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28 de Janeiro de 2010 às 11:50

Como minar uma aliança

O ano de 2010 marca o 50º aniversário da assinatura do Tratado de Segurança entre o Japão e os Estados Unidos. No entanto, em vez de comemorar um acordo que ajudou a estabilizar o Leste Asiático durante meio século, o tratado corre hoje sérios riscos, tanto...

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O ano de 2010 marca o 50º aniversário da assinatura do Tratado de Segurança entre o Japão e os Estados Unidos. No entanto, em vez de comemorar um acordo que ajudou a estabilizar o Leste Asiático durante meio século, o tratado corre hoje sérios riscos, tanto pela indecisão como por um anti-americanismo instintivo.

Em Agosto de 2009, o povo do Japão votou a favor da "mudança". O Partido Liberal Democrata (PLD), que tinha governado o Japão durante a maioria das décadas do pós-guerra, perdeu as eleições parlamentares para o Partido Democrata do Japão (PDJ). A principal razão para a vitória do PDJ foi o facto de os eleitores estarem fartos do PLD.

Esse sentimento vinha a crescer no país há já algum tempo. Nas eleições de 2005, o Partido Liberal Democrata manteve-se no poder apenas porque o primeiro-ministro Junichiro Koizumi tinha apresentado o PLD como um agente da mudança. Mas depois de Koizumi terminar o mandato, os primeiros-ministros que se seguiram - Shinzo Abe, Yasuo Fukuda e Taro Aso - chegaram e partiram tão rapidamente que a equipa de liderança do Japão acabou por parecer um "menu do dia". Com tão pouco respeito a ser demonstrado pelos líderes do PLD, não é de surpreender que os eleitores japoneses tenham perdido a pouca paciência que lhes restava em relação ao partido e às suas práticas antiquadas.

Assim, o PDJ chegou ao poder e formou um governo de coligação com dois partidos mais pequenos, o Partido Social Democrata (PSD) e o Novo Partido do Povo (NPP). No entanto, a única razão de ser do Partido Democrata do Japão reside na sua oposição ao PLD: o PSD opôs-se durante muito tempo ao Tratado de Segurança entre o Japão e os Estados Unidos e o NPP nunca escondeu a sua aversão às privatizações da era Koizumi. Isto não constitui um programa governamental coerente e a Administração do primeiro-ministro Yukio Hatoyama rapidamente revelou o vazio de fundamentos do PDJ.

Mas o maior problema com o governo de Hatoyama é o facto de o Partido Democrata do Japão ter assumido o poder sem uma política de segurança nacional coerente. Não é de surpreender. O PDJ foi criado em 1998 como um partido "jambalaya" (NT: mistura de diversos elementos), composto por pessoas que tinham abandonado o PLD, incluindo o próprio Hatoyama e o ex-Partido Socialista.

Uma das principais promessas de campanha do PDJ foi a "mudança", que, na sua essência, significava qualquer coisa que não incluísse o PLD. Mas uma oposição ao PLD deveria realmente significar desfazer 50 anos de trabalho em matéria de segurança nacional? Se bem que agora pareça ser esse o caso, o PDJ apenas consagrou algumas linhas à segurança nacional do seu programa eleitoral, evitando assim disputas internas entre os seus partidários de esquerda, que estão contra o Tratado de Segurança entre o Japão e os Estados Unidos, e a ala da direita, que apoia esse mesmo tratado.

Vários membros do Executivo de Hatoyama são tão "anti-Japão" como anti-Estados Unidos. A título de exemplo, Yoshito Sengoku, ministro de Estado para a Revitalização do Governo, foi membro do Shaseidou, um grupo de esquerda que é maquinalmente anti-americano, tal como Hirotaka Akamatsu, ministro da Agricultura, das Florestas e das Pescas. Consequentemente, a Administração Hatoyama parece estar a tentar copiar a antiga Administração sul-coreana de Roh Moo-hyun, que tratou insensatamente de distanciar o país do seu principal parceiro defensivo, os Estados Unidos. Com efeito, muitos membros do gabinete do PDJ são "baby boomers" (geração nascida logo após a Segunda Guerra Mundial) influenciados pelos grupos radicais estudantis que se opuseram ao Tratado de Segurança entre o Japão e os Estados Unidos há 50 anos.

No entanto, como estes quase-radicais brincam à política com a segurança nacional do Japão, estão a crescer sérias tensões na região. A China continua a reforçar as suas forças armadas e a Coreia do Norte continua obstinada no desenvolvimento de armas nucleares, recusando solucionar ou sequer explicar o sequestro de dezenas de cidadãos japoneses ao longo dos anos. Em vez de lidar com estas ameaças concretas que se colocam ao Japão, Hatoyama continua a agir como um político da oposição, atacando o PLD e minando uma das mais orgulhosas conquistas da governação PLD, que é a profunda e sólida aliança com os Estados Unidos.

É evidente que vão haver desacordos no relacionamento entre o Japão e os Estados Unidos. É necessário que haja um realinhamento das forças militares norte-americanas no Japão, com prioridade, nomeadamente, à transferência da base da marinha dos EUA de Futenma. Situada em Okinawa, esta base acolhe metade dos 47.000 soldados norte-americanos estacionados no Japão. Não faz sentido ter uma base localizada no meio de uma cidade densamente povoada, tornando-a um dos mais visíveis e tentadores alvos do mundo.

Contudo, a Administração Hatoyama está a tentar inverter o projecto em curso, que a Administração PLD e os Estados Unidos acordaram depois de longas e acesas discussões. O problema é que Hatoyama, ao distanciar-se do plano acordado, não tem qualquer alternativa viável a oferecer. Num dia, Hatoyama sugere que se transfira a base para fora do Japão, talvez para Guam, e no dia seguinte sugere apenas que saia de Okinawa, dando ao mundo inteiro a impressão de que não conta com uma estratégia definida para a segurança nacional.

Em Novembro de 2009, quando o presidente norte-americano, Barack Obama, visitou o Japão, Hatoyama pronunciou as palavras "confie em mim", numa tentativa de solucionar o assunto. No dia seguinte, disse coisas que contradiziam completamente o que tinha acabado de dizer a Obama - deixando perplexos o governo norte-americano e a população japonesa. Desde então, a taxa de aprovação da sua Administração caiu de 80% para 50%. As pessoas estão a perceber que Hatoyama é incapaz de tomar uma decisão - e mantê-la.

Não há dúvida que encontrar uma localização alternativa para a base norte-americana é algo extremamente difícil, uma vez que os japoneses, como qualquer outro povo, tendem a não desejar que este tipo de instalações estejam nas cercanias dos lugares onde vivem. A única opção realista é transferir a base para o distrito de Henoko, na zona Norte de Okinawa, que tem uma baixa densidade populacional - uma solução acordada por ambos os governos. No entanto, Hatoyama vacila, minando o mais importante pilar de paz e segurança existente no Pacífico: a aliança entre o Japão e os Estados Unidos. Esta não é uma situação favorável para o Japão, para os Estados Unidos, ou, na verdade, para o mundo inteiro.


Yuriko Koike foi ministra da Defesa e conselheira de segurança nacional do Japão, sendo actualmente um membro da oposição na Dieta (parlamento japonês).


© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro

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