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27 de Fevereiro de 2008 às 13:59

Com Pessoa (s)

No último Natal recebi como oferta de um familiar “Organizem-se! – A Gestão segundo Fernando Pessoa”, Edição da Oficina do Livro, 2007. Confesso que depois de comentar a actualidade do tema (pensando nas geracionais dificuldades dos portugueses em se orga

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Entretanto, por razões de ofício, acompanhei a realização, em Janeiro passado, de mais uma BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa, onde as Escolas de Ensino Superior ligadas ao sector promoveram, a cada vez mais premente, requalificação dos respectivos recursos humanos, com divulgação de diversificadas e interessantes propostas de formação quer ao nível dos primeiros (licenciaturas) e segundo ciclos (mestrados) de estudos, quer num âmbito de especialização profissionalizante.

Claro está que o consenso é total sobre a importância desta requalificação quando se atenta no Barómetro da Organização Mundial do Turismo (OMT) e se verifica que Portugal tem, entre os três primeiros países europeus, o maior aumento de turistas registado – subiu 10% – e 2007 foi o melhor ano, com mais de 12 milhões de visitantes.

Tanto mais quanto é conhecida a tradicional fragilidade de competências gestionárias no sector do turismo!
E, ainda no rescaldo destas reflexões, dei comigo sentado, na plateia do Teatro Nacional D. Maria II, a assistir à peça “Turismo Infinito”, de António M. Feijó, a partir de textos de Fernando Pessoa e de três cartas de Ofélia Queiroz, com encenação de Ricardo Pais.

Com Pessoa, estive nos textos que o são dele, mas também do seu heterónimo Álvaro de Campos de quem diz o poeta “pus? toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida” (carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de Janeiro de 1935 – in “Correspondência, 1923-1935”, edição Manuela Parreira da Silva, Lisboa Assírio e Alvim, 1999) ou do semi – heterónimo Bernardo Soares, aqui o guarda-livros, “do meu quarto andar sobre o infinito, no plausível íntimo da tarde que acontece, à janella para o começo das estrellas, meus sonhos vão por accordo de rytmo com distancia exposta para as viagens aos paizes incógnitos, ou suppostos ou somente impossíveis (“Livro do Desassossego” por Bernardo Soares, com recolha e transcrição de textos por Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral da Cunha e prefácio e organização de Jacinto Prado Coelho, Edição Ática, 1982).

A Pessoa voltei e à situação actual das nossas empresas e ao contexto económico e social em que desenvolvem a sua actividade.

Voltei ao reduzido grau de inovação organizacional das empresas, na citação de “organizar é, essencialmente, um fenómeno intelectual. Há muitos casos que se executam por palpite, imensos que se fazem empiricamente, pelo hábito e a experiência. Mas a organização estável, ou seja a organização propriamente dita, é um trabalho de inteligência” (do texto “organizar”, a páginas 69, do referido livro “Organizem – se! – A Gestão segundo Fernando Pessoa”).

De evidência absurda (?), o registo é lembrete para os mais desatentos?

É, com este enquadramento, que trago a esta crónica outras reflexões, estas a propósito da discussão sobre o Livro Branco das Relações Laborais.

Curiosamente entendo que, independentemente das soluções casuísticas que estão ou vão sendo encontradas pela apresentação pública ou pela discussão alargada aos parceiros sociais, se perdeu a oportunidade de analisar mais profunda e ambiciosamente os futuros cenários do Direito do Trabalho, com base na sua origem histórica e na relação que tem com a “actual economia”.

Olhando o país que retrato dele temos?

Um país com uma fraca competitividade da sua economia e das suas empresas.

Certo é que nem todas as razões para esta situação se devem apontar ao Direito do Trabalho e ao estado das relações de trabalho; não nos esquecemos dos baixos níveis de qualificação dos portugueses, do reduzido investimento em inovação tecnológica, dos ainda existentes constrangimentos, de natureza burocrática ou as competências (ou a falta delas) quando se trata da gestão das empresas.

