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A teologia da mentira

Os últimos e gravíssimos acontecimentos no Iraque, para além da ideologia que os determina, devem levar-nos a animar uma séria reflexão sobre a ausência demoral de muitos comentadores.

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Os últimos e gravíssimos acontecimentos no Iraque, para além da ideologia que os determina, devem levar-nos a animar uma séria reflexão sobre a ausência demoral de muitos comentadores.

A defesa que estes ainda persistem em fazer, sobre a necessidade da intervenção armada, consente que os vejamos como intelectualmente desonestos e moralmente desprezíveis.

Que pretendem, ao dar abrigo a esta monumental impostura? Não se trata de um julgamento de opinião (a opinião, como a asneira, são livres), sim da confirmação de que a ordem inteligível dos factos pode determinar, em certos espíritos, atrozes distorções culturais e vergonhosas deformidades de carácter.

Manter que o Iraque «melhorou» com os bombardeamentos e que a população vive em maior «liberdade» é negar que a realidade se exprime por ela mesma.

Haverá «liberdade» num país cuja estampa é a mortandade, o rapto, o sequestro, a selvajaria mais hedionda?

Os documentários, as reportagens, os depoimentos, os livros argumentam que a verdade é mais objectiva que dogmática, e que o conjunto de posições (e de posteriores acontecimentos decorrentes da invasão) define o espaço das escolhas.

Não foi a «bondade» nem uma espécie de filantropia «democrática» que motivou a invasão. A instauração da mentira como teologia merece ser interrogada nos seus fundamentos.

Ao evocar Gog e Magog como justificação da acção política da sua Administração, GeorgeW. Bush não sabia do que falava.

Ventríloquo da seita evangélica mais poderosa dos Estados Unidos, a Evangelical Churches of Jesus Christ, ele tem sido a face visível (e beligerante) de quatro dos maiores empórios transnacionais, cujas sedes estão em Washington e em Boston.

As pessoas relativamente bem informadas não desconhecem esta realidade, nem a circunstância de Bush ser um Born Again Christian (um cristão que renasceu, ou, melhor: que nasceu uma outra vez), «movimento» que molda a ideia segundo a qual a América do Norte é um país «iluminado», destinado a redimir a humanidade de todos os pecados.

O poder persuasivo (e financeiro) das Evangelical Churches é tentacular. Calcula-se que aquela corrente evangélica possua, já, 70 milhões de prosélitos norte-americanos, e que se tem expandido, com a rapidez de uma endemia, pela América Latina, Japão, passando por África, pela Europa, Rússia, Índia, China.

Os números falam por si: mais de 500 milhões de evangélicos no mundo. Não é, somente, o petróleo a origem da invasão: está em marcha um projecto de domínio religioso, cujos germes são o fanatismo e a intolerância, e se respaldam numa estratégia política e económica das mais agressivas que o mundo conheceu.

Manter a mentira da «invasão necessária», à luz da História e dos acontecimentos que, hora a hora, nos perturbam e assustam, ferra de indignidade e de indecência todos aqueles que a pleiteiam.

No registo daqueles que, nos jornais, nas rádios e nas televisões, defendem a «razão superior» de Bush, manifesta-se a supressão da moral na sua forma mais rudimentar. Porque eles sabem que nós sabemos que eles sabem.

Apostila - Recomendo, aos meus Dilectos, um livro importantíssimo: «História do Ateísmo», de Georges Minois, edição da Teorema, cujo catálogo reflecte a classe cultural e a curiosidade activa de Carlos Veiga Ferreira, um dos grandes editores portugueses, no que a palavra «editor» comporta de arrojo, e de actividade de serviço público.

A discussão das etimologias encontra, neste texto, um conteúdo fundamental. E fornece-nos amplos motivos de reflexão sobre aquilo que no-lo é vinculado através das religiões. Com o ensaio clássico de Mircea Eliade («Tratado de História das Religiões»), este é um livro indispensável.

Frase para Decorar: «Digo sempre, não o que deveria dizer, mas o que na verdade penso.» – Óscar Wilde.

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