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06 de Agosto de 2010 às 12:59

Como a desigualdade impulsionou a crise

Antes da recente crise financeira, os políticos norte-americanos de ambos os lados incentivaram a Fannie Mae e Freddie Mac

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Antes da recente crise financeira, os políticos norte-americanos de ambos os lados incentivaram a Fannie Mae e Freddie Mac, os gigantescos organismos hipotecários, a darem empréstimos às pessoas de mais baixos rendimentos das suas secções eleitorais. Na base desta nova paixão em dar casas aos mais pobres existia uma preocupação mais grave: a crescente desigualdade dos rendimentos.

Desde os anos 70, os salários dos trabalhadores no percentil 90 da distribuição salarial nos Estados Unidos – tal como gestores de escritório – têm crescido muito mais rapidamente do que os salários de um trabalhador médio (no percentil 50), tal como os trabalhadores industriais e os assistentes de administração. Vários factores explicam esta diferença.


Talvez o mais importante é que o progresso tecnológico nos Estados Unidos exigiu que a força de trabalho fosse cada vez mais capacitada. Há 40 anos, um diploma da escola secundária era suficiente para um trabalhador administrativo. Actualmente, um grau universitário é apenas suficiente. Mas o sistema de educação não tem sido capaz de fornecer a educação necessária a uma parte suficiente da força de trabalho. As razões vão desde a falta de qualidade da nutrição, socialização e aprendizagem na primeira idade a escolas primárias e secundárias disfuncionais que deixam demasiados americanos sem preparação para a universidade.

As consequências na vida quotidiana da classe média são um rendimento estagnado e uma crescente instabilidade laboral. Os políticos percebem os problemas dos seus eleitores mas é difícil melhorar a qualidade da educação. Fazê-lo, exige mudanças políticas reais e efectivas numa área onde existem demasiados interesses que preferem manter o status quo.


Além disso, qualquer alteração iria demorar anos a ter efeitos, o que não diminuiria as actuais preocupações do eleitorado. Assim, os políticos escolheram outros meios mais rápidos de tranquilizar os seus eleitores. Há muito tempo que percebemos que o importante não é o rendimento mas sim o consumo. Um político inteligente ou cínico daria conta de que, se de alguma forma conseguisse manter o consumo das famílias de classe média – se estas pudessem comprar um carro novo de vez em quando ou ir de férias para locais exóticos – estas não iriam prestar tanta atenção aos seus rendimentos estagnados.

Assim, a resposta política à crescente desigualdade – quer seja cuidadosamente planeada ou a via de menor resistência – foi expandir os créditos às famílias, em especial, às famílias de baixos rendimentos. Os benefícios – o aumento do consumo e dos postos de trabalho – foram imediatos, já que os custos desta medida podiam ser adiados para o futuro. Por mais cínico que possa parecer, o crédito fácil tem sido usado como paliativo pelos governos que não são capazes de resolver as preocupações mais profundas da classe média.

Os políticos, no entanto, preferem expressar os objectivos em termos mais animadores e persuasivos do que o simples aumento do consumo. Nos Estados Unidos, a expansão da compra de casas – um elemento chave do sonho americano – às famílias de baixo e médio rendimento foi a justificação para expandir o crédito e o consumo.

Porque é que os Estados Unidos não seguiram um caminho mais directo na redistribuição, impostos ou endividamento e gastos da classe média ansiosa? A Grécia, por exemplo, meteu-se em problemas precisamente por fazer isto. Empregou milhares de pessoas no governo e pagou-lhes salários excessivos, mesmo quando isso levou a dívida pública para níveis astronómicos.


Ainda assim, nos Estados Unidos tem havido recentemente uma reunião de forças políticas contra a redistribuição directa. Os créditos hipotecários directos foram uma política com amplo apoio porque ambos os lados pensaram que iriam beneficiar.

A esquerda apoiava os fluxos para o seu eleitorado natural, enquanto a direita via com bons olhos novos proprietários, que podiam, talvez, ser convencidos a mudar de partido. A política de dar mais crédito às famílias de baixo rendimento foi dos poucos pontos em comum entre a administração de Bill Clinton, com o seu mandato de casas acessíveis, e a administração George W. Bush, que queria fomentar uma sociedade “proprietária”.


No final, este esforço equivocado de aumentar a propriedade de habitações através do crédito deixou os Estados Unidos com casas que ninguém consegue comprar e famílias excessivamente endividadas. Ironicamente, desde 2004, a taxa de propriedade de habitações tem vindo a cair.
O problema, como acontece muitas vezes com as políticas públicas, não foi intencional. Raramente é. Mas quando uma grande quantidade de dinheiro fácil proveniente de um governo com muitos recursos entra em contacto com as motivações de lucro de um sector financeiro sofisticado, competitivo e amoral, as coisas afastam-se bastante das intenções do governo.


Como é óbvio, não foi a primeira vez, nem será a última, em que a expansão do crédito foi usada para diminuir as preocupações de um grupo que está a ficar para trás. Na verdade, nem precisamos de sair dos Estados Unidos para encontrar exemplos. A desregulação e a rápida expansão do sistema bancário norte-americano nos primeiros anos do século XX foi, de muitas formas, uma resposta ao movimento Populista, apoiado por pequenos e médios agricultores que estavam a perder importância face a número crescente de trabalhadores industriais e que exigiam créditos mais flexíveis. O excessivo endividamento rural foi uma causa importante dos colapsos bancários durante a Grande Depressão.

Isto tem uma implicação mais ampla: precisamos de olhar além dos banqueiros gananciosos e dos débeis reguladores (e houve muito dos dois) para procurar as causas desta crise. E os problemas não se resolvem com uma lei de regulação financeira que conceda mais poderes a esses reguladores. A América precisa de combater as causas da desigualdade e dar a mais norte-americanos a capacidade de competir no mercado global. Isto é muito mais difícil do que dar créditos mas muito mais eficaz no longo prazo.


Raghuram Rajan é professor de Finanças no Booth School em Chicago e autor de “Fault Lines: How Hidden Fractures still Threaten the World Economy”.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org

For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/rajan7.mp3




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