Opinião
Arbitragem: a justiça alternativa para um Estado pobre?
A possibilidade de submissão dos litígios, públicos e privados, a tribunais arbitrais encontra-se expressamente prevista na Constituição portuguesa
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A possibilidade de submissão dos litígios, públicos e privados, a tribunais arbitrais encontra-se expressamente prevista na Constituição portuguesa e, reconheça-se, trata-se de um mecanismo de resolução alternativa de conflitos que tem provado, nas mais diversas áreas do direito, as suas enormes vantagens: uma justiça bem mais ágil e rápida do que a via tradicional do recurso aos tribunais judiciais. De um modo geral, cada uma das partes nomeia o seu árbitro, os quais se encarregam depois de nomear um terceiro, que presidirá ao tribunal.
Mas se a arbitragem é uma alternativa mais rápida e mais ágil, será que é sempre uma alternativa mais barata, como normalmente se apregoa? Ainda agora, no relatório que acompanha a proposta do OE para 2011 pode ler-se que "será assegurada a divulgação da mediação e da arbitragem, como meios de resolução de conflitos mais rápidos, baratos e simples" (cfr. pág. 215).
Em tempos de austeridade, em que o esforço da redução da despesa pública deve ser uma preocupação de todos, impõe-se efectivamente uma reflexão sobre os custos dos processos arbitrais em que o Estado e outras entidades públicas se encontram envolvidos na natural procura daquela agilidade e rapidez. Para quem não sabe, os custos das arbitragens correspondem, na sua quase totalidade, aos honorários e às despesas dos árbitros e aos encargos administrativos do processo. E essa remuneração, bem como a sua repartição entre as partes, é fixada na convenção de arbitragem, cabendo normalmente à parte vencida suportar a totalidade ou a maioria desses custos.
Se o montante dos custos das arbitragens, quando os conflitos sejam entre entidades privadas, devem ficar naturalmente na livre disponibilidade e acordo das partes, o mesmo não deveria suceder sempre que o litígio envolvesse o Estado ou outras entidades públicas. Porém, como até hoje o Estado nunca se preocupou em efectuar uma regulação da matéria dos custos da arbitragem nos litígios emergentes de relações de direito público, a prática, entre nós, tem sido a de deixar esses custos no acordo entre as partes, remetendo, as mais das vezes, para as tabelas do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa (Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa), cujo critério assenta no valor correspondente ao pedido formulado. Ora, de acordo com essa tabela, se o valor da arbitragem for, por exemplo, de 10 milhões de euros, os honorários dos árbitros serão de 137.250 euros e os encargos administrativos de 15.200 euros, valores a que ainda acresce o IVA à taxa legal máxima.
Mas serão 10 milhões de euros um valor raro e exagerado no normal das arbitragens do sector público? Se tivermos presente que o terreno fértil das arbitragens que envolvem o Estado ou outras entidades públicas é o dos conflitos relativos à execução dos contratos públicas (concessões e empreitadas de obras públicas, concessões de serviços públicos e aquisições de bens e serviços), não é difícil perceber que estão normalmente em causa valores muito superiores àquele. Imagine-se, por exemplo, o que seria um conflito relativo à execução do contrato para a construção e exploração da linha de alta velocidade: se o valor da arbitragem fosse de "apenas" 300 milhões de euros (a décima parte dos montantes envolvidos naquela concessão), os honorários dos árbitros seriam superiores a um milhão de euros e os encargos administrativos ultrapassariam os 164 mil euros (mais IVA)! Se o ganho da causa fosse do concessionário, seriam pois estes os custos em que incorreria o Estado.
E não se tome o valor do contrato como expressão directa da robustez financeira do contraente público, pois importa não esquecer que, para muitos deles (a Administração Central do Estado incluída), estamos a falar de contratos comparticipados por financiamento comunitário, que obviamente não comparticipará os custos das arbitragens.
Em Itália, um dos países europeus com mais contencioso em matéria de contratos públicos, a lei do orçamento do Estado para 2008 (o primeiro ano da crise, recorde-se), determinada por razões de contenção da despesa pública, impôs, transitoriamente, uma redução para metade dos limites mínimo e máximo da tabela de honorários (que o Estado até já havia aprovado alguns anos antes) nas arbitragens relativas aos contratos públicos. Mas, desde 1 de Janeiro de 2010, encontra-se completamente proibido em Itália o recurso à arbitragem nos litígios emergentes de contratos públicos.
