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07 de Março de 2003 às 10:32

Comunicação Interna: um problema?

Há uma contradição em serem as empresas que mais preocupadas estão com o problema, ao ponto de quererem medi-lo, aquelas onde ele parece atingir maiores proporções.

Por Artur Fernandes

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Na gestão há paradoxos verdadeiramente surpreendentes. Um deles tem a ver com o eterno problema da comunicação interna, ou da falta dela, de que todas as empresas se queixam, mesmo, ou principalmente, as mais saudáveis.

Depois de implementar todo o tipo de instrumentos destinados a melhorar o, segundo os colaboradores, fraco nível de comunicação interna, as queixas não baixam de tom. Isso aparece, normalmente, reflectido nos resultados dos inquéritos ao clima organizacional das empresas que se preocupam com esses indicadores.

Surge aqui a primeira pista para deslindar o paradoxo: a contradição de serem as empresas que mais preocupadas estão com o problema, ao ponto de quererem medi-lo, aquelas onde ele parece atingir maiores proporções. Ou será que nas outras organizações que não se preocupam com essas coisas, o problema também existe mas, como não é avaliado, não surge à luz do dia? Mas nessas outras organizações a falta de comunicação interna não parece ser um problema!

Este fenómeno tem-me levado a reflectir sobre as razões que possam estar por detrás dele.

Encontrei várias hipóteses de explicação. Uma das hipóteses define-se pelo facto de as pessoas terem necessidade de se queixar de alguma coisa. Como na empresa não há nada de objectivo que justifique queixas, aparece a comunicação interna como tendo as costas mais largas.

Esta teoria encontro-a provada na realidade de empresas minhas clientes, onde os trabalhadores têm condições acima da média, com excelentes políticas salariais, pacotes de benefícios aliciantes e bom ambiente. Faz-se o inquérito e lá está a famigerada queixa sobre a comunicação interna. Isto apesar dos mails, reuniões mensais, semestrais e anuais, jornal interno e «newsletters», jogos de futebol e cantina comum.

Mas esta realidade também pode levar a outra conclusão, esta mais do meu agrado. Só se queixa da falta de comunicação interna quem gosta da empresa e se sente bem nela. De facto, parece lógico que o trabalhador que não se identifica com os objectivos da organização não quer saber o que nela se passa. Por outro lado, o trabalhador envolvido, que vive a empresa como sua, tem a necessidade de saber como vai o «seu» negócio e em que medida o seu trabalho está a contribuir para o sucesso ou falta dele.

E se a empresa tiver todos os mecanismos conhecidos e testados de melhoria da comunicação e os trabalhadores continuarem a queixar-se? Não pense que é coisa rara. Neste caso, ganha relevo a teoria segundo a qual queixar-se de falta de comunicação é mania de rico. Concretizando: o ser humano nascido em Portugal tem uma necessidade enorme e irresistível de dizer mal. Quando não tem nada para dizer, inventa. Por isso em tempo de crise não surgem queixas sobre falta de comunicação. O velho Maslow sempre tinha razão. Se tiver a barriga cheia queixo-me do chefe, mas se estiver com fome, quero lá saber do chefe.

Mas em tempos de crise temos algo que satisfaz os trabalhadores, qual metadona da comunicação. Esse algo é o boato. Ele também existe nas empresas sólidas e saudáveis, por mais comunicação que se lhe aplique, porque o nascimento do boato é algo que está intimamente ligado a determinado tipo de personalidade e onde essas personalidades estiverem, haverá sempre lugar ao boato.

Mas, quando começam as dificuldades, aí o boato reina. E, a menos que, nestes momentos difíceis, se invista a sério na comunicação interna, ele pode ser um problema sério. Só que, neste caso, as empresas desvalorizam a importância da comunicação, porque ela não surge nas queixas dos trabalhadores nem nos inquéritos é reflectida como queixa. Só que a razão para essa ausência é porque os trabalhadores passam a ter outras prioridades. Concluo assim que as empresas investem em comunicação interna quando está tudo bem e ela não é um problema e desvalorizam-na nos momentos difíceis, quendo ela pode funcionar como facilitador do esforço comum e o investimento na sua melhoria é decisivo.

É, de facto, um paradoxo verdadeiramente surpreendente.

Por Artur Fernandes, Consultor

Artigo publicado no Jornal de Negócios

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