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20 de Setembro de 2010 às 11:34

Como vender o reequilíbrio global

No seu mais recente encontro em Toronto, na passada Primavera, os membros do G-20 concordaram em discordar.

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Mesmo com a economia mundial a precisar desesperadamente de um reequilíbrio, a sua declaração foi deliberada e suficientemente vaga para aceitar qualquer conjunto de políticas internas que os países pudessem adoptar. Todos saíram da reunião a pensar que tinham ganho, mas o mundo, em larga medida, é que perdeu.

O comércio global está altamente desequilibrado. As famílias norte-americanas gastaram demasiado e estão agora sobrecarregadas pela dívida. Os exportadores na Europa e na Ásia tornaram-se excessivamente dependentes da venda dos seus produtos para os EUA e para outras economias que se encontram fragilizadas, como a Espanha e o Reino Unido. Várias acções sem perspectiva de futuro em ambos os lados ajudaram a fortalecer este padrão de comportamento a longo prazo que apenas torna ainda mais difícil o afastamento face ao insustentável equilíbrio de hoje em dia.

Como sempre, a mudança perturba o aconchegante "status quo" e os interesses que dele beneficiam. Por exemplo, o grupo de pressão do sector imobiliário nos EUA não deseja, obviamente, que o apoio governamental à habitação diminua, mesmo apesar do facto de o país ter provavelmente um parque habitacional maior do que aquele a que se pode permitir. De igual forma, o grupo de pressão do sector da exportação na China não quer um renminbi forte, mesmo que até seja um interesse a longo prazo da nação deixar que a sua divisa aprecie.

Continuamos à espera que, de algum modo, os encontros entre os chefes de Estado produzam, por magia, as políticas que vão reequilibrar o comércio mundial. Infelizmente, as mudanças macroeconómicas que os países necessitam envolvem acções que nem eles são capazes de executar.

Nenhum presidente norte-americano pode decidir, unilateralmente, alterar o padrão de apoios e despesas governamentais: isso é uma decisão do Congresso. Igualmente, nenhum presidente chinês pode decidir, unilateralmente, autorizar que o renminbi valorize mais depressa: isso é conseguido com uma determinação alcançada pelo consenso conjunto entre os vários membros do Conselho de Estado e do Partido Comunista. Além do mais, as reformas necessárias tanto nos EUA como na China não são satisfeitas por estes dois passos. Elas exigem mudanças profundas e fundamentais.

Somos, assim, apanhados entre um padrão de procura mundial financeiramente insustentável e a necessidade de mudanças difíceis nas políticas internas de muitos países. Toda a política é local, não havendo nenhum círculo eleitoral a esse nível para definir a economia global, o que faz com que aquilo que se acaba por impor agrave ainda mais, por vezes, o desequilíbrio internacional.

O G-20 pediu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para preparar um plano das políticas que os países terão de seguir para restaurar um crescimento internacional estável. Mas nem o G-20 nem o FMI podem impor as suas vontades aos governos nacionais (e nem o devem fazer). Então, como é que podemos ir mais além dos encontros rituais que pouco fazem para impor a agenda global?

Obviamente, precisamos de mais ajuda política para essa imposição. Talvez as organizações não governamentais (ONG), como a Oxfam e a Mothers against Land Mines ("Mães contra Minas Terrestres", em tradução literal), possam sugerir um caminho. Estes movimentos usam a pressão vinda das bases para convencer os líderes políticos de que há apoio interno para um acordo internacional.

A capacidade das movimentações populares de influenciarem a política deverá crescer. À medida que se dissemina o poder da Internet pelos "sites" de redes sociais e políticas, tal como com o crescimento da "democracia virtual", é provável que aumente a influência vinda da base para o topo. Aqueles que querem influenciar os líderes políticos têm de se habituar a convencer os seus mestres, ou seja, as pessoas, de forma directa.

Infelizmente, é difícil para as ONG existentes assumirem a causa de popularizar a coordenação da política económica global. Ao contrário da fome ou das minas terrestres, a causa consiste na rectificação do desequilíbrio do comércio internacional e isso não irá tocar no público de uma forma tão significativa que possa atrair as doações que são necessárias para as ONG se manterem em funcionamento.

Mas há uma organização que pode fazer esse trabalho: o FMI. Se ele reorientar uma parte substancial das suas actividades com o objectivo de influenciar quem exerce influência entre a população mundial, pode ter muito mais impacto na política macroeconómica de todo o globo do que aquele que tem hoje em dia, especialmente sobre as políticas que são seguidas nos países que não precisam dos seus empréstimos.

Actualmente, o FMI não está equipado para responder a esta tarefa. Se o caminho for melhorar as suas capacidades persuasivas, a organização terá de aprender a aproximar-se do estilo dos activistas populares, com um diálogo incisivo, recomendações políticas claras e argumentos adaptados aos debates televisivos. O Fundo precisa de se dirigir directamente à população de cada país, incluindo partidos políticos, organizações não governamentais e figuras influentes, e explicar a sua posição. O Fundo necessita ainda de fazer mais para marcar uma presença na Web e nas salas de aula das escolas e das universidades, nomeadamente tendo em conta que os estudantes são, por vezes, os mais receptivos à ideia de uma cidadania global.

Acima de tudo, o Fundo tem de alterar a forma como é visto a partir do exterior. Ele precisa de ser percebido como uma instituição que respeita a soberania de cada país mas que trabalha para o bem de todos. É essencial que desenvolva um processo transparente e justo para chegar às suas recomendações políticas, baseando-se principalmente em pesquisas económicas e em análises de dados convincentes. Os países terão de concordar em aceitar e em facilitar o envolvimento directo do FMI com os seus cidadãos mais influentes, desde que tal seja feito de boa fé. A expressão das perspectivas económicas do FMI para as populações locais deve, portanto, estar protegida por um acordo internacional, como estão as embaixadas e as suas actividades.

Se conseguirmos realizar estas mudanças (e não devemos minimizar a escala de tal tarefa), será provável que os líderes do G-20, quando se encontrarem no futuro, não pensem que os cidadãos não se preocupam com o resultado das reuniões. Em vez disso, eles vão exercer um mandato político em que prestam uma atenção significativa à saúde da economia global.


Copyright: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução de Diogo Cavaleiro





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