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30 de Maio de 2011 às 12:10

A União Europeia será mesmo estúpida?

Há algum tempo, e a propósito das conclusões do Conselho Europeu da Primavera

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Há algum tempo, e a propósito das conclusões do Conselho Europeu da Primavera, interroguei-me se a rainha iria nua, procurando acentuar aquilo que me parecia ser a divergência radical entre o prometido e anunciado, patente nos escassíssimos e conservadores resultados alcançados. Daí para cá, tenho assistido, atónito, ao espectáculo da multiplicação de declarações, por vezes contraditórias e, quase sempre, incendiárias dos mercados por parte de responsáveis da União Europeia.

Com a sua capacidade analítica impar e o brilho da sua inteligência e cultura, o meu amigo José Medeiros Ferreira, tem comparado a actual situação europeia ao período final do Império Austro-Húngaro, com o poder caído na mão de uma burocracia desligada da realidade. Creio que tem absoluta razão e que a burocracia da União Europeia, que tanto tem contribuído para afastar os cidadãos da ideia de Europa, se limita a cuidar dos seus interesses, sem cuidar de saber de qualquer projecto europeu.

Quando vejo as declarações de Jean-Claude Trichet (e só posso antever que Mario Draghi, obcecado por mostrar aos alemães que é mais teutónico do que eles próprios, se não afaste muito do que tem sido a posição oficial e oficiosa do BCE) orientarem-se no sentido de impor à Grécia medidas claramente insuportáveis, ao mesmo tempo que o Banco Central Europeu começa a subir as taxas de juro, apesar do anémico crescimento da Zona Euro e da crise dos países periféricos, só posso interrogar-me se a independência dos bancos centrais será uma solução tão boa quanto aquilo que fomos levados a acreditar.

Ainda muito recentemente ("Público" de 22 de Maio) Dani Rodrik - ele próprio um importante economista - analisava os caminhos que levam os economistas a denegrir o valor da democracia, falando "(...) por vezes como se a alternativa a uma governação democrática fosse as decisões serem tomadas por magnânimos filósofos-reis platónicos - de preferência economistas" para concluir que "esse cenário não é nem relevante nem desejável. Por uma razão: quanto menor for a transparência, a representatividade e a responsabilidade de um sistema político, mais provável é que sejam interesses especiais a controlar as regras".

Aquilo que me parece verdadeiramente enigmático é, no entanto, a razão que leva os principais dirigentes políticos europeus a insistirem numa receita que ficou já amplamente demonstrado que só pode conduzir a péssimos resultados para os pacientes a quem for ministrada e, em última análise, a eles próprios ou aos interesses que representam.

Não faltam análises para explicar que as vistas curtas e a arrogância da Senhora Merkel e do Senhor Sarkozy se devem a preocupações eleitoralistas. Como as derrotas da chanceler alemã se sucedem e a popularidade do presidente francês se mantém baixíssima e a sua reeleição incerta, apesar do incidente Strauss-Kahn, sou forçado a não acompanhar a explicação.

Confesso que me esforcei muito por entender qual a racionalidade deste comportamento e que, generosamente, fui até levado a pensar que se tratava de um posição moral, ligada à protecção legitima dos investidores em títulos de dívida pública dos países ditos periféricos mas, ao verificar que se trata de aplicações que, a pretexto de serem de elevado risco, proporcionam uma remuneração muitas vezes superior à de uma aplicação segura, fui levado a concluir que não existe qualquer argumento moral em opor-se a que os credores sacrifiquem uma parte do seus ganhos, uma vez que a aplicação era segura.

Mas será que, não havendo explicação moral, haverá uma explicação de captura dos políticos por interesses financeiros?

Também aí parece difícil encontrar racionalidade de comportamento porque, ao insistir em programas de drástica austeridade, que apenas pioram a situação financeira dos Estados e a sua capacidade para respeitar os compromissos, enveredam os políticos europeus por um caminho totalmente lesivo daqueles interesses.

Lembrei-me, então, do brilhante ensaio de Carlo Cipolla "As Leis da Estupidez Humana" e da sua regra de ouro da estupidez - uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas, sem retirar qualquer vantagem para si, podendo até sofrer um prejuízo com isso. A nossa vida - recorda-nos o historiador italiano - "está também recheada de episódios que nos fazem incorrer em perdas de dinheiro, tempo, energia, apetite, tranquilidade e bom humor por causa das acções improváveis de uma qualquer absurda criatura, que surgem nos momentos mais impensáveis e inconvenientes e nos provocam prejuízos, frustrações e dificuldades, sem que a ela tragam ganhos de qualquer natureza".

A questão que me ocorre é, então, a de saber se, transpondo a análise de Cipolla para o plano das instituições, poderemos interrogar-nos sobre se a União Europeia é estúpida?

A menos - claro está - que tudo isto se reduza a uma complexa encenação, em que existe um plano B, cujos objectivos sejam expulsar do clube dos ricos, isto é da Zona Euro, umas populações mais escuras que, insidiosamente, se infiltraram. E os Irlandeses que, pelos seus olhos e pele clara, iludiram a Europa que, por um pouco, se esqueceu que os costumava tratar como os negros da Europa irá, também, pelo mesmo caminho. Não foram, aliás, eles, as ovelhas negras que votaram "não" num referendo ao reforço da integração europeia?

Não será isto que a Comissária Maria Damanski quis dizer?

E ainda mais uma pergunta - esta para a Helena Garrido - será mesmo possível que "os líderes do euro se convençam de que, seja qual for o país, de olhos azuis ou olhos negros, um problema de dívida não se resolve com taxas de juro cada vez mais altas e mais e mais austeridade. O fim deste caminho é acabarmos todos, incluindo a Alemanha e a França, sem o euro e sem pagar as dívidas. Um destino que ninguém deseja?"


Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, Presidente do IDEFF e do Instituto Europeu
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