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01 de Junho de 2010 às 12:07

As negociações estão reféns dos negociadores

Recomeçaram as negociações com vista a encontrar um sucessor para o Protocolo de Quioto. As Nações Unidas estão mais uma vez em Bona para pegar nos estilhaços de Copenhaga e tentar reconstruir um processo que foi muito mal tratado no frio Dezembro...

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Recomeçaram as negociações com vista a encontrar um sucessor para o Protocolo de Quioto. As Nações Unidas estão mais uma vez em Bona para pegar nos estilhaços de Copenhaga e tentar reconstruir um processo que foi muito mal tratado no frio Dezembro dinamarquês.

Em Copenhaga cozinhou-se um acordo, provavelmente "O" acordo possível entre as duas grandes potências mundiais: a China e os EUA. Depois os EUA consultaram os países que se poderiam opor ao acordo e que tinham peso suficiente para o poder bloquear (África do Sul, Brasil, China e Índia). E depois mostraram-no e impuseram-no aos outros aqueles cuja vontade política de alcançar um acordo os predispunha a aceitar fosse o que fosse e aqueles cuja oposição poderia ser facilmente ignorada (como aconteceu com a oposição manifestada por países como a Venezuela e a Bolívia).

Não se sabe o que os países vão fazer com o Acordo de Copenhaga. Se bem conheço estas negociações, as duas semanas de Bona serão fundamentalmente dedicadas a jogos tácticos precisamente sobre este tema: utiliza-se o Acordo de Copenhaga como uma base para continuar as negociações ou voltamos ao ponto das negociações imediatamente anterior à aprovação do acordo e volta a estar tudo em aberto?

Yvo de Boer (que deixa o cargo de secretário executivo da convenção no dia 1 de Junho, sendo substituído pela costa-riquenha Christiana Figueres) tratou de baixar as expectativas logo em Janeiro, dizendo que agora temos que ir mais devagar, não devendo ser esperado um acordo legalmente vinculativo na próxima reunião de alto nível que decorrerá em Dezembro, no México.

Yvo de Boer deixa assim mais uma marca forte num processo cujos maiores fracassos se podem facilmente associar ao seu nome. A reunião da Convenção em 2000, quando a Holanda presidia à Conferência das Partes e Yvo de Boer era chefe da equipa que assessorava o Ministro do Ambiente Holandês, presidente da COP e responsável pela condução das negociações, foi a única, em toda a história da Convenção de Clima que resultou num fracasso, na ausência de um acordo final. Em Copenhaga, enquanto Yvo de Boer encabeçava o Secretariado da Convenção, o resultado foi pouco melhor que em 2000. Coincidência?

A verdade é que como em qualquer outra questão, o destino do mundo está nas mãos de pessoas, de homens e mulheres com certas características de personalidade, com defeitos e com virtudes, que são bons técnicos ou nem tanto assim, que são bons políticos ou nem tanto assim. Em Copenhaga ter-se-ão conjugado um conjunto de pessoas que acabaram por, no seu conjunto, contribuir negativamente, em virtude das suas características pessoais, para o resultado que se esperava alcançar.

Longe de mim querer personalizar em Yvo de Boer esta tese e muito menos atribuir-lhe as responsabilidades pelo fracasso de Haia ou de Copenhaga. Negociações desta natureza são demasiado complexas para que uma só pessoa tenha a influência suficiente para ditar o fracasso ou o sucesso. Nem ao presidente americano se lhe poderá atribuir tal responsabilidade. Até porque ele só fez o que fez, porque quando chegou a Copenhaga foi confrontado com uma mão cheia de nada.

Mas de muitas pessoas se faz uma reunião com capacidade para decidir sobre o futuro do mundo (desenganem-se os que pensam que na Convenção das Alterações Climáticas a preocupação principal é o ambiente… não, a preocupação principal é a energia e o acesso à energia e todas as implicações que tal tem no equilíbrio de poderes entre as grandes potências mundiais), pessoas essas que vão deixando a sua marca pessoal, por vezes tão ou mais forte que a marca deixada pelos países que representam. É o caso de uma antiga negociadora (desde as primeiras negociações que conduziram à adopção da Convenção em 1992), que apresenta uma duríssima linha negocial, completamente desalinhada com a abertura expressa a alto nível pelo seu país e que acaba a negociar com a bandeira de outro país, depois de ser convidada a abandonar as negociações em nome do seu. É o caso do negociador que muito insiste que um fundo de apoio aos países em desenvolvimento possa financiar a publicação de livros, quando a sua tese de doutoramento sobre tema relevante está prestes a ser concluída. É o caso do Presidente, cuja inabilidade negocial obriga à sua destituição no momento crucial de tomada de decisão (ou seja, alta madrugada). Enfim, será o caso de todo e qualquer representante de todos os países que certamente imprimem o seu cunho pessoal às decisões tomadas. Não tivessem estas decisões repercussões tão sérias para as pessoas e para o planeta, não seria assim tão grave…

Quem sabe se esta "Pessoa", Christiana Figueres, no novo papel de secretária executiva, não trará um novo fôlego e uma nova perspectiva à forma como as restantes pessoas lidam com a vida da Humanidade. Quem sabe se a conjugação de pessoas com características latinas (Christiana Figueres da Costa Rica, enquanto Secretária Executiva e o Ministro do Ambiente ou dos Negócios Estrangeiros Mexicano, enquanto presidente da Reunião de Dezembro em Cancun), não conseguirão levar a bom porto as negociações! Apesar de tudo, as expectativas são elevadas!

Especialista em Alterações Climáticas, Consultor da Comissão Europeia





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