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23 de Agosto de 2012 às 10:49

A síndrome da garagem

As incubadoras são umas garagens-turbinadas do século XXI, que deveriam ser aproveitadas pelos empreendedores para testarem e lançarem os seus projectos.

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Qualquer empreendedor que se preze quer seguir as pisadas de Bill Hewlett e Dave Packard, dois alunos da prestigiada universidade de Stanford, que em 1939 fundaram, numa garagem em Palo Alto, a HP. A garagem é hoje um ícone de Palo Alto e reconhecida como o local de nascimento do Silicon Valley. Se continuarmos a percorrer a história do empreendedorismo, deparamo-nos com mais exemplos de empresas, actualmente colossais, que foram fundadas em garagens, apartamentos, residências universitárias e mais um conjunto de soluções imobiliárias pouco adaptadas ao nascimento de uma empresa.

Ao falar com empreendedores, tenho a nítida sensação que a "garagem" se tornou num pré-requisito para o sucesso, e que adquiriu um significado quasi-celestial - vista por muitos como o laboratório de inovação do mundo e como o principal (e para alguns, único) local de nascimento de grandes empresas. Ou seja, se eu, enquanto empreendedor, quiser ter sucesso, tenho que fundar a minha empresa numa garagem.

Esta é uma ideia que tem de ser desmistificada já que tem riscos enormes associados. É importante que fique claro que as soluções de espaço que levaram ao nascimento da HP, do Facebook e de outras grandes empresas, têm um único aspecto em comum: o factor espaço era perfeitamente secundário para os empreendedores. O foco dos empreendedores era apenas o de testar a ideia e desenvolver uma primeira versão do produto ou do "software". As soluções de espaço, aparentemente pouco apropriadas, surgiram como opção de recurso, permitindo aos empreendedores trabalharem em conjunto sem qualquer custo associado, nada mais do que isso.

Em Portugal, ao contrário do que acontece em Palo Alto, por exemplo, não temos cidades com casas a perder de vista, cada uma com o seu "drive-way" e garagem. A maior parte de nós vive em apartamentos, com garagens partilhadas (com sorte), levando a que a procura da garagem se torne numa cruzada digna de um filme de Indiana Jones.

A conotação de laboratório científico de excelência muitas vezes atribuída à "garagem", pode também levar a um movimento isolacionista dos empreendedores. Já fui testemunha de empreendedores que durante meses viveram isolados do mundo a trabalhar intensamente os seus projectos, altamente confidenciais, e que, após centenas de horas de trabalho e milhares de euros de investimento, perceberam que o potencial do que estavam a fazer era nulo.

A transformação de uma ideia num negócio é um processo interactivo entre o empreendedor e o mercado. Muito dificilmente se acerta à primeira, sendo a capacidade de reagir ao "feedback" do mercado o que pode ditar o sucesso ou fracasso do projecto. O Facebook é um excelente exemplo disto. Mark Zuckerberg vivia submerso no dia-a-dia dos seus utilizadores, recebendo "feedback" instantâneo em relação aos seus protótipos e a novos desenvolvimentos, conseguindo, assim, de forma interactiva, perceber o que os utilizadores queriam, culminando com o nascimento do Facebook.

Actualmente, há soluções de espaço que juntam muitas das necessidades mais importantes dos empreendedores: as incubadoras de empresas. As incubadoras, presentes na maior parte das grandes cidades portuguesas, permitem ao empreendedor, por um custo insignificante, ter simultaneamente um espaço de trabalho e acesso privilegiado ao ecossistema de empreendedorismo em Portugal, que integra outros empreendedores, especialistas, mentores ou financiamento. Esta solução incentiva o empreendedor a estar em contacto com o mercado, bebendo das experiências de situações semelhantes e, de forma interactiva, ir adaptando a sua proposta de valor ao que o mercado realmente está disposto a comprar.

As incubadoras não são um fenómeno português. Extremamente populares nos EUA, incubadoras como o Y-Combinator, Tech Stars, 500 Startups, entre outras, têm ajudado a renovar o espírito empreendedor norte-americano, sendo actualmente responsáveis por apoiar o lançamento de milhares de "startups", todos os anos.

Podemos dizer que as incubadoras são umas garagens-turbinadas do século XXI, e que deveriam ser aproveitadas pelos empreendedores para, de forma mais sistemática e com menor risco, trabalharem, testarem e lançarem os seus projectos.



francisco@leap.pt
Managing Director da Leap

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