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Luís Marques Mendes 17 de Julho de 2022 às 21:19

Acordo de descentralização deverá avançar segunda-feira com foco na educação e saúde

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes avança que o acordo entre autarcas e o Governo deverá aser assinado esta segunda-feria.

INCÊNDIOS

1. Numa semana assustadora, o que há de positivo a assinalar?
• Primeiro, não há fatalidades a lamentar, com excepção do malogrado piloto de aviões. Aprendeu-se a lição do passado recente.
• Segundo, no plano do combate, estamos melhor. Nota-se mais organização, mais coordenação, mais meios e melhor comunicação.
• Terceiro, as populações estão hoje mais conscientes em matéria de limpeza de matas e sobretudo a evitar comportamentos de risco.
• Finalmente, o MAI dá uma imagem de serenidade e eficácia.

2. Em qualquer caso, no plano da prevenção, estamos ainda muito aquém do desejável, como o próprio Presidente da Agência para a Gestão Integrada da Floresta, Tiago Oliveira, reconheceu.
• Há um problema por resolver e difícil de resolver: como dar valor económico à floresta. Há inúmeros proprietários para quem a floresta é um custo. Perdem dinheiro em vez de tirarem valor. Assim, não investem e não limpas as matas. E há casos e casos de heranças indivisas em que os herdeiros não se entendem e as terras ficam ao abandono.
• Esta questão não é fácil de resolver. Mesmo assim, acho que temos de ser mais imaginativos e ousados. Um exemplo: por que não investir na construção de centrais de biomassa em zonas de forte densidade florestal? Ajudava à transição energética, porque a biomassa é energia limpa e renovável. E contribuía para dar valor económico à floresta e para a sua limpeza. Os proprietários florestais tiravam rendimento da venda dos resíduos florestais às centrais de biomassa.

3. Finalmente, há que ter a noção da realidade. Com o flagelo das mudanças climáticas, corremos o risco de fogos cada vez mais generalizados e intensos. O que nos leva à necessidade de acelerar as políticas de combate às alterações climáticas. Infelizmente, a guerra não ajuda. A grande notícia da semana vem da Alemanha e é má: o governo alemão vai reactivar 27 centrais a carvão que tinham sido encerradas.


O FANTASMA DA INFLAÇÃO

1. A inflação é hoje o grande problema do país. Mesmo que o aumento dos preços no segundo semestre seja nulo, a inflação anual fixar-se-á em 7,2%. Como é provável que o aumento dos preços prossiga nos próximos meses, embora a ritmo mais lento, é previsível termos uma inflação da ordem dos 8% este ano.

2. Como sempre sucede nestes momentos, há quem perca e há quem ganhe. No caso vertente, perdem os Portugueses, sobretudo os mais vulneráveis; por outro lado, ganha o Estado. Com preços mais altos, os produtos vendidos geram mais receita de IVA, o que faz disparar a receita fiscal. Concretizando:
a) Os grandes perdedores são os reformados e os pensionistas. No exemplo de uma pensão de 810€, uma inflação de 8% fará com que o valor real da pensão se reduza para 745,20€ (uma redução de quase 65€).
b) Perdedores são também os trabalhadores. No exemplo de um trabalhador da função pública com um salário nominal de 1.548€ (média na função pública) uma inflação de 8% gera um salário real de 1.424,60€ (redução de quase 124€).
c) Ao contrário, o Estado ganha com a inflação. Vejamos:
• Segundo a execução do OE, a receita fiscal estava em Maio a crescer 21% (bem acima da previsão de crescimento de 6,7% do OE);
• Também em maio, a receita do IVA estava a crescer 25% (bem acima dos 10,7% previstos no OE);
• Finalmente, no mesmo período, o ISP tinha um crescimento de 12% (bem acima da previsão de diminuição de 1,6% prevista no OE).

3. Em conclusão: no plano financeiro, ganha o Estado e perdem os portugueses; no plano social, muitos Portugueses têm dificuldade em perceber que, com este "excedente orçamental", não sejam reforçados os apoios às famílias mais afectadas com a crise.


ESTADO DA NAÇÃO

1. Teremos na próxima semana o debate do Estado da Nação. É o sétimo de António Costa. E o mais difícil de todos. Por três razões essenciais:
• Uma razão económica: a inflação e a carestia de vida. Este é o maior problema que o Governo tem pela frente. A inflação acabará por ser este ano, muito provavelmente, o dobro da previsão inicial do governo (4%).
• Uma razão social: é a primeira vez, com os governos de António Costa, que há um ano com perda de poder de compra e redução de rendimentos. Nos anos anteriores foi sempre o contrário. Este contraciclo social gera desconforto na população e desgaste no Governo.
• Uma razão política: de acordo com uma sondagem da Aximage, o PM e o Governo chegam a este debate com avaliações negativas dos portugueses. O PM tem avaliação negativa, o que em 7 anos só sucede pela segunda vez; Marta Temido deixou de ser a Ministra mais popular do Governo; Pedro Nuno Santos levou um "trambolhão" na avaliação política; o próprio Fernando Medina, mesmo sem cometer erros, é "apanhado" pela inflação.

