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Andrés Velasco - Economista 03 de Abril de 2012 às 23:30

Brasil, não mais o País do Futuro?

Durante uma visita ao Rio de Janeiro, no ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse a uma multidão animada que o Brasil não é mais o país do futuro. "Durante muito tempo disseram-vos para esperar por um dia melhor, que estava sempre ao virar da esquina", disse Obama. "Meus amigos, esse dia finalmente chegou".

Durante uma visita ao Rio de Janeiro, no ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse a uma multidão animada que o Brasil não é mais o país do futuro. "Durante muito tempo disseram-vos para esperar por um dia melhor, que estava sempre ao virar da esquina", disse Obama. "Meus amigos, esse dia finalmente chegou".

Obama está certo? À primeira vista, a resposta parece ser um sim inequívoco. O Brasil é hoje democrático, e a sua presidente chega a sentar-se ao lado de líderes russos, indianos e chineses, nas tão faladas cimeiras dos BRIC. A economia resistiu à crise desencadeada pelo colapso do Lehman Brothers em 2008, e consolidou uma vigorosa recuperação em 2010. O Brasil não só permanece como uma potência do futebol de alto nível, como vai receber o Campeonato do Mundo de 2014 – e os Jogos Olímpicos de Verão dois anos depois.

Durante um tempo, os mercados financeiros estiveram absorvidos num tórrido caso amoroso com o Brasil. No rescaldo da crise, foi derramado capital para dentro do país, provocando uma subida dos preços dos activos. A gigante do petróleo, Petrobras, captou 67 mil milhões de dólares na sua Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla inglesa) que, até aí, foi a maior de sempre.

Mas escavando um pouco mais fundo, uma realidade mais complexa emerge. Um apartamento num bairro elegante de São Paulo pode custar tanto como em Londres ou Nova Iorque, mas quando se trata de competitividade, o Brasil ocupa a 53ª posição no mais recente índice do Fórum Económico Mundial – um pouco à frente das Maurícias e do Azerbaijão, e atrás de Malta e do Sri Lanka.

Claro que a situação macroeconómica do Brasil é muito melhor agora do que era há dez anos, quando o capital fugiu do país e a taxa de câmbio colapsou, meses antes de Luiz Inácio Lula da Silva ser eleito presidente. Anos de superávit fiscal primário, que começaram na presidência de Fernando Henrique Cardoso, e continuaram depois de 2002 com Lula, permitiram manter a dívida pública sob controlo e deram ao Brasil um rating com grau de investimento.

Mas quão rápido o Brasil pode crescer, e por quanto tempo, permanece em dúvida. Após o "boom" de 2010, o crescimento económico abrandou abruptamente. Na verdade, no terceiro trimestre de 2011 o crescimento já tinha parado. A actividade económica acelerou um pouco desde aí, mas a previsões para 2012 apontam para um crescimento real do PIB de 3,5%, ou menos.

O principal entrave ao crescimento é a falta de poupança interna. Se o Brasil aumentar a sua taxa de investimento dos actuais 19% para 23% do PIB (tal como deveria, para construir todas as infra-estruturas do Campeonato do Mundo), terá de assumir um défice em conta corrente e depender de poupança externa equivalente a 3-4% do PIB nos próximos anos. Esse buraco pode ser facilmente financiado pela liquidez abundante que existe hoje, a nível global, mas um incumprimento desordenado na Europa ou uma eventual contracção monetária nos Estados Unidos (sim, isso acontecerá um dia) pode alterar tudo.

Além disso, os investidores não vêem os activos brasileiros e não brasileiros como substitutos perfeitos, e por isso, as baixas taxas de poupança interna significam taxas de juro (reais e nominais) eternamente elevadas. O Brasil é um país onde o mercado se anima cada vez que a taxa de juro de curto prazo do Banco Central cai abaixo dos 10%.

Para compensar o impacto desses elevados custos de capital sobre o investimento, o Banco Nacional do Desenvolvimento do Brasil (BNDES) oferece milhares de milhões de dólares, em empréstimos de longo prazo, com taxas de juros reais nulas ou mesmo negativas. Isso beneficia certamente as empresas que conseguem obter esses empréstimos; infelizmente, essas empresas não são necessariamente as mais produtivas do Brasil.

No Brasil, tanto o sector privado como o público poupam menos do que deveriam, mas é a falta de poupança do governo que constitui o maior problema. Não é por falta de receitas: as receitas fiscais do Brasil, em proporão do PIB, são as mais altas da América Latina. O problema é um Estado que investe muito pouco porque destinou muito dinheiro a despesas correntes inflexíveis.

As pensões do sector público são um bom exemplo. Um relatório recente do banco Itaú estima que, em 2010, o sistema de Segurança Social que abrange trabalhadores do sector privado gastou 6,8% do PIB em benefícios concedidos a 24 milhões de pessoas. No mesmo ano, o sistema de segurança social dos trabalhadores do sector público gastou 2,1% do PIB em benefícios – mas, para menos de 3 milhões de pessoas. Por outras palavras, os benefícios dos pensionistas do sector público são 2,5 vezes superiores aos dos reformados do sector privado.

A presidente Dilma Rouseff está consciente do problema, e o seu governo anda a pregar ao Congresso uma ambiciosa reforma das pensões. Mas o progresso, talvez de forma inevitável, tem sido lento. Espera-se que a reforma seja aprovada pela Câmara baixa em breve, e que daí passe para o Senado – uns meros 15 anos depois de ter sido introduzida pela primeira vez.

O objectivo é libertar recursos para o investimento público que o Brasil tão desesperadamente precisa. Num país de dimensões continentais longe dos mercados asiáticos, os custos de transporte são fundamentais. O Brasil tem de construir novas estradas, portos e aeroportos, e não apenas para os turistas loucos por futebol em 2014. Deve construí-los para criar novas exportações e também empregos mais bem remunerados, necessários para reduzir a gigantesca desigualdade de rendimentos no Brasil. Se, e quando acontecer, o Brasil será o país do presente e do futuro.

Andrés Velasco, ex-ministro das Finanças do Chile, é professor convidado da Universidade de Columbia em 2011-2012.

© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria



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