Opinião
A oportunidade do sacristão inglês
Li, um destes dias, numa crónica escrita num jornal de fim-de-semana, uma "história" que me lembro de ouvir ao meu avô e que me habituei repetir, ao tempo ainda criança, por sua insistência, sem preocupação de perceber o sentido que encerrava. Só mais tar
O importante é saber apostar, arriscar e ganhar os desafios que essas crises nos colocam.
Apenas me recordo que o meu avô sublinhava a ideia, para ele fundamental, de "saber agarrar a oportunidade".
A "história" conta-se de modo simples.
No tempo do Rei, da Grã-Bretanha e Irlanda, Jorge V (1910-1936) passou a ser obrigatório que todo o sacristão soubesse ler e escrever.
O protagonista da nossa "história", o sacristão Smith, não estava nessas condições e foi dispensado.
Aborrecido com a vida e de regresso a casa apeteceu-lhe fumar e apercebeu-se que naquela vila não havia lugar onde, àquela hora, pudesse comprar tabaco.
Rapidamente "abriu" uma tabacaria na vila.
Noutras vilas e cidades do reino foram sendo "abertas" sucessivas tabacarias.
Sempre com grande êxito empresarial.
De tal modo que o seu conseguido empreendedorismo veio a ser reconhecido pelo Rei Jorge V que no discurso de homenagem fez questão em referir que se tal tinha sido possível mesmo não sabendo, o nosso Smith, ler e escrever o que teria acontecido se o soubesse. Ao que este respondeu: seria sacristão do reino.
Hoje, entendo como era importante a lição que me queria transmitir o meu avô.
Continua a ser determinante a atitude perante a adversidade, a busca de soluções e naturalmente o espírito de , atento "à vida e às coisas desta", encontrar forma de não deixar escapar as verdadeiras oportunidades de negócio.
E o nosso Smith percebera isso.
Talvez não se tivesse apercebido que mais cedo ou mais tarde o seu espírito de empreendedor prevaleceria e provavelmente, sabendo ou não escrever, agarraria outras oportunidades que o afastariam da respeitada mas pouco ambiciosa função de sacristão.
A ser assim, saber ler e escrever não lhe teria comprometido a vocação empresarial, antes lhe teria proporcionado, ainda melhores condições de sucesso.
Vem tudo isto a propósito da campanha "Se não tivesse estudado não teria chegado onde estou" em que figuras, que conhecemos dos media, dos mundos da moda, espectáculo e desporto valorizam o processo de aprendizagem e estimulam a procura de formação profissionalizante.
Tenho, igualmente, lido que esta campanha é "cínica e hipócrita". É a tese dos cronistas que defendem que "saber ler e escrever" não é sinal de coisa alguma e para comprová-la apresentam o número de licenciados desempregados.
Acresce que também lhes parece, a esses cronistas que, na medida em que sempre é preciso afectar pessoas a funções menos qualificadas, mas dignas, é hipocrisia e cinismo incentivar à qualificação de todos porque, apesar de baterem à porta da Cidadela, nela não terão direito a entrar, reservada que continuará a estar, apenas, aos eleitos, cada vez mais qualificados e competitivos.
E, nisto está o "embuste"!
A tudo isto bastará argumentar que, independentemente de outras razões (e mais existem, como por exemplo a valorização estritamente pessoal do cidadão livre e esclarecido) uma ocorre que se entende decisiva: será sempre mais fácil, com formação qualificada encontrar emprego qualificado.
Ou, dito de maneira diferente. É preferível ser desempregado licenciado que desempregado não licenciado.
A tal oportunidade, acredito, aparecerá mais cedo para o desempregado qualificado do que para o outro.
Consultei o sítio das Novas Oportunidades e verifiquei que a mensagem "oficial" sobre o assunto se intitula "A Ambição".
A ambição de qualificar 1000000 de activos até 2010.
De dar um forte e decisivo impulso à qualificação dos portugueses, na letra da referida mensagem, com base em programas dirigidos aos jovens e adultos e com o objectivo de lhes proporcionar a possibilidade de concluírem o ensino secundário, considerado patamar habilitacional mínimo, com vista á integração na economia do conhecimento.
Ninguém, como é bom de ver, "atirará qualquer pedra" à justeza destes propósitos.
Todos temos o direito de exigir que os mesmos não sejam comprometidos pela inconsistência e ineficácia do Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. Ou que se cumpram, com exigência e rigor, os parâmetros de certificação de competências em contextos não formais e que as ofertas complementares de formação sejam efectivamente capazes de voltar a enquadrar estas pessoas no mercado de emprego.
Importa, por outro lado, conscientes das consequências, sem receios excessivos mas com a ponderação devida, transportar as questões da creditação de competências para o contexto do prosseguimento de estudos/ obtenção de grau académico, no âmbito do ensino superior.
Esta matéria está prevista no artº 45º do Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março que permite aos estabelecimentos de ensino superior " reconhecer? a experiência profissional e a formação pós-secundária" ( alínea c) do nº 1 ).
Este reconhecimento, com correspondente atribuição de créditos, de competências adquiridas ao longo da vida através de modelos informais de aprendizagem é uma "revolução" imposta a todos nós e às nossas convicções sobre a "escola" e a "escola da vida".
Do mesmo modo, que se reclama seriedade e exigência para o RVCC, também agora é absolutamente indispensável, por forma a não comprometer definitivamente este novo reconhecimento, que acima de qualquer suspeita científica e pelas mãos de especialistas reputados se estruturem certificações consistentes, aceites quer pela comunidade académica quer pelo mundo empresarial, que mais tarde integrará essas pessoas nas suas empresas.
A não ser assim, nem mesmo para as estatísticas estaremos a trabalhar e acrescentaremos uma enorme frustração aos directamente envolvidos e também aos que empenhadamente entendem a qualificação dos recursos humanos portugueses como condição do incremento da produtividade das empresas.
Contas de outro rosário, para esta abordagem da qualificação de recursos, são as que respeitam à previsão legal sobre formação profissional, estabelecida no Código do Trabalho e respectiva regulamentação. E, à sua efectiva execução.
A estas contas se justifica voltar, em próximo tempo de balanço, sobre as partilhadas responsabilidades – Estado, empresas e trabalhadores – no acesso à melhor formação profissional enquanto instrumento de competitividade das empresas.