2. Mesmo assim, a oposição não pode embandeirar em arco. Primeiro, o Governo não vai cair. Está protegido pelo escudo da maioria absoluta. Segundo, o Governo até pode ganhar o debate. O modelo favorece o Governo. E o PM vai aproveitar seguramente este debate para fazer alguns anúncios de novas medidas, concentrar o enfoque nas suas propostas e desviar as atenções dos "casos" políticos que o atormentam.


NOVO AEROPORTO

1. Mantém-se viva a polémica em torno da localização do novo aeroporto. Há dois dados relevantes esta semana:
a) Primeiro: a Confederação do Turismo divulgou um estudo que mandou fazer a uma consultora, não sobre locais para o Novo Aeroporto, mas sim sobre as consequências de o não construir em tempo útil. É uma boa iniciativa. O dado mais relevante é este: se só houver Aeroporto em 2034, que é o pior cenário, o país perderá: um milhão e 300 mil turistas por ano; 27 a 40 mil empregos; 8 a 10 mil milhões de euros de receitas. Conclusão: quanto mais rápido se agir melhor.
b) Segundo: um excelente artigo de Carlos Matias Ramos, no Público de ontem. A defender a solução de Alcochete. Estamos a falar de um especialista que liderou em 2007 o estudo do LNEC que conduziu à proposta de Alcochete. Este artigo contraria, e muito, a ideia de que Alcochete é uma solução cara e só de médio prazo. Com alguns dados até agora desconhecidos do grande público.

2. Aqui chegados, há duas questões essenciais a esclarecer:
a) Como diz a Confederação do Turismo, é preciso decidir com rapidez. Por isso, vale a pena perguntar ao Governo: sendo obrigatório fazer a Avaliação Ambiental Estratégica, por que é que não se aproveitaram os anos da pandemia (2020/2021) para a fazer? Ninguém compreende.
b) Já sabemos qual é a solução pretendida pela ANA (Portela e Montijo). Já sabemos qual é a solução desejada pelo Governo (a mesma). Agora, falta saber qual é a melhor solução para o país. Perante os novos dados apresentados por Matias Ramos, uma de duas: ou os dados não são rigorosos e importa rebatê-los; ou os dados são rigorosos e importa levá-los em atenção.


ACORDO NA DESCENTRALIZAÇÃO

1. Está iminente um acordo entre Governo e autarcas em matéria de descentralização. Deverá ser aprovado amanhã mesmo no seio da ANMP. Tive acesso ao documento final que será votado. Tem aspetos positivos e negativos:
a) Aspetos positivos:
• Verbas para conservação de escolas – Aumento de 43%
• Verbas para refeições escolares – Aumento de 88%
• Estado financia a 100% a reparação de escolas em mau estado (451)
• Municípios passam a intervir na fixação de horários dos Centros de Saúde.
b) Aspetos negativos:
• O acordo só cobre duas áreas (Educação e Saúde).
• Faltam portarias essenciais (transportes escolares e pessoal não docente).
• Ficam de fora áreas importantes: ação social, cultura, portos, proteção civil.

2. Este acordo mostra duas realidades:
a) Primeiro: é uma grande vitória dos autarcas. De Luísa Salgueiro, a Presidente da ANMP; dos Autarcas Sociais-Democratas que bateram o pé; e em especial de Rui Moreira. O Presidente da CM do Porto esteve sozinho durante meses a criticar um "simulacro" de descentralização. É o maior vitorioso desta reviravolta.
b) Segundo: este acordo mostra que os números iniciais propostos pelo Governo na área da educação eram uma brincadeira. Estes, sim, já são equitativos e razoáveis. A Ministra Ana Abrunhosa merece ser felicitada pela capacidade de diálogo que evidenciou. Oxalá a possa aprofundar.


A GUERRA E O SEU DESGASTE

1. Na guerra propriamente dita, não há praticamente novidades:
• A Rússia lança terror, mas não avança no terreno. A Ucrânia prepara contra-ataque para agosto.
• Finalmente, houve acordo entre Rússia e Ucrânia para o escoamento de cereais. Um grande esforço de mediação da Turquia e da ONU.
• A Comissão Europeia vai aprovar na próxima quarta-feira um plano para a poupança de energia na UE. Chega ao ponto de estabelecer limites ao ar condicionado em espaços públicos e centros comerciais.
• A mesma CE está a ultimar o 7º pacote de sanções à Rússia, agora no ouro. Numa altura em que se soube que a Rússia depende em 45% da tecnologia avançada europeia. Mais do que dos EUA ou da China.

2. A grande novidade é o desgaste político que a guerra e a inflação por ela gerada estão a ter nos líderes europeus. Em todos, sem excepção. Alguns exemplos:
• Boris Johnson caiu. A guerra ajudou ao provocar uma crise económica brutal no RU;
• Mario Draghi demitiu-se esta semana;
• Macron perdeu a maioria nas eleições recentes;
• Sanchez em Espanha já está atrás do líder da oposição nas sondagens;
• Scholz na Alemanha, apesar de eleito recentemente, está numa perda brutal de popularidade;
• Mark Rutte, na Holanda, é o PM mais impopular na UE;
• António Costa passou a ter avaliações negativas nas sondagens.
Este é, em grande medida, o desgaste da guerra e dos seus efeitos económicos e sociais. E ainda a crise vai no início. Vão ser inevitáveis, no futuro, mais desenvolvimentos: crises políticas, queda de governos e mudança de líderes.
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