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31 de Dezembro de 2008 às 11:00

A nossa crise, a autêntica a contínua

Por esse mundo fora varrem as ondas da crise financeira e da recessão económica , que nós também a estamos a usufruir e a caminho de apanhar com o olho do furacão lá mais para diante.

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Por esse mundo fora varrem as ondas da crise financeira e da recessão económica , que nós também a estamos a usufruir e a caminho de apanhar com o olho do furacão lá mais para diante.

É a mais grave das nossas vidas, mas em geral as coisas vão acabar por se compor, mais cedo ou mais tarde, com mais penas ou menos penas. Muitos países encontram-se estruturados para receber fortes impactos negativos, tremendo mas não caindo, como aquelas pontes maravilhosas que abanam com os ventos mas cuja elegante flexibilidade faz absorver os choques. E depois, a sua formatação politico, económica e social , virada para o movimento e o dinamismo, permite por isso mesmo o florescimento de um espírito equivalente de progressismo e optimismo nas populações. São países onde se pensa e sente que os "melhores dias são os que estão para vir"1.

Em contraponto, há aqueles sítios onde paira a desgraça continuada e nada há a fazer, seja por razões de guerras ou ditaduras brutais que frustram, demasiadas vezes, a possibilidade da busca da felicidade pessoal e até deixam em risco as vidas e a liberdade. Aqui não se pensa em progresso, apenas em soltar as grilhetas.

Cá em Portugal, pela nossa parte, cultivamos a crise permanente. Um estado de modorra empedernido, de insatisfação e desistência, de inveja e de protecção mesquinha de interesses próprios inibe a capacidade colectiva e dissuade a iniciativa individual2. Mas, infelizmente, existem fartas razões para isso.

Basta pensar na década perdida, quase a acabar com o final deste ano, de mais afastamento do grupo de países a que pretendemos pertencer. Enquanto o mundo crescia ao ritmo alucinante de 5% ao ano, nós por cá ficamos na zona da unidade, apesar da enxurrada de fundos comunitários que continuamos a receber e que, só por si, preenchem essa miseranda taxa de evolução positiva. Já tínhamos sido os felizes contemplados com outra década perdida, a de 1975-85, e com, tantos decêndios a descontar, devemos sentir que temos muita riqueza ainda disponível para o desperdício - mesmo quando se oculta que tal descalabro do afastamento em relação aos da frente, por décadas, já não acontecia desde 1930! Tudo isto, enquanto vamos recebendo novas que nos colocam nos últimos lugares de quase todas as tabelas.

Mas com as estruturas paralisantes de gigantismo do Estado, de mâocomunhão com interesses instalados, corporativos ou económicos, com dirigentes políticos e sociais míopes ou mesmo cegos e seguramente incapazes3, e , acima de tudo, sem expectativa de regeneração, mais vale mesmo distrairmo-nos com as quezílias do futebol, um divertido anestesiante que faz esquecer a falta de esperança.

"No salimos de la cepa tuerta", como dizia o palhaço rico, mas triste, no português espanholado da praxe. E isto é um optimista a transcrever…

1 Numa das mais recentes reestruturações do sistema fiscal nos Estados Unidos, virada para as classes médias e pequenas e médias empresas, verificava-se que o grupo mais favorecido iria acabar por ser o de mais alto escalão, abrangendo 1% dos contribuintes. Ora, numa sondagem publicada na época pela Newsweek, verificava-se que 10% dos inquiridos pensava encontrar-se naquele grupo mais elevado e outros 10% calculava integrá-lo nos 10 anos subsequentes.
Os americanos vivem convencidos da sua excepcionalidade como país, mas, seja assim ou seja assado, esta demonstração de sentimento positivo e optimismo dá que pensar.

2 Penso que muito fica ilustrado quando , aqui há uns anos, a minha Universidade de Coimbra entrou em greve de alunos, protestando contra o aumento de propinas (aliás subsidiadas a 80%), liderada por um terceiranista repetente, com 27 anos, presidente da Associação de Estudantes - o chamado exemplo de sucesso e realização.

Quando a futura elite do país faz greve contra si própria e parece não perceber que o prejuízo de tal "luta", como agora se diz exaustivamente, era para quem a praticava, fica quase tudo dito. Afinal não era elite, apenas um grupo de idiotas.

3 Embora toda a gente goste de bater em Santana Lopes, o meu preferido continua ser António Guterres , cujo governo era classificado pelo seu próprio ministro das finanças, o excelente Sousa Franco, como "o pior desde D. Maria I". Quando soube que ele tinha ido para comissário para os refugiados, da Nações Unidas, no princípio até julguei que seriam os que ele próprio iria fazer desencadear.

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