Eis uma matéria que, especialmente nos tempos que correm, deveria merecer também a atenção do legislador nacional: sem obviamente chegar ao extremo de proibir a arbitragem no âmbito dos contratos públicos (cujas vantagens são inegáveis), impõe-se que o Estado faça, por via legislativa, a regulação dos custos desta via de resolução alternativa dos litígios de direito público, estabelecendo limites razoáveis aos honorários dos árbitros e aos encargos administrativos. Seria certamente um contributo importante para o esforço de redução da despesa pública.
Advogado
Membro da comissão de redacção do projecto do Código dos Contratos Públicos
Mas se a arbitragem é uma alternativa mais rápida e mais ágil, será que é sempre uma alternativa mais barata, como normalmente se apregoa? Ainda agora, no relatório que acompanha a proposta do OE para 2011 pode ler-se que "será assegurada a divulgação da mediação e da arbitragem, como meios de resolução de conflitos mais rápidos, baratos e simples" (cfr. pág. 215).
Se o montante dos custos das arbitragens, quando os conflitos sejam entre entidades privadas, devem ficar naturalmente na livre disponibilidade e acordo das partes, o mesmo não deveria suceder sempre que o litígio envolvesse o Estado ou outras entidades públicas. Porém, como até hoje o Estado nunca se preocupou em efectuar uma regulação da matéria dos custos da arbitragem nos litígios emergentes de relações de direito público, a prática, entre nós, tem sido a de deixar esses custos no acordo entre as partes, remetendo, as mais das vezes, para as tabelas do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa (Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa), cujo critério assenta no valor correspondente ao pedido formulado. Ora, de acordo com essa tabela, se o valor da arbitragem for, por exemplo, de 10 milhões de euros, os honorários dos árbitros serão de 137.250 euros e os encargos administrativos de 15.200 euros, valores a que ainda acresce o IVA à taxa legal máxima.
Mas serão 10 milhões de euros um valor raro e exagerado no normal das arbitragens do sector público? Se tivermos presente que o terreno fértil das arbitragens que envolvem o Estado ou outras entidades públicas é o dos conflitos relativos à execução dos contratos públicas (concessões e empreitadas de obras públicas, concessões de serviços públicos e aquisições de bens e serviços), não é difícil perceber que estão normalmente em causa valores muito superiores àquele. Imagine-se, por exemplo, o que seria um conflito relativo à execução do contrato para a construção e exploração da linha de alta velocidade: se o valor da arbitragem fosse de "apenas" 300 milhões de euros (a décima parte dos montantes envolvidos naquela concessão), os honorários dos árbitros seriam superiores a um milhão de euros e os encargos administrativos ultrapassariam os 164 mil euros (mais IVA)! Se o ganho da causa fosse do concessionário, seriam pois estes os custos em que incorreria o Estado.
E não se tome o valor do contrato como expressão directa da robustez financeira do contraente público, pois importa não esquecer que, para muitos deles (a Administração Central do Estado incluída), estamos a falar de contratos comparticipados por financiamento comunitário, que obviamente não comparticipará os custos das arbitragens.
Em Itália, um dos países europeus com mais contencioso em matéria de contratos públicos, a lei do orçamento do Estado para 2008 (o primeiro ano da crise, recorde-se), determinada por razões de contenção da despesa pública, impôs, transitoriamente, uma redução para metade dos limites mínimo e máximo da tabela de honorários (que o Estado até já havia aprovado alguns anos antes) nas arbitragens relativas aos contratos públicos. Mas, desde 1 de Janeiro de 2010, encontra-se completamente proibido em Itália o recurso à arbitragem nos litígios emergentes de contratos públicos.
Eis uma matéria que, especialmente nos tempos que correm, deveria merecer também a atenção do legislador nacional: sem obviamente chegar ao extremo de proibir a arbitragem no âmbito dos contratos públicos (cujas vantagens são inegáveis), impõe-se que o Estado faça, por via legislativa, a regulação dos custos desta via de resolução alternativa dos litígios de direito público, estabelecendo limites razoáveis aos honorários dos árbitros e aos encargos administrativos. Seria certamente um contributo importante para o esforço de redução da despesa pública.
Advogado
Membro da comissão de redacção do projecto do Código dos Contratos Públicos