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A SEDES e o Estado da Nação

Esta semana, a SEDES, associação cívica liderada pelo ex-Ministro das Finanças, Campos e Cunha, publicou um documento onde acusa o governo de Sócrates de ter perdido o ímpeto reformista e de estar a governar para as eleições. Todos os meios de comunicação social deram grande destaque a esta "tomada de posição".

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No Jornal Público de terça-feira, o tema recebe honras de duas páginas, e na contra-capa desse jornal, José Sócrates volta a merecer uma seta negativa devido ao dito documento.

Segundo o Público, a SEDES "é uma escola de cidadania e tem tido, ao longo da sua vida, uma forte intervenção cívica". Digamos que a SEDES representa em Portugal o que de mais próximo existe a um think-tank. Tal tipo de instituição serviria para dar contributos - com alguma independência do poder político - para a governação do país. E Portugal precisa desse tipo de activismo por parte da sociedade civil.

Tendo em conta estes pergaminhos, bem como o destaque dado pela comunicação social ao tema, esperar-se-ia um manancial de dados no documento da SEDES, que levassem à conclusão fundamentada de que Sócrates anda a governar para as eleições. Poderiam, por exemplo, apresentar-se indicadores sobre as políticas deste governo nos primeiros dois anos de governação, que fossem comparados com indicadores mais recentes, demonstrando o congelamento das reformas.

Surpreendentemente, o documento não apresenta quaisquer dados. É simplesmente um somatório de opiniões sobre três políticas públicas por parte de um ilustre grupo de pessoas.

Vejamos em concreto: o documento, que tanta tinta fez correr, tem na totalidade seis páginas. Identifica três áreas problemáticas em que existe suposto declínio no ímpeto reformista. Desde logo se poderá questionar a razão da não inclusão de outras áreas igualmente importantes, como a Justiça ou a Administração Pública. Mas adiante. A cada área seleccionada dedica alguns (poucos) parágrafos. Na Saúde, afirma que as Unidades de Saúde Familiar estão em avançada fase de concretização mas "é importante que esta reforma seja concluída". Além disso, diz que a reforma dos cuidados paliativos "não dá resposta cabal às necessidades das populações". O parágrafo seguinte conclui que o percurso iniciado pelo sector privado no desenvolvimento da sua rede de prestação de serviços de saúde será provavelmente finalizado, mas alerta para os perigos de uma "revisão ideológica entre o Estado e o sector privado". Mas o que significa não dar resposta cabal à reforma dos cuidados paliativos? E que inversão ideológica é esta de que se fala? Os autores não desenvolvem os problemas, enunciam-nos.

No que diz respeito à Educação, o documento elogia algumas reformas que a Ministra fez, mas diz que esta perdeu o fôlego. Além de uma referência en passant à necessidade de adoptar padrões internacionais de exigência, não é dada nenhuma evidência em concreto das reformas que não têm passado de intenções. Também não se explica como se poderia adoptar estes padrões e onde eles seriam necessários.

Finalmente, quanto à legislação laboral o documento vai um pouco mais longe do que nas restantes áreas: indica que o agravamento das contribuições sociais para os contratos a termo pode ter efeitos adversos e propõe uma solução. Afirma também que o subsidio de desemprego devia ser repensado, mas apenas porque "é preferível subsidiar o emprego que o desemprego". Mas porquê? Será esta uma verdade tão evidente que não merece explicação?

Obviamente, o resultado das eleições de 2009 dependerá, em grande medida, da forma como os eleitores percepcionarem a governação de José Sócrates. Daqui até às eleições, aqueles que querem derrubar Sócrates aduzirão argumentos para provar que este Primeiro-Ministro podia ter feito muito mais do que fez. O PS estará à defesa, argumentando que com esta conjuntura internacional melhor era impossível. A SEDES, com a publicação deste documento, perdeu uma grande oportunidade: a de contribuir para um debate mais esclarecedor, mostrando de forma conclusiva as perdas e os ganhos em sectores específicos, do ponto de vista dos cidadãos.

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