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Nicolau do Vale Pais 15 de Junho de 2012 às 12:33

A quem dá jeito, afinal, o futebol?

Apesar dos escândalos de lavagem de dinheiro na Fórmula 1, ou dos mais infames casos de fuga fiscal no desporto se encontrarem no Ténis de alta competição, o futebol parece estar sempre na berlinda.

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Apesar dos escândalos de lavagem de dinheiro na Fórmula 1, ou dos mais infames casos de fuga fiscal no desporto se encontrarem no Ténis de alta competição, o futebol parece estar sempre na berlinda. E porquê? O futebol é, por excelência, o desporto dos triunfos impossíveis: o triunfo do génio individual sobre a estrutura colectiva, o triunfo do emigrante Maradona, Messi ou Ronaldo, e do sonho da consagração no regresso a casa, o triunfo dos "davides" sobre os "golias", que depois se transformam em "golias" também. Jogo simples, regra geral mal jogado, tacticamente muito pobre enquanto desporto colectivo, no futebol há margem de erro, e muita, pois a qualidade colectiva está quase sempre abaixo da qualidade individual. As surpresas acontecem, e é essa a ilusão. O resto é a especulação que as sociedades com a identidade fundada no consumo se habituaram a tolerar; o futebol não é pior nem melhor espectáculo-retrato do que a política ou a novela e mesmo algum jornalismo (por vezes em canal público). A quem interessa, afinal, o futebol?

Interessa a muitos, e nem todos bons. Interessou de sobremaneira a José Sócrates e à "entourage" com a qual introduziu esse cavalo de tróia no Guterrismo, a que se chamou o Euro 2004; autarcas ajoelhados perante a propaganda eleitoral de bandeja, clamam agora ajuda com os elefantes brancos; nós, pagamos. Notícia "Jornal Record": a 15 de Setembro de 2000, Armando Vara tomava posse como ministro da Juventude e do Desporto do XIV Governo Constitucional recebendo um "abraço apertado" de José Sócrates, que detinha a pasta do Desporto aquando da vitória da candidatura portuguesa. A cerimónia elevava a importância social e económica do evento... Quando confrontado com perguntas acerca das derrapagens orçamentais e de prazo na construção dos estádios, Vara mandou calar os presentes: "tenho de ir trabalhar", disse. O Euro 2004 viria ainda a ajudar Durão Barroso, Pedro Santana Lopes e o Presidente Jorge Sampaio a legitimarem um Governo não-eleito.

O "desporto-rei" continua entretanto a dar imenso jeito para relativizar o irrelativizável; ao nível local, então, é uma verdadeira manobra de diversão. Com os males do futebol à mostra, tudo o mais é relativo; foi o que achou José Sá Fernandes, vereador do Espaço Público da Câmara Municipal de Lisboa, ao despudoradamente dispensar, desde já, a organização do "Rock in Rio 2014" do pagamento de três milhões de euros em impostos. O Sr. vereador não hesitou; isto, depois de ninguém fora do evento ter feito qualquer prova da sua capacidade de criar riqueza pública, e da CML ter assegurado limpeza e fornecimento de energia gratuitos à Better World, a organizadora. Relativizar? Com certeza. Este valor de benesse fiscal é menos que os 2.5 milhões de euros que a CML destinou para o "Orçamento Participativo", com que António Costa tem publicitado a diferença da sua liderança e do seu futuro. A 16 de Junho teremos o mega piquenique no Terreiro do Paço, com direito a couves e porcos pastando no lioz pombalino. Está a fazer escola, a bandalheira dos eventos, e seria bom que os media não se deixassem tomar por lorpas, como fazem os políticos, com a provinciana falta de critério nestas "produções".

No "distante" Norte, a ilusão não é para menos. No Porto, Rui Rio distribui honestidade televisiva como bilhetes de borla para ver o automobilismo no Circuito da Boavista. E se todos conhecem a sua aversão a Pinto da Costa - para Rio, a popularidade é um critério que num dia se ignora, como no outro serve para entregar a gestão de um equipamento público como o Teatro Rivoli às cegas - poucos sabem das escutas do "Apito Dourado" envolvendo Manuel Teixeira (chefe de gabinete de Rui Rio) e João Loureiro, ex-presidente do Boavista. O caso é noticiado em 2006 e remonta a 2004; as escutas obtidas durante o processo revelaram conversas entre Manuel Teixeira e o filho do Major Valentim Loureiro, onde termos como "esticar" eram aplicados em conversa sobre o PDM, com benefícios para o Boavista que terão chegado aos cinco milhões de euros. A Câmara do Porto emitiu um comunicado - que entretanto já não encontro no "site" da autarquia - em que considerou a conversa "normal". Os media resignaram-se e foram ver os aviões.

Interessa, realmente a todos, o futebol; a mim deu-me jeito para relevar assuntos que deveriam estar em sede de investigação jornalística, mas que o país mediático transforma em bagatelas para noticiar nos intervalos dos jogos, com uma negligência mais perigosa do que qualquer ataque dos adversários.

Força, Portugal.


Links:
http://www.record.xl.pt/Arquivo/interior.aspx?content_id=48166
http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=2555051&especial=Rock%20in%20Rio&seccao=CARTAZ
http://www.publico.pt/Desporto/apito-dourado-joao-loureiro-e-chefe-de-gabinete-de-rui-rio-estao-a-ser-investigados-1256038
http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1008768&especial=Apito%20Dourado&seccao=DESPORTO
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