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Quem vai capitalizar com o descontentamento político?

Quem vai conseguir capitalizar, transformar em capital político útil a insatisfação que grassa pelas ruas do país? Está em causa a liquidação do sistema partidário enquanto tal. Mas também a governabilidade.

Na manifestação de sábado passado houve um perdedor evidente: o governo. Apesar da discussão dos números, não há dúvidas de que existe uma quebra fundamental entre esta maioria e o eleitorado. Que se compreende no mar de gente que se deu ao trabalho de descer as avenidas do país e encher as praças em manifestação de angústia contra o estado a que o país chegou. Que se sente nas visitas dos membros do governo, achincalhados pelos estudantes, ou grandolados por grupos de cidadãos. Que se intui do número de facturas pedidas com o número de contribuinte de Passos Coelho. Não se perdeu o "respeitinho", mas sim a confiança, algo de mais fundamental e precioso na relação com o poder político. Os primeiros que vão sentir na pele esta insatisfação serão os autarcas da maioria que vão a votos ainda este ano. E se as eleições legislativas fossem hoje, a questão não seria se Passos perdia, a questão seria por quanto. 


Agora falta saber quem é o vencedor político deste descontentamento. Quem vai conseguir capitalizar, transformar em capital político útil a insatisfação que grassa pelas ruas do país? Está em causa a liquidação do sistema partidário enquanto tal. Mas também a governabilidade.

Se olharmos para os países que estão próximos da nossa situação os sinais são claros. Tanto na Grécia como em Itália, a crise trouxe o desmoronamento do sistema partidário. Na Grécia, o controlo férreo do PASOK e da Neo Demokratia, que alternavam no poder desde a transição para a democracia colapsou. Em Itália, o novo partido do cómico Beppe Grillo, anti-partido e à esquerda, "ma non troppo", obteve 25% dos votos, lançando a Itália num ciclo de ingovernabilidade.

Em Portugal as coisas ainda parecem estar em aberto. As trapalhadas recentes entre o avança e recua de António Costa mostram que o PS é um partido por enquanto calado, mas dividido, e que não acredita particularmente em António José Seguro. Apesar disso, há boas novidades para este partido. Por um lado, o governo tem vindo a recuar em vários pontos da agenda, numa aproximação às posições dos socialistas. Por outro o Bloco de Esquerda está oficialmente em crise com a saída de Daniel Oliveira o que configura o fim da vantagem mediática deste partido. Mas o BE enquanto alternativa já tinha começado a esgotar antes. Quando, logo depois de fazer a campanha de Manuel Alegre nas presidenciais de 2011, agendou uma moção de censura ao governo do PS. E quando votou, com o PSD, para rejeitar o PECIV. Se o BE não se distingue programaticamente do PCP e não quer entrar para o governo, para que serve? Para pouco, assim concluiu o eleitorado nas ultimas eleições. Sobra o PCP que continua pouco à vontade com o facto de estar a perder o monopólio da "rua". Se consultarmos o sitio web deste partido verificamos que não fazem qualquer referencia à manifestação de Sábado na sua homepage.

O PS deveria tentar aproximar-se dos grupos de cidadãos que se manifestam. As responsabilidades governativas deste partido são um handicap mas também uma vantagem. No sentido em que oferecem possibilidades legislativas parcelares a esses cidadãos. E o PS sabe fazer isso. Por exemplo, fê-lo em 2011 quando convidou Miguel Vale de Almeida (figura do movimento pelos direitos dos homossexuais) nas listas do PS à AR.

Existe pois um erro fundamental na avaliação desta manifestação quando se diz que ela não serve para nada pois não tem um objectivo político concreto. A manifestação de Sábado pode não ter tido um resultado imediato mas serviu como ilustração evidente da disponibilidade política do eleitorado. Mas não é a sociedade que faz política numa democracia representativa. São os políticos e quem está nas instituições. Quem tem obrigação em corporizar, em dar forma, em transformar o enorme descontentamento político em força para mudar as políticas são os partidos moderados de oposição. As alternativas são os extremismos (à grega) ou o populismo (à italiana).

Politóloga

marinacosta.lobo@gmail.com

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