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Andrés Velasco - Economista 08 de Novembro de 2012 às 23:30

A maldição dos recursos naturais contra-ataca

O Chile produz, actualmente, um terço do lítio de todo o mundo usado nas baterias que fornecem energia a tudo, desde computadores aos carros – e tem um grande potencial para expandir essa proporção. Mas, enquanto todos concordam que o Chile deve aperceber-se do seu potencial como um fornecedor global de lítio, o debate local sobre como alcançar essa conquista tem incendiado os ânimos mas não tem trazido respostas.

O Chile produz, actualmente, um terço do lítio de todo o mundo (http://minerals.usgs.gov/minerals/pubs/commodity/lithium/mcs-2012-lithi.pdf#page=2) – usado nas baterias que fornecem energia a tudo, desde computadores aos carros – e tem um grande potencial para expandir essa proporção. Mas, enquanto todos concordam que o Chile deve aperceber-se do seu potencial como um fornecedor global de lítio, o debate local sobre como alcançar essa conquista tem incendiado os ânimos mas não tem trazido respostas.

O governo do presidente Sebastián Piñera tentou leiloar os direitos para se expandir a produção de lítio até 100 mil toneladas nos próximos 20 anos. Mas, tal como acontece com a exploração de recursos naturais nos países em desenvolvimento – embora não necessariamente no Chile –, o processo tem-se tornado numa tragicomédia de erros, impedindo o desenvolvimento do país. Os outros países exportadores de recursos naturais têm lições a retirar desta experiência.

A administração de centro-direita de Piñera tem apresentado uma rigidez ideológica nesta abordagem. Os seus economistas com formação na Universidade de Chicago defendem que aquilo que interessa é atrair investimento privado para a produção primária de lítio e argumentam também que a promoção das indústrias que dependem do lítio para as suas produções não constitui um objectivo da política pública. Para isso, o governo promoveu um leilão em que a integração vertical e o valor acrescentado internos não eram um critério relevante para adjudicar os direitos de produção.

Os que estruturaram o leilão também não estavam preocupados com a promoção da concorrência interna. E, dado que o governo escolheu que não era preciso submeter-se ao congresso para a aprovação de uma lei que autorizasse o leilão, os investidores temeram riscos legais associados àquela operação. Assim, apenas três empresas apresentaram ofertas e o vencedor inicial foi a SQM, uma das duas companhias que já estavam envolvidas na produção de lítio no Chile.

A operação ficou marcada por um possível conflito de interesses. O ministro das Minas teve de abandonar o processo porque o seu irmão era um dos gestores de topo da SQM, que é controlada pelo ex-genro do antigo ditador general Augusto Pinochet. A empresa tem um passado controverso, enfrenta uma disputa com as autoridades fiscais e é parte de vários processos judiciais envolvendo o governo chileno. No ponto final, estes processos desqualificaram a SQM e levaram à anulação do resultado do leilão.

Esta é uma boa oportunidade para um pensamento de fundo sobre o tema. A Constituição do Chile não deixa margem para dúvidas de que o lítio pertence ao Estado, razão pela qual o Estado tem de ser, necessariamente, um elemento essencial no desenvolvimento da indústria do lítio. Mas nenhuma empresa chilena estatal tem experiência na produção primária do lítio ou em quaisquer dos usos industriais do lítio.

O momento é, por isso, propício para que o Chile faça com o lítio aquilo que nunca fez com outras riquezas minerais: desenvolver uma política abrangente com o intuito de construir uma indústria local de valor acrescentado. Para alcançar essa meta, o Estado chileno vai precisar de parceiros estratégicos, sejam eles estrangeiros ou nacionais. O processo de selecção de tais parceiros deverá ter um quadro de regulação apropriado e deverá preocupar-se com a concorrência, o que falhou no anterior leilão.

A Esquerda tradicional do Chile, que defende que o lítio é legalmente classificado como um recurso estratégico, exclui um maior envolvimento do sector privado na sua produção. As redes sociais estão cheias de argumentos de que se o Estado mantiver o controlo sobre a produção de lítio, a receita resultante irá resolver os problemas do Chile no financiamento da Educação, da Saúde e do imobiliário.

Mas aqueles que lançam estes argumentos não fizeram as contas aritméticas de forma acertada. As exportações anuais de lítio do Chile atingem pouco mais de 200 milhões de dólares – apenas 0,5% das exportações de cobre do país. O mercado de lítio de todo o mundo envolve menos de 800 milhões de dólares por ano em transacções. Mesmo que as alterações tecnológicas fizessem o mercado – e a proporção do Chile nesse mercado – crescer, a produção primária de lítio não iria proporcionar as receitas necessárias para financiar os programas sociais do Chile.

Uma melhor abordagem é desenvolver as competências necessárias para promover a indústria doméstica de lítio, que pode criar bons empregos e bons salários. É improvável que a solução agrade aos ideólogos dos dois lados do espectro político. Mas é a solução certa para o Chile.

Andrés Velasco, antigo ministro das Finanças do Chile, é um professor visitante da Universidade de Columbia.

Copyright: Project Syndicate, 2012.
http://www.project-syndicate.org/

Tradução: Diogo Cavaleiro

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