Opinião
CMVM: menos valia
Se a CMVM não foi permeável a pressões, o mínimo que se pode dizer é que decidiu pegar na sua credibilidade, lança-la na fogueira e morrer queimada nas suas próprias e inacreditáveis contradições.
Se a CMVM não foi permeável a pressões, o mínimo que se pode dizer é que decidiu pegar na sua credibilidade, lança-la na fogueira e morrer queimada nas suas próprias e inacreditáveis contradições.
Ainda esta segunda-feira, um dos economistas mais respeitáveis deste país e um homem com uma seriedade à prova de bala, lamentava-se: "no nosso país é difícil uma entidade supervisora ser forte; os supervisionados têm muitas vezes mais força do que ela".
Silva Lopes, ao falar daquilo que designa de "captura do regulador pelo regulado", está a cometer uma enorme injustiça. Por exemplo, com a CMVM.
Porque não é verdade. O regulador do nosso mercado de capitais não se deixa "capturar" com essa facilidade. É uma infâmia afirmar isso. E até é intolerável admitir que isso possa acontecer com qualquer empresa cotada. É só com algumas. E não é sempre.
Lembra-se, certamente, do destaque que este jornal deu à atitude exemplar da CMVM, em pleno Agosto, por causa de um problema de provisões nas contas da Brisa?
E, se não se lembra, é preciso recordar agora a isenção e firmeza dos bravos administradores da CMVM, que correram o risco de desafiar a família Mello, obrigando-os a divulgar uma comunicação inédita ao mercado.
Porque a Brisa registara nas suas contas de 2002 a sua participação na EDP, através de uma método de avaliação que calculava a cotação média da eléctrica ao longo do ano. Quando a CMVM entendia, e bem!, que a provisão da menos-valia potencial devia ser realizada em função da cotação à data de 31 de Dezembro.
Pois a CMVM pôs a Brisa na ordem, a Brisa adoptou o método correcto daí para a frente e, por acaso, a Brisa até beneficiou com isso, por entretanto a EDP começou a recuperar algum terreno perdido em bolsa.
Embalada pelo sucesso dessa investida, e provavelmente por editoriais favoráveis, incluindo deste jornal, a CMVM virou-se para a Parpública, a "holding" instrumental do Estado, que tem uma posição accionista relevante na EDP, está cotada no mercado obrigacionista e, em circunstâncias iguais à da Brisa, também teve de divulgar um esclarecimento público.
Pelo meio, a CMVM lançava um conjunto de regras mais apertadas para os auditores, para os analistas e para o governo das sociedades cotadas, que ficou conhecido pelo Pacote de Transparência, e ao qual o Jornal de Negócios também decidiu dar ampla cobertura noticiosa.
Mas quem tanto elogiou a integridade, a imparcialidade e a coragem do CMVM, tem uma legitimidade reforçada para agora acusar a mesma CMVM de desmoralizar as suas práticas e aqueles que, como é o caso da imprensa especializada, têm o dever de as defender sem transigências.
Porque, se a CMVM não foi permeável a pressões, o mínimo que se pode dizer é que decidiu pegar na sua credibilidade, lança-la na fogueira e morrer queimada nas suas próprias e inacreditáveis contradições.
A EDP tem menos-valias potenciais no BCP e só não cometeu o mesmo erro da Brisa, porque o seu pecado é pior. As provisões não são insuficientes. Pura e simplesmente não existem.
A CMVM dá-se por satisfeita e atrapalha-se em explicações nada convincentes. Porque não é possível explicar o facto de as regras serem iguais para todos. Ser forte para os fracos e fraco para os fortes parece ser a nossa sorte de vida. Não é sorte. Mas é a nossa vida.