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Opinião
21 de Agosto de 2009 às 12:00

É preciso é escutar o país

Com arquejante curiosidade tenho seguido as sombrias notícias sobre escutas em Belém. Segundo o circunspecto "Público", os grampos teriam sido colocados por assessores de Sócrates nos locais do palácio por onde andam os assessores de Cavaco.

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Com arquejante curiosidade tenho seguido as sombrias notícias sobre escutas em Belém. Segundo o circunspecto "Público", os grampos teriam sido colocados por assessores de Sócrates nos locais do palácio por onde andam os assessores de Cavaco.

Não lhes gabo, a nenhum deles, o gosto e a indiscrição. Conheço alguns, de ambos os lados. Não estão muito hipotecados à inteligência e a cabeça de três ou quatro chega, mesmo, a riscar o diamante.

Que raio de conversas suscitariam a bisbilhotice alheia, dando por certo que a notícia possui foros de verdade, do que duvido. No entanto, acaso o assunto for facto e não pequena especulação, a Presidência terá de tomar decisões drásticas. Ordenar à PJ, à PSP, à GNR, ao SIS, ao SEF uma profícua e muito esmerada investigação, a fim de se obter conclusões. A pátria vital está suspensa. Nos cantos e recantos do palácio, nos desvãos, sob os tapetes, incrustados nos candeeiros, nas espessas dobras dos pesados reposteiros, nos mansos gabinetes, no salão onde Cavaco escreve, no sofá onde costuma dormir a sesta; nas paredes, nos tectos, nos telhados, tudo, milimetricamente, terá de ser submetido a especial varejo.

Se for descoberto o mais escasso fio, o mais pequenino botão, quem os lá colocou terá de ser punido com a gravidade que o crime exige e justifica. E se ocorrer o contrário? Se a notícia não é notícia (com perdão da palavra) e se for uma qualquer tranquibérnia urdida por espírito maligno, então, lei em cima do autor. O dr. Cavaco não pode, em nome da verdade (tão apregoada pelo partido a que pertence) passar ao lado do assunto, como cão por vinha vindimada, que se nos desculpe a analogia. Que fazer? Despedir o eng.º Sócrates, em caso de culpabilidade dos seus desastrados e levianos assessores? E que tem o eng.º Sócrates a ver com as eventuais leviandades dos seus assessores?

Responsabilizar, somente, os prevaricadores, atirá-los para a masmorra, e escarmentá-los publicamente? E se se der a inversa? Como punir os delinquentes? Este penoso problema está repleto de pontos de interrogação.

Até à hora a que escrevo, nada de novo foi acrescentado à grave informação inicial. Ouvi e vi, nas rádios e nas televisões, um chorudo grupo de comentadores, discreteando sobre. É um divertimento estimulante escutar esta gente. Habitualmente estão completamente impreparados e dizem disparates dos mais risíveis. Nos intervalos do habitualmente, são autênticos imbecis, que nada sabem, que nada arriscam, que não espevitam a interesse de quem os atende. Há dias, um director de jornal dizia-me: "Estes tipos são tão maus que você nem acredita. Não sabem nem curam de saber."

Enquanto andamos nesta montanha russa de folclore de estação, os dois putativos candidatos a primeiro-ministro dizem, um dos outro (ou uma do outro) o que Mafoma não disse do toucinho. O nível geral do discurso político quase desceu à altura da sarjeta. Não se sabe o que a dr.ª Manuela deseja para o País, apesar dos patéticos esforços do Pacheco Pereira. E, pior!, quando ela fala o tolejo é pungente. Lá vem o pobre Pacheco (como Eduardo Prado Coelho o chamava) tentar que façamos outras interpretações. Estas cenas atingem os termos da ópera-bufa, com um contra-regra que nos quer sujeitar a uma realidade inexistente. Se eu estivesse propenso a dar o meu voto à líder do PSD, bastava ouvi-la uma só vez para fugir espavorido. Nada tenho de pessoal contra a senhora. Em boa verdade, também nada tenho, politicamente, contra ela. Porque a não conheço e porque ela, politicamente, é nada.

Manuela Ferreira Leite é um dos mais graves sintomas da pandemia de mediocridade que, desde há anos, se instalou e alastrou pelo País. Teve, e tem, como modelo o dr. Cavaco, cuja nefasta presença, em dez anos como primeiro-ministro, ainda não foi seriamente analisada. Um jornalismo acrítico e uma legião de estipendiados construíram um território de equívocos, de mentiras e de fraudes que transformaram o banal homem de Boliqueime num génio imaculado. A banalidade do senhor é constantemente provada. Banalidade e carência de subtileza. Esperemos que, neste caso das "escutas", ele se não imiscua. É manifesto que se trata de uma "borbulha" eleitoral, criticável, evidentemente, pela sua natureza escabrosa, mas que se vai tornando comum nestes períodos. Mais grave é quando a honra de pessoas e de instituições é atingida. E tudo se passa sem nenhum esclarecimento e com a mais perfeita impunidade.

Não sei, ninguém sabe, como é que e quando é que a política regressará ao seu significado clássico. Não com esta gentalha. Ninguém parece interessado, nem sequer capaz, de reflectir no problema. Ninguém, quero dizer: a dúzia e meia de pessoas sérias e competentes, que ainda existem, apesar de, às vezes, enxovalhadas pela infâmia.

Que esperamos e que nos espera? Não auguro nada de bom para Portugal. Basta olhar em volta, andar pelo País, viajar pelo interior, falar com as pessoas, ouvi-las sobretudo, para rapidamente compreendermos que há uma tarefa hercúlea a realizar. Mas, depois, surge o desalento, o desânimo, o desencanto. Sempre e para sempre?

b.bastos@netcabo.pt

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