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04 de Fevereiro de 2008 às 13:59

A vã procura de um PIB feliz

Em 8 de Janeiro, o presidente Sarkozy, na mesma ocasião em que comunicou a felicidade pessoal que lhe proporciona a nova namorada, anunciou uma iniciativa pouco comum: introduzir a felicidade na contabilidade nacional, em especial no indicador do PIB (pro

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“Interrogue-se se é feliz e deixará logo de o ser” - John Stuart Mill

Em 8 de Janeiro, o presidente Sarkozy, na mesma ocasião em que comunicou a felicidade pessoal que lhe proporciona a nova namorada, anunciou uma iniciativa pouco comum: introduzir a felicidade na contabilidade nacional, em especial no indicador do PIB (produto interno bruto).

Para conferir credibilidade ao projecto, contratou dois prémios Nobel da Economia, Joseph Stiglitz e Amartya Sen, para “reflectirem sobre os limites da nossa contabilidade nacional e do PIB” e apresentarem, numa prazo máximo de 24 meses, propostas de instrumentos de medição do crescimento que “levem em consideração a qualidade de vida”. Na verdade, segundo o presidente “é necessário mudar o instrumento de medição do crescimento”.

Amartya Sen aceitou, apenas e prudentemente, dar alguns conselhos em tão arrojado projecto, provavelmente céptico quanto à sua relevância. Já Stiglitz entusiasmou-se, comprometeu-se a presidir à comissão de reforma e sentenciou: “Há muito tempo que existe entre os economistas um forte sentimento de que o PIB não é um bom instrumento de medida”.

O conceito de PIB foi desenvolvido, a partir dos anos 30 do século XX, solidamente impulsionado pelos trabalhos de Simon Kuznets, prémio Nobel da Economia em 1971. Desde então, sempre existiram diversas críticas, apontando limitações ao conceito; estas visam, essencialmente, o facto do PIB poder aumentar devido a actividades que reduzem o bem estar. O próprio Kuznets já notava, em 1971, na lição de aceitação do prémio Nobel que “? os indicadores convencionais do produto nacional e as suas componentes não reflectem muitos custos de ajustamento ? “ e que “? na verdade, também omitem algumas actividades positivas ?”. Esta consciência sempre esteve presente e conduziu a melhorias sucessivas na contabilidade nacional, sempre inspiradas na relevância empírica tão cara a Kuznets. A última revisão contou com a cooperação e o acordo das mais relevantes instituições internacionais: OCDE, ONU, União Europeia, FMI e Banco Mundial.

As críticas de agora não são, portanto, novas – e não acrescentam rigorosamente nada ao processo de melhoria da contabilidade nacional. São apenas as últimas de uma longa série, agora suportadas por um conjunto imenso de trabalhos que poderemos, para simplificar, designar por economia da felicidade. A proposta de alteração das componentes do PIB ou de o substituir por um Produto Interior de Felicidade, retoma o argumento, já antigo, de modificar o PIB para ter em conta várias externalidades, como as variáveis ambientais.

As propostas surgidas no seio desta corrente baseiam-se na autoavaliação do bem-estar ou da felicidade, cujos indicadores têm revelado relações incertas, ou mesmo contraditórias, com a produção de riqueza, de que o paradoxo easterlin 1 é o exemplo mais antigo e eloquente. Apesar dos esforços de muitos investigadores, entre os quais se deve destacar o prémio Nobel da Economia de 2002, Daniel Kahneman, a medição objectiva da felicidade e do bem estar tem-se revelado uma tarefa inacessível, levando aquele, a reconhecer finalmente que os indicadores de felicidade não são de grande utilidade para os decisores 2.

Os indicadores agregados de felicidade revelam-se insensíveis ao crescimento dos rendimentos médios ou da desigualdade de distribuição dos rendimentos. Na verdade, aqueles indicadores, registando anualmente altos e baixos, revelam em termos de tendência uma assinalável estabilidade. Nas últimas décadas, a esperança de vida aumentou, diminuiu a desigualdade entre os sexos, os indicadores de saúde melhoraram substancialmente, mas estas variáveis não revelam correlação com os indicadores de felicidade. Surpreendentemente, alguns estudos revelam uma correlação negativa com as taxas de criminalidade e insensibilidade aos períodos de depressão económica.

Ainda que fosse possível introduzir no PIB componentes objectivas de bem-estar e felicidade – o que a já apreciável história da economia da felicidade revelou não ser expectável – o novo agregado transmitiria menos informação, pela amálgama de dados de diferente natureza que agregaria. Por outro lado, não colhe o argumento de que a proposta permitiria considerar elementos favoráveis à tomada democrática de decisões. Na verdade, esta efectivamente já não toma - nem tem que tomar - exclusivamente como objectivo o crescimento do PIB tal como está actualmente definido. O facto de ser adequado tomar em consideração variáveis não económicas não obriga nem legitima a destruição ou o por em causa da construção laboriosamente erguida pelos economistas nos últimos 70 anos.

Apesar do impasse da economia da felicidade, esta ganha crescente popularidade nos círculos políticos.

O motivo desta iniciativa parece ser a decepção com o medíocre crescimento económico dos últimos anos. Mas, não seria mais apropriado procurar tratar a doença em vez de tentar partir o termómetro ?

1 O paradoxo easterlin, com origem num trabalho de 1974 do economista Richard Easterlin, refere-se ao facto da felicidade reportada pelos agentes económicos não acompanhar a evolução da riqueza dos mesmos.
2 Daniel Kahneman, “The Science of well-being”, Seminar at the Institute for Public Policy Research, Londres,

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