Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
01 de Setembro de 2010 às 12:00

A armadilha da segurança

À medida que o mundo se torna mais integrado, a palavra “segurança” floresce uma e outra vez, como em “segurança alimentar” ou em “segurança energética”.

  • ...
De forma geral, isto significa que um país cria e controla as instalações de produção, sem dar atenção aos custos. Por isso, os países árabes produzem cereais que necessitam de água no deserto e a China compra parte de empresas de petróleo no Sudão. São estas acções economicamente sensíveis? Se não o são, o que deve o mundo fazer para reduzir a necessidade de se as realizar?

Comecemos pela propriedade de recursos estrangeiros. Podem pensar que um país que detém petróleo vindo de outra nação pode usar os lucros obtidos com as vendas para isolar a sua economia dos altos preços do petróleo que se sentem pelo mundo. Mas isso não faz sentido económico. Os preços do mercado mundial são estipulados de acordo com o custo de oportunidade. Em vez de subsidiar o preço no mercado interno de petróleo (e, portanto, dando incentivo aos industriais e aos consumidores para utilizarem bastante desta matéria-prima), faz mais sentido permitir que o preço nacional acompanhe o preço internacional e distribuir pela população os lucros resultantes dos activos nas petrolíferas estrangeiras.

O ponto crucial é que as decisões económicas fundamentais não devem ser afectadas pela posse de activos em petróleo estrangeiro. Mas, devido à pressão política exercida por pequenos mas poderosos grupos de interesses, os lucros irão inevitavelmente ser gastos no sector doméstico em subsídios imprudentes. Em resultado disso, o país comprador vai tomar decisões económicas que estão longe de ser óptimas.

E a compra de recursos estrangeiros pode levar a uma estabilidade da receita nacional? Uma compra vai ser sempre benéfica se quem estiver a comprar se centrar no período posterior ao aumento do preço do recurso. Mas se o preço do petróleo cai, os cidadãos sofrem uma perda de receitas e de riqueza (relativamente ao dinheiro que investiram noutros recursos). Assumindo que os activos petrolíferos estrangeiros são tarifados de maneira justa no momento de os adquirir, o país beneficia apenas quando a compra ajudar a estabilizar a receita. Contudo, as compras podem aumentar a receita de uma forma volátil, mesmo num país que dependa imenso do petróleo.

Por exemplo, em grandes países como os Estados Unidos da América e a China, que contam para uma significativa parte da procura global, é provável que o preço mundial do petróleo seja elevado quando o país cresce com força e os cidadãos têm altos salários, sendo provável uma baixa no preço quando o país está numa má situação económica. Os activos no petróleo estrangeiro são uma má forma de cobertura nestes casos, pois diminuem os salários dos cidadãos quando eles já são reduzidos ou fazem-nos crescer quando já são altos.

Ainda que possuir activos de petróleo seja uma cobertura útil (como num país de pequeno consumo de petróleo), não é claro que adquirir participações em companhias sombrias em nações estrangeiras seja a melhor estratégia. É provável que os direitos de propriedade de um país nos activos petrolíferos para lá das suas fronteiras caiam quando o preço do crude aumenta. Mesmo que a empresa estrangeira não comece a oprimir os accionistas minoritários, o Governo terá a tentação de expropriar os proprietários estrangeiros através de impostos excepcionais (se o Governo for sofisticado) ou da nacionalização (se não o for), especialmente se os eleitores sentirem, com a vantagem de uma visão em retrospectiva e sob um estímulo populista, que os activos foram vendidos por um preço muito barato, inferior ao seu valor.

Mas talvez aquilo que os países mais temam não sejam os preços altos mas o colapso total do mercado e o declínio para um mundo “Mad Max” onde o petróleo é escasso, onde nenhum país está disposto a autorizar negócios com o crude que produz e onde não há compensação de preço no mercado internacional. Se tal situação vier a acontecer, a propriedade de activos de petróleo no estrangeiro ficará, provavelmente, sem valor, já que cada país vai apenas usar o petróleo produzido dentro das fronteiras políticas (ou em áreas fronteiriças que podem ser invadidas).

É neste mundo que um comportamento que aparentemente não tem sentido como colocar cereais no deserto para garantir segurança alimentar começa a fazer sentido. É preciso explorar alternativas, incluindo um uso mais eficiente, diversificar para mais facilmente se encontrarem substitutos acessíveis e reduzir o consumo global (embora em todos estes casos, é mais fácil lidar com a escassez de energia do que com a escassez de comida).

Além do mais, mesmo num mundo sem vida, é difícil imaginar o colapso total ou duradouro do mercado. Na realidade, é possível imaginar os envolvidos no mercado negro e os contrabandistas a comprar nos locais onde há cereais e transportá-los para os países onde não existem. A não ser que os governos construam barreiras à prova de fugas em torno dos seus países (e os custos seriam, claro, excessivos), um mercado mundial implícito seria restabelecido.

Contudo, compreensivelmente, muitos países tomam decisões para instalar a produção localmente e protegê-la contra o comércio, temendo o colapso do mercado por causa da guerra, de sanções comerciais ou simplesmente de decisões sem visão de governos estrangeiros para protegerem as suas próprias populações do aumento dos preços. Um paradoxo é o facto de, uma vez garantida a segurança da nação, ela tem menos incentivos para evitar um colapso do mercado, aquilo que tinha levado inicialmente à procura da própria segurança.

Um acordo internacional para assegurar que os países não impedem as exportações, especialmente de mercadorias essenciais, excepto sob circunstâncias nacionais adversas severas (e verificáveis), iria ajudar a reduzir o receio de uma ruína do mercado. Da mesma forma, a criação de reservas de recursos estratégicos mundiais em territórios neutrais ou sob administração neutra pode facilitar o alívio das preocupações sobre as perturbações causadas por motivações políticas.

Infelizmente, tudo isto exige consensos políticos, cooperação e boa vontade em níveis substanciais por todo o mundo: tudo aquilo que está em falta nos dias de hoje. Até que encontremos o nosso destino comum, a condução da segurança económica nacional irá continuar a levar à insegurança colectiva.


Raghuram Rajan, antigo director económico do FMI, é professor de Finanças na Universidade de Chicago e é o autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy".

Copyright: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org

For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/rajan8.mp3






Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio