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26 de Fevereiro de 2010 às 11:45

Corno manso e outras estórias de realismo fantástico

(Onde se propõe um verdadeiro "cluster" económico nacional mais promissor que o marítimo ("sorry", Hernani Lopes), o da produção, encenação e difusão de estórias de encantar, emanadas da realidade da vida política, económica e social, com um diáfano manto de aparente fantasia e aroma mistificador de canela.)

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Corno manso - Como se sabe, a Portugal Telecom, empresa nominalmente privada, anda em permanência nas bocas do mundo e só eventualmente pelas boas razões. Na barafunda actual de subversão da democracia e canos de sucata, comunicações, fusões e aquisições, escutas e "boys" (não confundir com "stewards"), tem surgido sob os holofotes um certo Pedro Soares, diligente homem de mão do PS, em cumulação de serviço com o cargo de administrador da referida PT. Pois o dito cidadão, como denunciou o "Sol", era também um dos tentáculos do polvo, infelizmente sem lagareiro, para dominar a comunicação social, pelo menos em parte, e agiu de forma tal que o patrão (não confundir com "chefe"), Henrique Granadeiro, se declarou encornado pelo dito.

Como isto é um país latino, tanto nas finanças públicas como nas relações interpessoais, esperava-se uma cena de sangue ou, no mínimo, de espancamento verbal, com evocações à falta de virtude da mãe. Mas não... Granadeiro, um autêntico Mandela das telecomunicações, preferiu proferir um elogio ao administrador corneante.

E assim, uma estória que podia ter degenerado em vísceras e pólvora, num toque de magia editorial, transformou-se, antes, num momento de paz, amor e fraternidade.

Da importância dos calendários e não da de se chamar Ernesto - Outra narrativa maravilhosa, também com cenário PT e com o mesmo protagonista, veio publicada nos jornais, há dias:
Granadeiro declarou que a sua comunicação ao primeiro-ministro sobre a tencionada aquisição da Media Capital pela PT tinha ocorrido em 24 de Junho pp, no dia anterior àquele em que Sócrates declarou no Parlamento que não sabia de tal barganha (e aqui já nem releva se em modo Hyde ou Jekyll, isto é, pessoal ou oficial) - rectificando, depois, a especificação do dia exacto que, então, com grande sentido de harmonia, teria sido o 25º.

Moralidade da estória: Não são apenas as garagens de automóveis que beneficiam de ter nas paredes pregado um calendário Pirelli; também os gabinetes dos conselhos de administração funcionariam melhor com esse "apport" tecnológico (e nem refiro que o de 2009 veio soberbo).

A transformação em metais na Socratolândia - Há uns anos, esse Portugal dos Pequeninos que é a PT foi objecto de uma OPA hostil por parte da Sonaecom, desse hediondo capitalista Belmiro de Azevedo (CEO, o filho Paulo) que, segundo consta, leva o desaforo ao ponto de não subsidiar as campanhas do PS.

Depois foi a habitual balbúrdia com defesa da visada, ADC, estudos e vicissitudes bolsistas, "golden shares", CGD e mandatários, comissões de trabalhadores e pequenos accionistas - isto durante cerca de um ano. Na sequência dos eventos, o mercado bolsista dava claras indicações de que a operação era considerada positiva pelo corpo dos accionistas de ambas as empresas, de tal modo era julgado actuante o efeito de sinergia. No dia em que se previu o bom termo do negócio, ambas as acções atingiram máximos, uma autêntica raridade, pois dificilmente os mercados avaliam as coisas de tal forma, pela boa razão de que, em princípio, o adquirente vai realizar tal esforço financeiro que se vulnerabiliza, pelo menos a curto prazo.

Depois... foi tudo pelas águas de bacalhau. Como me asseguraram várias pessoas, com a curiosidade de todas acreditarem no Pai Natal, o Governo nada teve a ver com o infeliz desenlace, afinal mais um "act of God" do que outra coisa qualquer.

Fazendo uma conta à Guterres, comparando as capitalizações bolsísticas nos dias de pico e de desenlace negativo, a perda foi da ordem dos 20%, isto é, uns milhares de milhões de euros. Uma brutalidade em termos de riqueza nacional, mesmo em tempos de engenhosas parcerias público-privadas e de funcionais empresas públicas.

Agora, perguntar-me-ão os inquisitivos leitores onde está o elemento mágico de demónios ou maravilhas no que antes parece um mau relatório económico? E ei-la, na sua minimidade: Na Socratolândia, não existe toque mágico de fazer oiro, antes forças lovecraftianas de destruir valor.




Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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