Associação deu-se um passo novo e muito importante no relacionamento entre as comunidades de economistas dos países lusófonos.

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Realizou-se na semana que passou, na cidade brasileira do Recife, o V Encontro de Economistas de Língua Portuguesa. Depois do Porto, Rio de Janeiro, Macau e Évora, foi a vez da capital do Estado de Pernambuco receber economistas vindos dos quatro cantos do mundo, tendo como grande referência a comunicação em língua portuguesa.

Num meio científico dominado cada vez mais pela língua inglesa não deixa de ser um acontecimento de relevo juntar num fórum internacional cerca de 200 economistas, maioritariamente académicos mas também oriundos de diversas instituições económicas e empresariais, para discutir temas candentes da ciência económica e das economias do espaço lusófono.

Como seria de esperar, as comunicações foram de qualidade diversa e não deixaram de reflectir o estado de desenvolvimento e as preocupações específicas das instituições e dos países de origem dos diversos participantes. Revelou-se, no entanto, o enorme potencial que está associado à convergência de interesses num espaço comum constituído por cerca de 230 milhões de pessoas, espalhados pelos cinco continentes e que, manifestamente tem condições para se assumir como um espaço cultural e linguístico de vocação global.

Para lá das diferenças evidenciadas nos temas escolhidos ou nas metodologias de abordagem utilizadas, foi notória a importância da língua comum como veículo de generalização de experiências, de consciencialização de problemas teóricos e práticos, de construção, ainda que de forma não inteiramente assumida, de um referencial comum de leitura da realidade económica e social dos diferentes países que partilham a língua portuguesa.

Deste V Encontro saiu, finalmente, a constituição de uma Associação de Economistas de Língua Portuguesa e a eleição de uma Directoria Organizadora, composta por representantes dos diversos países e presidida pelo decano do Encontro, o Prof. Armando Mendes, da Universidade Federal do Pará, que terá a seu cargo todo o trabalho de lançamento da Associação e de outras iniciativas visando aprofundar as relações entre os economistas que falam português. Para além dos contactos com economistas e as suas instituições representativas dos países lusófonos, está prevista a realização em Maio/Junho do próximo ano, em Portugal, de um colóquio sobre a importância da relação atlântica, para o qual serão convidados a participar representantes do meio académico, empresarial, político e da comunicação social. Com a criação da Associação deu-se um passo novo e muito importante no relacionamento entre as comunidades de economistas dos países lusófonos e que não deixa de dar um contributo decisivo para dar sentido e substância à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, até agora muito limitada às iniciativas de carácter inter-governamental.

Espera-se, também, que a Associação seja um importante impulsionador da reflexão sobre os problemas e os desafios que se colocam aos países que falam português, um agente integrador de vontades e iniciativas comuns, um instrumento de valorização dos economistas que falam português nas diversas organizações e comunidades científicas e empresariais internacionais e, sobretudo, que possa vir a desempenhar um papel de relevo na promoção do relacionamento económico e empresarial entre os diferentes países e na afirmação do conjunto nas dinâmicas de integração económica regional e global que hoje se desenham.

À margem do Encontro, mas já dentro do espírito de promoção e valorização dos economistas de língua portuguesa, foi decidido dar apoio ao lançamento da candidatura a prémio Nobel da economia para 2004 do Professor Celso Furtado. A iniciativa partiu da Cátedra e Rede da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas em Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (REGGEN, Rio de Janeiro), do Colégio do Brasil (Rio de Janeiro) e do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais de Buenos Aires, e teve o seu lançamento oficial no Seminário Internacional REGGEN 2003, que teve lugar de 18 a 22 de Agosto passado, no Rio de Janeiro, e em que tivemos a honra de participar como um dos oradores convidados. Depois disso recebeu o apoio da Academia Brasileira de Letras, da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, para além de diversas personalidades representativas do pensamento económico do Brasil, encontrando-se presentemente em fase de mobilização de apoios no exterior.

Como é sabido, Celso Furtado é um dos criadores da escola de pensamento estruturalista que nasceu na América Latina nos anos 50. A ele se deve, em primeiro lugar, a formulação da teoria de que desenvolvimento e subdesenvolvimento constituem as duas faces do mesmo processo de expansão da economia capitalista à escala internacional. Com o chileno Raúl Prebisch e a luso-brasileira Maria da Conceição Tavares impulsionou a acção teórica e prática da CEPAL-Comissão Económica para a América Latina das Nações Unidas, responsável pela chamada de atenção para os problemas particulares e necessidades de desenvolvimento daquela zona do mundo. Paraibano de nascimento não deixou de olhar para a realidade gritante do Nordeste brasileiro, influenciando a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE de que foi seu primeiro Superintendente.

O balanço que hoje se faz das iniciativas desenvolvimentistas baseadas no estruturalismo latino-americano e na acção das instituições como a CEPAL ou a SUDENE é contraditório. Em que medida contribuíram para o lançamento de processos sustentados de desenvolvimento local e regional ou para o reforço da dependência das populações da iniciativa e do financiamento dos poderes públicos, continua uma questão em aberto. É indiscutível, no entanto, que a teoria estruturalista e a abordagem de Celso Furtado, em particular, contribuíram para colocar a problemática do subdesenvolvimento no centro das atenções, influenciando ou, simplesmente, alertando em todo o mundo, sob diferentes formas, toda uma geração de economistas, alguns dos quais vieram a ser, inclusive, galardoados com o prémio Nobel, como o sueco Gunnar Myrdal, o indiano Amartya Sen, ou o americano Joseph Stiglitz.

Entre nós a influência de Celso Furtado e da escola estruturalista foi marcante, contribuindo fortemente para o ambiente desenvolvimentista que se forjou ao longo da década de 60, e para a formação de muitas das principais figuras de referência do pensamento económico em Portugal, entre as quais destacaríamos Francisco Pereira de Moura e Alfredo de Sousa.

É em reconhecimento desta influência, no pensamento mas, também, na prática da política económica em Portugal, que lhe é atribuído, em 1987, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Técnica de Lisboa, por intermédio do seu Instituto Superior de Economia e Gestão.

Seja qual for a atitude que se possa ter em relação ao papel da teoria estruturalista e aos contributos particulares de Celso Furtado, é forçoso reconhecer que se está em presença do expoente maior do pensamento económico elaborado em língua portuguesa e, neste sentido, o lançamento da candidatura a Nobel da economia, para além do reconhecimento e homenagem ao cientista e à sua obra, representa também uma forma de afirmar e valorizar todos quantos no espaço académico e económico da lusofonia exercem, pelas mais diferentes formas, o ofício de economista.

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