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A propósito dos 3,9%

O défice público de 2006 ficou em 3,9% do PIB. Foi um resultado positivo, na medida em que se situou sete décimas abaixo dos 4,6% inicialmente orçamentados. Contudo, não sendo ainda conhecida toda a informação relevante (faltam os dados detalhados na ópti

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Foi um resultado positivo, na medida em que se situou sete décimas abaixo dos 4,6% inicialmente orçamentados. Contudo, não sendo ainda conhecida toda a informação relevante (faltam os dados detalhados na óptica de compromissos, a que conta para Bruxelas), é lícito concluir-se, desde já, que se trata, também, de um resultado enganador. Por duas razões.

Primeira: a redução do défice assentou, acima de tudo, no corte do investimento público – que caiu cerca de 15% (!) em relação a 2005 – e na subida das receitas, por via do aumento de impostos, e de progressos no combate à fraude e evasão fiscais (na óptica de caixa, a receita fiscal subiu quase 7% entre 2005 e 2006). No "monstro", isto é, na despesa corrente primária, não se conhece nenhuma medida estrutural que tenha sido levada à prática, tendo a subida de cerca de 2% (registada na óptica de caixa) não sido superior devido, essencialmente, ao congelamento das progressões de carreiras na função pública – que foi prolongado para 2007 (depois de ter sido anunciada como medida para apenas um ano, 2006), e é uma medida de contenção conjuntural, já que não se pode manter indefinidamente (tendo, pois, um carácter extraordinário).

Segunda: a redução do défice de 6% do PIB em 2005 para 3,9% em 2006 (isto é, uma descida de 2.1 pontos percentuais) vem provar quão fantasioso foi o exercício de projecção do défice em 2005, que originou os inesquecíveis e virtuais 6,83%, depois reduzidos para 6% por via do aumento de impostos. Não me recordo de nenhum outro caso em que, num ambiente económico adverso (a economia portuguesa cresceu apenas 1,3% em 2006, o pior resultado da União Europeia), tenha sido possível reduzir em mais de um terço o défice público de um ano para o outro, como aconteceu no ano passado... a não ser que algo de anormal tivesse sucedido. Como sucedeu: foi o artificial forte empolamento da base de partida (a despesa pública em 2005) que levou a esta redução do défice.

Independentemente de tudo isto, o resultado conseguido é, de facto, positivo – mas o futuro é que, em minha opinião, é preocupante porque "não bate certo". Vejamos. Perante os 3,9% anunciados, o Governo reviu o objectivo do défice para 2007 dos anteriores 3,7% para 3,3%. Mas se estava programado um défice de 4,6% em 2006, que devia ser reduzido para 3,7% em 2007, então, tendo sido obtido um défice de 3,9% no ano passado, para manter a relação, devia, agora, passar-se para um objectivo de 3% neste ano. Era a este valor que levaria a redução de EUR 1 118 milhões que o Governo tinha projectado no Orçamento do Estado para 2007, entre os défices de 2006 e 2007. Nesse documento, o défice estimado para 2006 era de 7 027.4 milhões de euros; o défice orçamentado para 2007 era de 5 909.4 milhões de euros. Como, afinal, foi obtido um défice de 6 054.8 milhões de euros em 2006, devia, obviamente, ter-se como novo objectivo para 2007 um défice inferior na redução já prevista, isto é, (6 054.8 - 1 118) = 4 791.4 milhões de euros Mas, em vez disso, o Governo prevê agora um défice de 5 357 milhões de eurosneste ano (3.3% do PIB). Existe, assim, face à anterior redução, uma folga de 565.6 milhões de euros. Que é um sinal preocupante. Mas alinhado com o facto de, há seis meses, as Finanças terem considerado que a reforma da Administração Pública (o PRACE) era indispensável para o sucesso da execução orçamental em 2007 – para agora virem admitir que, afinal, essa reforma não é imprescindível para um bom resultado!...

Ora, esta mudança de posição só se entende porque o Governo não fez o que já devia ter feito para reduzir estruturalmente a despesa pública através da concretização de reformas. Porque está confortavelmente sentado na poltrona dos impostos que todos pagamos a mais, e considera que poderá continuar a reduzir o défice à custa do aumento da receita, de cortes no investimento público e de uma acção meramente conjuntural em relação às despesas de funcionamento do Estado (onde reside o "monstro"). A forma mais fácil (mas mais errada) de reduzir o défice.

Daqui podem ser extraídas duas conclusões.

Primeira: como na altura defendi, o aumento de impostos em 2005 não era necessário – e, se não tivesse tido lugar, o Governo já tinha sido obrigado a agir? como ainda não o fez.

Segunda: acreditando nos números do Governo, a redução de impostos proposta pelo PSD é perfeitamente exequível já em 2007 sem colocar em causa o novo objectivo para o défice e permitindo o cumprimento do Programa de Estabilidade e Crescimento agora revisto. Vejamos: cada ponto percentual no IVA custa 450 milhões de euros; cada ponto no IRC custa 90 milhões de euros (estimativas do Governo). Assim, para todo o ano de 2007, a proposta do PSD de reduzir o IVA de 21% para 20% e o IRC de 25% para 22% imediatamente custaria, mantendo tudo o resto constante (hipótese "coeteris paribus"), 720 milhões de euros(450 + 270). Porém, o impacto do IVA já não recairia sobre o ano todo: se a nova taxa de 20% entrasse em vigor, digamos, realisticamente, em Junho, ela vigoraria sobre 7 meses do ano, pelo que a quebra de receita ascenderia a (450 x 7 / 12) = 262.5 milhões de euros. Já o impacto do IRC, sendo anunciado para este ano, teria efeitos maioritários apenas em? 2008! Ainda assim, imaginemos que o pagamento por conta era mesmo afectado e, portanto, admitamos a perda de receita no IRC de 270 milhões de euros. No total, chegamos a (262.5 + 270) = 532.5 milhões de euros, montante que compara com a folga existente de 565.6 milhões de euros pelo facto de o novo défice projectado para 2007 ser de 3,3% e não 3% – como devia ser. E, mesmo assim, ainda sobejariam cerca de 32 milhões de euros?

Assim, existem condições financeiras para esta proposta poder ser aceite; se tal suceder, transmite-se um sinal positivo para os agentes (empresas e famílias); mas, tão ou mais importante, ainda seria colocada pressão do lado da despesa pública para que as reformas indispensáveis (que levem à sua redução estrutural) não sejam adiadas, como sucede quando há a intenção de as promover mas não existe um enquadramento que as torne realmente obrigatórias. Por outras palavras: o "monstro" tem que emagrecer – mas, como já se percebeu, tal nunca sucederá por sua própria iniciativa. Só com menos recursos (leia-se, menos dinheiro) tal acontecerá pois, que eu saiba, nunca um "monstro" deixou de se alimentar (e engordar?) por vontade própria.

Por isso, quando ouço dizer que propor uma descida de impostos é reconhecer que a economia vai bem, e é um sinal de laxismo e facilitismo, não posso discordar mais! Porque, como a Teoria Económica estabelece, a baixa de impostos tem o condão de reanimar a economia, pelo que faz sentido quando as coisas não vão bem – como agora (isto para além de, estruturalmente, ser importante para a nossa competitividade). E porque, ao fixar metas ambiciosas do lado da receita, o que se quer é precisamente evitar relaxamento, laxismo e facilitismo por parte do Governo. Não queremos que um próximo Executivo, ao tomar posse, tenha como primeira medida aumentar novamente impostos, não é verdade?... Deste remédio já provámos o suficiente, com os resultados que se conhecem...

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