Opinião
Dilemas turcos
O que sei é que, se a Turquia for rejeitada [como membro da União Europeia], já terei o que dizer ao primeiro-ministro turco: «bem feito».
Disse o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan que as relações entre a Turquia e a Europa ficariam «abaladas» se os líderes europeus recusassem o ingresso da Turquia na UE. Isso, que poderia ser o óbvio ululante – qualquer mandatário de qualquer país candidato poderia dizer o mesmo, e não estaria a mentir – tem, no caso turco, um sentido particular e grave. Soa, indisfarçavelmente, a ameaça: «aceitem-nos ou sofram as consequências». Uma indecência. Transponha-se essa situação para as relações sociais: um convidado que se impõe como tal através de ameaças insinuadas. Inaceitável.
Mas as relações internacionais não são como as sociais (e ainda bem, para as relações sociais) e o facto é que temos razões de sobra para temer a radicalização islâmica da Turquia. Admitir o seu ingresso na União Europeia teria o dom de a europeizar (desde, naturalmente, que não seja, ao contrário, a Europa a islamizar-se). Renegá-la teria o efeito contrário e, politico-correctices à parte, o inegável é que todos os lugares de conflito violento no mundo (Iraque, Tchechénia, Palestina, Sudão, Afeganistão, Indonésia, etc) têm – como agressores, vítimas ou ambos – pelo menos uma parte muçulmana envolvida (o país Basco é a única excepção de que me lembrei para confirmar a regra).
E daqui, de onde estou, o que vejo é o mundo não-islâmico com medo do mundo islâmico, o que não pode ser bom para nenhuma das partes (excluídos os que promovem a violência). Chocante é que mandatários de países importantes, estratégicos, com responsabilidades delicadas, quando mais não seja, por serem integrantes de organizações de força militar (NATO), usem esse medo como arma de persuasão.
Nesse contexto, o retorno do adultério ao código penal turco pode ser instrumento inútil frente às armadilhas da libido, mas serve perfeitamente de aviso aos líderes europeus (e não me refiro, evidentemente, ao comportamento marital desses senhores). Da penalização do adultério ao apedrejamento das adúlteras pode não haver mais do que um salto, dependendo das dimensões do «abalo» a que se refere o primeiro-ministro da Turquia.
Não foi o primeiro-ministro turco que criou as tensões religiosas, culturais, civilizacionais (dê-se-lhes o nome que se queira) subjacentes ao ingresso ou não da Turquia na União Europeia. O que esse senhor fez foi explicitá-las, em tom de ameaça.
Dentro de poucas semanas, previsivelmente a 6 de Outubro, a Comissão Europeia tornará público o seu relatório sobre a evolução da situação económica e política na Turquia. É teoricamente com base nessa resma de papel que os líderes europeus terão de, na cimeira de Dezembro, acabar com o «nim» com que há décadas entretêm Ancara, marcando – ou não – uma data para o início das negociações de adesão de um país que entregou o seu pedido em Bruxelas ainda antes de Portugal.
Não sei o quanto as declarações do primeiro-ministro turco vão ou não influenciar a decisão europeia. Também não pretendo saber se, afinal, para turcos e europeus (que são o que importa nisso tudo) a inclusão da Turquia na UE é boa ou má. O que sei é que, se a Turquia for rejeitada, já terei o que dizer ao primeiro-ministro turco: «bem feito».