Como também não é mais possível deixar de ter em conta que do retrato português, na recuperação da consulta ao Livro Verde sobre as Relações Laborais, Edição do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social; Abril de 2006, consta:

– A produtividade, por hora trabalhada, passou de 57,2% da média da UE 15, em 1995, para 63,0%, em 2000, e voltou a descer para 57,7%, em 2003, último ano em que se dispunha de informação;

– O número médio de horas normais acordadas colectivamente era, em 2004, ligeiramente inferior à média da UE 25, o que nos coloca com uma duração anual efectiva de tempo de trabalho claramente inferior à da média comunitária;

– Em comparação com os outros Estados-membros da EU, para os quais existem indicadores disponíveis, os salários praticados são baixos e estão associados a elevados níveis de pobreza e de desigualdades na distribuição de rendimento;

– O grau de rigor global da legislação de protecção de emprego, de acordo com a OCDE, é o mais elevado da UE 15, se se relevar predominantemente a dificuldade em despedir trabalhadores, com contrato sem termo.

A discussão do futuro das relações laborais passa por analisar o modo de verter para a legislação conceitos trabalhados e conhecidos de todos como flexibilidade, adaptabilidade e flexigurança.

Flexibilidade, na perspectiva da cessação mais ou menos imediata do contrato de trabalho e adaptabilidade como capacidade de transformação em reacção às alterações impostas pelo desenvolvimento económico e tecnológico.

Acolhemos o esforço de conceptualização de flexigurança proposto por Wilthagen t. et al. (2003) “Towards ‘flexicurity’?: balancing flexibility and security in EU members states. 13th. Wordl Congress of the IIRA”, Berlim, na tradução recolhida no aludido Livro Verde: “uma estratégia política que tenta, sincrónica e deliberadamente, por um lado, aumentar a flexibilidade dos mercados de trabalho, da organização do trabalho e das relações de trabalho e, por outro lado, aumentar quer a segurança de emprego, quer a segurança social, especialmente para os grupos fracos dentro e fora dos mercados”.

Criticada por motivos opostos por patrões e sindicatos, para uns pouco para outros muito, quando se trata de operacionalizar num contexto, com características próprias e dificuldades específicas, os ensinamentos das experiências estrangeiras, a mal amada flexigurança pode ser o “fecho de porta” ao “liberal” (dos patrões) e ao “conservador” (dos sindicatos) entendimento do tudo alterar ou do tudo manter.

E, esta ambição de reestruturar, expurgando o acessório, mas resguardando o essencial, sai defraudada, na análise do Livro Branco sobre as Relações de Trabalho.

Pela análise das propostas contidas no referido Livro Branco, surpreendemos, entretanto, sensibilidades sociais e empresariais.

Escolhendo demonstrações dessas sensibilidades, aqui e acolá, na verificação que a reforma se faz com as pessoas, colectivas e individuais, empresas e trabalhadores: preconiza-se a revogação da norma que permite o alargamento da vigência do contrato a termo dos três até aos seis anos, combatendo a precariedade do emprego, mas entende-se aceitar (com o receio de quem ainda rejeita o “banco de horas” e a correspondente conta-corrente de tempo) os horários concentrados porque se compreende o espartilho actual no que respeita à falta de adaptabilidade da organização do tempo de trabalho.

E a reforma torna-se a fazer com as pessoas quando resiste ao ímpeto do “nada se salva” exigido pelas confederações patronais que reclamam, por exemplo, o despedimento, sem mais, por alegada quebra de confiança do (no) trabalhador.

Ou no caso em que distingue a obrigatoriedade da reintegração do trabalhador ilicitamente despedido por razões substantivas, afastando idêntico procedimento quando apenas se trate de declaração ilícita de despedimento, por vícios meramente formais.

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